PENSANDO NO PONTO DE EBULIĂĂO
22/10/2011 -
PENSE!
HOTHOUSE EARTH
English:
http://ngm.nationalgeographic.com/2011/10/hothouse-earth/kunzig-text
HĂĄ 56 milhĂ”es de anos, uma intensificação no nĂvel de carbono causou elevação na temperatura do planeta.
A Terra jĂĄ passou por isso antes. NĂŁo por este estado febril de Ăąmbito planetĂĄrio, pois o mundo era bem diferente da Ășltima vez, 56 milhĂ”es de anos atrĂĄs. O AtlĂąntico ainda nĂŁo estava todo formado, e os animais, incluindo os nossos ancestrais primatas, podiam ir por terra firme da Ăsia, cruzando a Europa e a GroenlĂąndia, atĂ© a AmĂ©rica do Norte. Pelo caminho, nĂŁo teriam encontrado nem uma Ășnica partĂcula de gelo. AlĂ©m disso, mesmo antes dos eventos de que estamos falando, a Terra jĂĄ era bem mais quente que agora. Quando a Ă©poca paleocena foi dando lugar Ă eocena, contudo, as temperaturas subiram de modo brusco e acelerado.
A causa foi uma maciça e repentina, em termos geolĂłgicos, liberação de carbono. NĂŁo se sabe a quantidade de carbono introduzida na atmosfera durante o Evento MĂĄximo Termal do Paleoceno-Eoceno (PETM, na sigla em inglĂȘs), como os cientistas denominam esse perĂodo febril. No entanto, estima-se que tenha sido a mesma quantidade que seria lançada se queimĂĄssemos hoje todas as reservas de carvĂŁo, petrĂłleo e gĂĄs natural do planeta. O PETM durou mais de 150 mil anos atĂ© que o excesso de carbono fosse reabsorvido. Provocou secas, inundaçÔes, pragas de insetos e extinçÔes de espĂ©cies. A fauna terrestre sobreviveu â na verdade, prosperou â, mas tornou-se diferente. As consequĂȘncias evolucionĂĄrias desse auge do carbono podem ser vistas ainda ao nosso redor â elas tambĂ©m nos incluem. E estamos prestes a repetir esse experimento.
âO PETM Ă© um modelo para o que temos diante de nĂłs, do que estamos fazendo ao brincar com a atmosferaâ, diz o paleontĂłlogo Philip Gingerich, especialista em vertebrados da Universidade de Michigan. âĂ a ideia de desencadear um processo que foge ao controle e depois requer 100 mil anos para recuperar o equilĂbrio.â
Gingerich e outros cientistas constataram a mudança evolucionĂĄria no fim do Paleoceno bem antes de sua causa ser atribuĂda ao carbono. HĂĄ quatro dĂ©cadas Gingerich busca fĂłsseis desse perĂodo na bacia Bighorn, um ĂĄrido planalto que se estende por 160 quilĂŽmetros a leste do Parque Nacional de Yellowstone, no norte do estado americano do Wyoming. A maioria das escavaçÔes foi feita nas encostas de uma meseta comprida e estreita, denominada Polecat. O cientista Ă© dono de um sĂtio do qual dĂĄ para avistar a elevação.
Em uma tarde de verĂŁo, Gingerich e eu vamos em sua caminhonete Suburban azul-celeste, modelo 1978, por uma estradinha de terra atĂ© o topo da meseta, e depois seguimos rumo a sua extremidade sul, de onde se descortina uma bela vista das plantaçÔes irrigadas e dos poços de petrĂłleo dispersos ao redor. Durante as eras glaciais mais recentes, explica ele, a Polecat era o leito do rio Shoshone, que a recobriu de calhaus arredondados. Em algum momento, o rio desviou-se para leste e começou a abrir caminho para baixo atravĂ©s dos sedimentos mais macios e antigos que haviam preenchido a bacia Bighorn. Ao longo dos milĂȘnios, as vertentes da meseta foram esculpidas por ventanias no inverno e chuvas no verĂŁo, adquirindo uma aparĂȘncia agreste e deixando expostas diversas camadas de sedimentos. E os sedimentos da Ă©poca do PETM podem ser vistos bem na extremidade sul da formação.
Ă ali que Gingerich recolheu indĂcios documentais de um grande surto entre os mamĂferos. Ă meia altura da encosta, uma faixa de sedimentos avermelhados, com 30 metros de espessura, acompanha as dobras e reentrĂąncias e destaca-se com nitidez. Nessa faixa, Gingerich encontrou fĂłsseis dos mais antigos mamĂferos perissodĂĄtilos (com dedos Ămpares nos cascos), artiodĂĄtilos (com dedos pares) e legĂtimos primatas: em outras palavras, os primeiros exemplares das ordens que hoje incluem, respectivamente, cavalos, bois e seres humanos. Desde entĂŁo, fĂłsseis semelhantes foram achados na Ăsia e na Europa. Eles sĂŁo encontrados por toda parte, como se tivessem surgido do nada. Nove milhĂ”es de anos depois de um asteroide se chocar contra a penĂnsula de YucatĂĄn, desencadeando o cataclismo que aniquilou os dinossauros, a Terra parece ter sido sacudida por outra mudança global.
No decorrer das primeiras duas dĂ©cadas em que Gingerich se dedicou a registrar a transição do Paleoceno ao Eoceno, a maioria dos cientistas considerava o perĂodo uma transição em que um conjunto de fĂłsseis deu lugar a outro. Essa concepção começou a mudar em 1991, quando dois oceanĂłgrafos, James Kennett e Lowell Stott, analisaram isĂłtopos de carbono â ĂĄtomos de carbono diferenciados â em um nĂșcleo de sedimento extraĂdo do fundo do AtlĂąntico nas proximidades da AntĂĄrtica. Bem na divisa entre o Paleoceno e o Eoceno, uma dramĂĄtica mudança na proporção dos isĂłtopos presentes em fĂłsseis de organismos unicelulares conhecidos como foraminĂferos indicava que uma enorme quantidade de carbono ânovoâ havia inundado os oceanos durante um breve perĂodo de poucos sĂ©culos. Esse carbono teria se difundido pela atmosfera, o que, sob a forma de gĂĄs carbĂŽnico, impediria a dispersĂŁo do calor solar e aqueceria o planeta. Os isĂłtopos de carbono nos foraminĂferos sugerem que o oceano todo ficou mais quente, da superfĂcie atĂ© o leito marinho.
No princĂpio dos anos 1990, os mesmos sinais de convulsĂŁo planetĂĄria começaram a ser localizados na meseta Polecat. Dois jovens cientistas, Paul Koch e James Zachos, coletaram amostras de alguns centĂmetros de solo rico em carbonatos em cada uma das camadas sedimentares. TambĂ©m recolheram dentes de um mamĂfero primitivo, o Phenacodus. Quando analisaram as proporçÔes de isĂłtopos nas amostras de solo e no esmalte dos dentes, constataram o mesmo surto de carbono indicado nos foraminĂferos. Com isso, começou a ficar evidente que o PETM fora um episĂłdio de aquecimento global que havia afetado nĂŁo sĂł obscuros organismos marinhos como animais terrestres de maior porte. Os cientistas concluĂram entĂŁo que poderiam usar a elevação no teor de carbono â a marca indubitĂĄvel do acĂșmulo de gases de efeito estufa â para identificar o PETM em rochas do mundo todo.
Mas de onde saiu aquele carbono? Sabemos a fonte do excesso que estĂĄ sendo lançado agora mesmo na atmosfera: nĂłs mesmos. PorĂ©m, nĂŁo havia nenhum ser humano hĂĄ 56 milhĂ”es de anos â muito menos carros e usinas termelĂ©tricas. O mais provĂĄvel Ă© que tenha havido mais de uma origem. No fim do Paleoceno, a Europa e a GroenlĂąndia estavam se separando e abrindo espaço para o AtlĂąntico Norte, o que resultou em maciças erupçÔes vulcĂąnicas que poderiam ter gerado CO2 dos sedimentos orgĂąnicos no fundo do mar â embora sem a rapidez necessĂĄria para explicar os picos de isĂłtopos. IncĂȘndios podem ter consumido os depĂłsitos de turfa durante o Paleoceno, mas a fuligem resultante dessa combustĂŁo ainda nĂŁo apareceu nos sedimentos. Um cometa chocando-se contra rochas carbonatadas tambĂ©m poderia ter liberado muito carbono.
Segundo a hipĂłtese mais antiga, e atĂ© hoje a mais aceita, muito desse carbono veio de imensos depĂłsitos de hidrato de metano, um composto peculiar e parecido com gelo, que consiste em molĂ©culas de ĂĄgua que formam uma gaiola em torno de uma Ășnica molĂ©cula de metano. Os hidratos sĂŁo estĂĄveis apenas em uma estreita faixa de temperatura baixa e pressĂŁo alta â hoje existem grandes depĂłsitos sob a tundra ĂĄrtica e o leito oceĂąnico, nas vertentes entre as plataformas continentais e as profundas planĂcies abissais. Durante o PETM, um aquecimento inicial ocorrido em alguma parte â talvez por atividade vulcĂąnica, talvez por pequenas oscilaçÔes na Ăłrbita terrestre que expuseram mais certas regiĂ”es aos raios solares â poderia ter derretido os hidratos e permitido que as molĂ©culas de metano escapassem de suas gaiolas e chegassem Ă atmosfera.
Tal hipĂłtese Ă© alarmante. O metano disperso na atmosfera provoca o aquecimento do planeta em uma proporção 20 vezes maior, por molĂ©cula, que o diĂłxido de carbono. Depois de uma ou duas dĂ©cadas, ele passa por um processo de oxidação e vira CO2, que continua aquecendo ainda por muito tempo. Ă esse tipo de cenĂĄrio que poderia ocorrer agora: o aquecimento causado pela queima de combustĂveis fĂłsseis tende a desencadear uma liberação descontrolada do metano armazenado no mar e no gelo setentrional.
Com base em seus dados, Koch e Zachos concluĂram que o PETM fez com que a temperatura mĂ©dia anual na bacia Bighorn aumentasse por volta de 5ÂșC. Isso Ă© mais que todo o aquecimento ali registrado desde a Ășltima Era Glacial. Mas Ă© menos que as previsĂ”es para os sĂ©culos vindouros caso prossiga inalterada a queima de combustĂveis fĂłsseis pelos seres humanos. Tais simulaçÔes tambĂ©m anunciam alteraçÔes significativas no regime das chuvas ao redor do mundo, jĂĄ neste sĂ©culo, e, sobretudo, em regiĂ”es subtropicais. No entanto, como verificar a exatidĂŁo desses modelos? âNĂŁo podemos esperar 100 ou 200 anos para ver o que aconteceuâ, diz o geĂłlogo sueco Birger Schmitz. âPor isso temos de entender o PETM. Ali Ă© possĂvel ver o resultado.â
E o que aconteceu na bacia Bighorn foi um rearranjo completo das formas de vida. O paleobotĂąnico Scott Wing, do Museu Nacional de HistĂłria Natural do Instituto Smithsonian, vem coletando folhas fossilizadas em Bighorn hĂĄ 36 verĂ”es. âProcurei durante dez anos por um depĂłsito de fĂłsseis como esteâ, conta Wing. Estamos sentados em uma encosta entre Ten Sleep e Worland, a oeste dos montes Bighorn, martelando rochas em uma trincheira aberta pelos assistentes de Wing. Em escarpas mais distantes consigo ver as faixas avermelhadas, entremeadas de cinza e amarelo, que identificam a camada como sendo da Ă©poca do PETM. Nos silĂȘncios da conversa, o Ășnico som Ă© a mĂșsica dos martelos â golpes abafados e ressonantes como de um diapasĂŁo. Basta bater as pedras com persistĂȘncia e elas se abrem ao longo de um plano que separa duas camadas de argila, e Ă s vezes ali se vĂȘ uma folha tĂŁo bem preservada que, com a ajuda da lupa de Wing, Ă© possĂvel distinguir atĂ© mesmo as trilhas abertas por insetos esfomeados hĂĄ 56 milhĂ”es de anos.
Os fósseis que Wing havia coletado mostravam que, antes e depois do aquecimento, a bacia Bighorn estava coberta por uma densa floresta de bétulas, plåtanos, metassequoias, palmeiras e årvores similares a magnólias. O solo devia ser macio, e algumas åreas, pantanosas. No Paleoceno e no Eoceno, a bacia Bighorn era parecida com o atual norte da Flórida.
No entanto, Wing descobriu que, no åpice do PETM, essa paisagem se transformou. Ela se tornou mais rala e årida, como as florestas da América Central. à medida que o planeta ficava mais quente, espécies vegetais migraram para a bacia, vindas do sul e da costa do golfo a mais de 1,5 mil quilÎmetros. Muitas eram leguminosas. E outras haviam sido infestadas por insetos.
Das centenas de folhas fossilizadas examinadas por Wing e por sua colega Ellen Currano, quase 60% das folhas apresentam orifĂcios ou canais sinuosos abertos pela mastigação de insetos. O calor pode ter acelerado o metabolismo deles, fazendo com que comessem e se reproduzissem mais. Ou talvez o diĂłxido de carbono adicional tenha transformado as plantas (quando se introduz CO2 em estufas, os vegetais crescem mais, mas seu conteĂșdo proteico Ă© menor, tornando as folhas menos nutritivas). O mesmo pode ter ocorrido na estufa global do PETM â os insetos tiveram de comer muitas folhas para sobreviver.
AlĂ©m disso, as folhas mastigadas por insetos do PETM eram menores que suas ancestrais do Paleoceno, e o motivo Ă© que, segundo Wing, as precipitaçÔes haviam diminuĂdo em 40%. (Quando hĂĄ escassez de ĂĄgua, as plantas compensam essa falta com o encolhimento das folhas.) A queda nas precipitaçÔes tambĂ©m fez com que o solo secasse, e o ferro nele presente se oxidasse e adquirisse um tom de ferrugem. Tais solos ressecados de acordo com a estação viraram as faixas largas que hoje formam as listras nas encostas. EntĂŁo, no auge do PETM, os leitos avermelhados desapareceram â nĂŁo porque o clima em geral ficasse mais Ășmido, mas devido Ă concentração maior das chuvas. Os rios da bacia transbordavam sempre e inundavam as ĂĄreas prĂłximas, carregando o solo antes que pudesse se consolidar.
Enquanto as ĂĄrvores de leguminosas floresciam na bacia Bighorn, em todos os oceanos proliferava o Apectodinium. Essa espĂ©cie Ă© uma forma extinta dos dinoflagelados â um grupo de plĂąnctons unicelulares, alguns dos quais hoje dĂŁo origem a proliferaçÔes tĂłxicas conhecidas como marĂ©s vermelhas. No inverno, os Apectodinium se recolhiam em cistos rĂgidos que afundavam atĂ© o leito do mar. Na primavera seguinte, uma aba em cada cisto se abria como alçapĂŁo. Os organismos unicelulares entĂŁo se arrastavam para fora e subiam Ă superfĂcie, deixando para trĂĄs os cistos vazios que, 56 milhĂ”es de anos depois, seriam identificados por Henk Brinkhuis, da Universidade de Utrecht, e seu colega Appy Sluijs em amostras de sedimentos â as abas abertas sendo as Ășnicas pistas para a histĂłria de uma forma de vida quase alienĂgena.
No perĂodo anterior ao PETM, Brinkhuis e Sluijs sĂł encontraram o Apectodinium em regiĂ”es subtropicais. Mas, nos sedimentos da Ă©poca do PETM, esses organismos estĂŁo em todo o mundo â uma confirmação de que todos os oceanos estavam mais quentes. No Paleoceno, a temperatura da ĂĄgua durante o verĂŁo no oceano Ărtico jĂĄ estava em torno dos 18ÂșC; durante o PETM, ela subiu para cerca de 23ÂșC. Nadar ali seria como nadar no Caribe. Hoje, a ĂĄgua nas profundezas mantĂ©m-se pouco acima do ponto de congelamento; no PETM, ela estava entre 13ÂșC e 19ÂșC.
Ă medida que os oceanos absorviam o diĂłxido de carbono que aquecia o planeta, a ĂĄgua deles foi se tornando mais ĂĄcida. Isso se comprova em sedimentos coletados nas profundezas oceĂąnicas, nos quais o PETM Ă© tĂŁo evidente quanto as listras nas encostas da bacia Bighorn. No decorrer do PETM, o oceano acidificado acabou dissolvendo o carbonato de cĂĄlcio. A acidificação dos oceanos leva Ă extinção de mirĂades de formas de vida, dissolvendo conchas, mariscos e foraminĂdeos â o cenĂĄrio que tantos cientistas anunciam para o sĂ©culo 21. No entanto, o PETM Ă© ainda mais desconcertante. Embora os recifes de coral no oceano TĂ©tis, um ancestral do mar MediterrĂąneo que atravessava o Oriente MĂ©dio, pareçam ter seu impacto, a Ășnica extinção em massa comprovada do PETM Ă© inesperada: ela eliminou metade das espĂ©cies de foraminĂdeos que vivia no fundo lodoso dos mares. Eram cosmopolitas, adaptadas a ampla variedade de condiçÔes, capazes, portanto, de superar qualquer obstĂĄculo.
Em função do nĂvel de acidificação nos oceanos, James Zachos e seus colegas estimam que logo de inĂcio cerca de 3 trilhĂ”es de toneladas de carbono foram lançadas de uma sĂł vez na atmosfera e, em seguida, mais 1,5 trilhĂŁo de toneladas foram sendo liberadas pouco a pouco. O total de 4,5 trilhĂ”es de toneladas Ă© mais ou menos todo o carbono que hoje se avalia haver nas reservas de combustĂveis fĂłsseis; e os 3 trilhĂ”es iniciais equivalem a trĂȘs sĂ©culos de emissĂ”es humanas, mantidos os nĂveis atuais. Embora os dados nĂŁo sejam conclusivos, a maioria dos pesquisadores supĂ”e que a liberação do PETM tenha sido mais demorada, estendendo-se por milhares de anos.
Seja qual for a rapidez com que se difundiu o carbono, seria necessĂĄrio um tempo bem maior para que fosse removido pelos processos geolĂłgicos. Enquanto os carbonatos no fundo do mar se dissolviam, contrabalançando a acidificação, o oceano continuou a absorver mais CO2, e, depois de alguns sĂ©culos ou milĂȘnios apĂłs o evento inicial, por fim o auge do gĂĄs carbĂŽnico atmosfĂ©rico ficou para trĂĄs. Entretanto, o CO2 estava se dissolvendo nas gotas de chuva, as quais lixiviavam o cĂĄlcio das rochas e o levavam ao mar, no qual se combinava com os Ăons de carbonato, resultando em mais carbonato de cĂĄlcio. Esse processo erosivo acontece o tempo todo, mas foi acelerado durante o PETM, pois o clima estava mais quente, e as chuvas, mais ĂĄcidas. Pouco a pouco as ĂĄguas removeram da atmosfera o CO2 adicional, que acabou em formaçÔes calcĂĄrias no fundo do mar. E o clima aos poucos voltou a seu estado anterior. âĂ o que vem ocorrendo hoje com os combustĂveis fĂłsseisâ, diz Zachos. âAquilo que levou milhĂ”es de anos para se acumular nĂłs estamos, em termos geolĂłgicos, liberando de uma sĂł vez. No fim, o sistema acaba por reabsorver o excesso nas rochas, mas vai levar centenas de milhares de anos.â
Matt Huber, um especialista em simulaçÔes climĂĄticas, arriscou-se a prever o que aconteceria se os seres humanos decidissem consumir todas as reservas de combustĂveis fĂłsseis. Os resultados que obtĂ©m sĂŁo infernais. No que considera como o seu âpalpite mais favorĂĄvel de um cenĂĄrio ruimâ (para ele, o pior cenĂĄrio de todos Ă© o de âconflagração globalâ), o clima de regiĂ”es agora habitadas por metade da população humana se tornaria quase insuportĂĄvel. Em grande parte da China, da Ăndia, do sul da Europa e dos Estados Unidos, as temperaturas chegariam no verĂŁo a mĂ©dias de 37ÂșC, de dia e de noite, ano apĂłs ano.
Os climatologistas nĂŁo costumam mencionar essas previsĂ”es sinistras de longo prazo, argumenta Huber, em parte porque estĂŁo sempre sendo acusados pelos cĂ©ticos de alarmismo e de extrapolar dados cientĂficos incertos. âO que acabamos fazendo Ă© nos censurarâ, comenta. âToda vez em que topamos com algo muito preocupante, tendemos a dar um desconto. Mas, nesse caso, mesmo a posição equilibrada Ă©, na verdade, bem pior do que as pessoas imaginam.â
Por fim, decreta: âSe continuarmos no caminho atual, nĂŁo resta dĂșvida. Vamos acabar voltando ao Eoceno. E jĂĄ sabemos como vai ser.â
No PETM, o calor fez com que espĂ©cies tropicais migrassem para os polos. Animais e vegetais podiam transpor pontes de terra entre todos os continentes e se miscigenar. Animais ungulados corredores, os ancestrais dos cavalos e dos cervos, chegaram Ă bacia Bighorn. Um pouco mais tarde, talvez devido ao fato de o clima ter ficado mais Ășmido, e a cobertura florestal avançado sobre os campos propĂcios a esses animais, surgiram os primatas verdadeiros.
Os seres humanos, e todos os outros primatas, descendem de um primata do PETM â assim como os perissodĂĄtilos, entre eles cavalos e rinocerontes, descendem de outro ancestral do PETM, e os ruminantes artiodĂĄtilos, como cervos, bois, camelos e ovelhas, de um terceiro ancestral da mesma Ă©poca. As espĂ©cies que apareceram de repente na bacia Bighorn podem ter migrado da Ăsia, onde foram achados espĂ©cimes fĂłsseis mais antigos que os de Bighorn. Essas espĂ©cies asiĂĄticas, por sua vez, descendem de ancestrais que remontam ainda antes, no Paleoceno. Mas atĂ© agora nĂŁo se achou nenhum fĂłssil do Paleoceno que pudesse ser reconhecido como sendo algum primata ou equĂdeo.
Durante o prĂłprio PETM, ocorreu algo estranho com os mamĂferos: eles encolheram. Na bacia Bighorn, os cavalos eram tĂŁo pequenos quanto gatos siameses, mas, Ă medida que o carbono foi sendo eliminado da atmosfera, eles voltaram a crescer. NĂŁo se sabe ainda se isso aconteceu devido ao calor ou ao prĂłprio CO2. Mas o que isso mostra, diz Philip Gingerich, Ă© que os animais podem evoluir rapidamente em função de mudanças ambientais. Quando ele foi pela primeira vez a Bighorn, quatro dĂ©cadas atrĂĄs, era para saber como haviam surgido os cavalos e os primatas. Hoje o cientista estĂĄ convencido de que esse dois grupos, assim como os artiodĂĄtilos, surgiram no PETM â ou seja, que essas trĂȘs ordens de mamĂferos modernos adquiriram as caracterĂsticas prĂłprias naquela Ă©poca, em um surto evolutivo desencadeado pelo repentino aumento de CO2 na atmosfera.
Depois de 56 milhĂ”es de anos, os primatas, que tinham o tamanho de camundongos ou coelhos, agora dominam a cadeia alimentar. Eles domesticaram os outros descendentes do PETM â cavalos, bois, porcos, ovelhas â e se dispersaram por todo o planeta. Avançaram alĂ©m do cultivo da terra e estabeleceram um modo de vida que, embora variado, depende demais de combustĂveis fĂłsseis. Enquanto Gingerich e eu sacolejamos em sua caminhonete no topo da meseta Polecat, avistamos as bombas de extração de petrĂłleo subindo e descendo sem parar, trazendo o petrĂłleo do CretĂĄceo para a superfĂcie, como ocorre em toda a bacia Bighorn.
Desde o sĂ©culo 18, a queima de combustĂveis fĂłsseis jĂĄ lançou na atmosfera mais de 300 bilhĂ”es de toneladas de carbono â provavelmente menos de um dĂ©cimo das reservas existentes ou do que foi liberado por ocasiĂŁo do PETM. Esse evento nĂŁo nos diz o que vai acontecer com a vida no planeta se decidirmos esgotar essas reservas. (Em 2010, as emissĂ”es globais de carbono atingiram novo recorde.) Talvez ocorra um surto de inovação evolutiva como aquele que deu origem aos primatas dos quais descendemos. Ou talvez desta vez, com todas as outras pressĂ”es sobre as espĂ©cies, aconteçam extinçÔes maciças. O que o PETM faz Ă© apenas fornecer contexto mais amplo para as nossas escolhas. Daqui a dezenas de milhĂ”es de anos, seja qual for o destino da humanidade, todo o padrĂŁo de vida na Terra pode ser radicalmente diverso daquilo que poderia ter sido â apenas em função do tipo de energia que adotamos durante alguns sĂ©culos.
Robert Kunzig - Fonte: National Geographic - Edição 139.
Reportagem em inglĂȘs:
http://ngm.nationalgeographic.com/2011/10/hothouse-earth/kunzig-text
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CONTADORES DE HISTĂRIAS
Quem vĂȘ Vitor, 7, lendo animadamente livros de fĂĄbulas enquanto faz diĂĄlise no Instituto da Criança, no Hospital das ClĂnicas de SĂŁo Paulo, nem imagina que ele nunca foi Ă escola.
Cada letra que aprendeu foi com a ajuda de enfermeiros, médicos e, principalmente, dos contadores de histórias que visitam os pequenos no hospital.
A voluntĂĄria Irene Tanabe, 36, levou os primeiros livros para Vitor logo que ele começou o tratamento contra insuficiĂȘncia renal, aos oito meses de idade.
Sete anos depois, ela continua carregando livros para o instituto, mas hoje Ă© Vitor quem costuma lĂȘ-los. "Ei, olha! Um pato! NĂŁo Ă© um pato, Ă© um coelho!", lĂȘ, virando em seguida o livro "Pato! Coelho!", de Amy Krouse Rosenthal e Tom Lichtenheld, para mostrar para a repĂłrter a figura na pĂĄgina. "O que vocĂȘ acha que Ă©?", pergunta, por fim.
Irene faz parte da ONG Viva e Deixe Viver desde 2004, quando resolveu dedicar um tempinho da sua vida de jornalista para o voluntariado.
Ela tambĂ©m conta histĂłrias para outras crianças no Hospital das ClĂnicas, mas admite que tem uma relação mais prĂłxima com Vitor. "Ele vive nesse mundinho fechado no hospital, sem ir Ă escola, mas Ă© muito esperto."
Para fazer o tratamento, Vitor vai ao hospital um dia sim, um nĂŁo, enquanto espera por um transplante de rim. Nas terapias que fazia na AACD (Associação de AssistĂȘncia Ă Criança Deficiente) desde os seis meses de idade, Mary Lemos Prieto Giordano, 19, tambĂ©m contou com a ajuda do Viva para se alfabetizar.
"Eu ia à escola, mas o trabalho dos contadores ajudou muito a melhorar minha escrita e leitura. Eles foram muito importantes para o desenvolvimento da minha comunicação", afirma.
Criada hå 15 anos, a ONG tem cerca de 1.200 voluntårios em nove Estados, que dedicam duas horas semanais ao trabalho. A seleção de contadores de história é feita uma vez por ano -o treinamento dura nove meses. Para 2012, as inscriçÔes começam em fevereiro. InformaçÔes no site www.vivaedeixeviver.org.br.
Foco - Andressa Taffarel - Fonte: Folha de S.Paulo - 20/10/11.
NĂŁo deixem de enviar suas mensagens atravĂ©s do âFale Conoscoâ do site.
http://www.faculdademental.com.br/fale.php