Ă PENSAR E REFLETIR...
25/10/2007 -
PENSE!
EXEMPLO PARA PENSAR
França - As luzes da Torre Eiffel são desligadas por cinco minutos, em Paris. A iniciativa foi de um grupo de ecologistas para alertar para a redução do consumo de energia elétrica.
Fonte: Terra - 23/10/07.
PALAVRA DA SEMANA: GERĂNDIO
Vivendo e aprendendo. Essa expressĂŁo secular seria banida em BrasĂlia se o decreto-piada do governador do Distrito Federal que proĂbe o gerĂșndio fosse levado a sĂ©rio. O gerĂșndio Ă© saudĂĄvel. A praga Ă© o gerundismo, uma construção importada do inglĂȘs, idioma que comumente usa verbos auxiliares. LĂĄ, dizer "I'll be loving you" soa normal. Aqui, "Eu vou estar amando vocĂȘ" fere atĂ© os ouvidos mais apaixonados. E "Nosso diretor vai estar entrando em contato" causa cĂłlicas gramaticais. PorĂ©m, tentar combater o gerundismo eliminando o gerĂșndio Ă© a mesma coisa que matar o bicho da goiaba cortando a goiabeira.
"Quando alguém diz, pela terceira vez, que precisamos ser pacientes, é sinal de que jå fomos pacientes demais".
Max Gehringer - Fonte: Ăpoca - NĂșmero 492.
OUTRAS IDĂIAS - ENSINAR A PENSAR
"De pensar morreu um burro." "Quem pensa não faz"... Muitos ditos populares expressam um certo sarcasmo e um desprezo em relação ao pensar, revelando uma crença, alimentada hå séculos, de que o pensar atrapalha, emperra a ação, é coisa de quem não tem nada para fazer.
Quando se trata, então, da filosofia, esse deboche vai ainda mais longe, afirmando que todo pensador não possui pé na realidade e vive numa torre de marfim.
Ă certo que o tempo da reflexĂŁo conflita com a urgĂȘncia do agir. Mas nem sempre todo agir Ă© assim urgente e, na maioria da vezes, parar para pensar nos salva de decisĂ”es equivocadas e prejudiciais. Pensar a respeito de alguma coisa ou de algum acontecimento Ă© compreender os seus verdadeiros sentidos e significados.
Um artigo publicado na Folha no dia 1Âș de outubro deste ano comentava o Saeb, exame federal de avaliação da aprendizagem de alunos do Ășltimo ano do ensino mĂ©dio. Mal alfabetizados, esses adolescentes, nas palavras do jornalista, "nĂŁo conseguem, por exemplo, compreender o efeito de humor provocado por ambigĂŒidade de palavras ou reconhecer diferentes opiniĂ”es em um mesmo texto".
Quem não sabe ler não sabe distinguir nem rir de fato, nem pensar. à presa fåcil de mistificaçÔes e sujeiçÔes, obediente a tudo o que causar a impressão mais forte.
O pensar, diz SĂłcrates, "abre os olhos do espĂrito". E isso quer dizer que a reflexĂŁo explicita mal-entendidos, desvela segundas intençÔes, percebe mentiras, desautoriza preconceitos, descobre manipulaçÔes... Em decorrĂȘncia, sentimo-nos capacitados para escolher, dizer nĂŁo, colocar limites, mudar a ordem das coisas, redefinir destinos, desarticular dominaçÔes...
Em outras palavras, o pensar prepara nossa liberdade e nossa autonomia tanto quanto nos faz reconhecer as responsabilidades que nos cabem nas situaçÔes vividas. Liberdade e autonomia, convenhamos, nĂŁo sĂŁo comportamentos muito bem-vindos na esfera polĂtico-social, porque ameaçam o poder vigente.
E, na esfera da vida privada, a responsabilidade é, na maioria das vezes, temida e recusada pelas pessoas, porque cria encargos e compromissos. Liberdade, autonomia, responsabilidade?... O pensar pÔe em perigo. E, em grande parte, por isso mesmo, ele é estrategicamente convertido em objeto de escårnio.
Ensinar a pensar. Ă esse o Ășnico projeto que poderia nos tirar do atoleiro de pobreza, de violĂȘncia e de impotĂȘncia em que vivemos. Ă um projeto cuja origem nĂŁo estĂĄ em nenhuma economia nem ideologia ou polĂtica oficial. NĂŁo precisa de equipamentos especiais nem depende da criação de uma secretaria do pensamento. Ă sĂł uma atitude. Ensinar a pensar, aprender a pensar.
[...] A REFLEXĂO EXPLICITA MAL-ENTENDIDOS, DESVELA SEGUNDAS INTENĂĂES, DESAUTORIZA PRECONCEITOS, DESCOBRE MANIPULAĂĂES...
Dulce Critelli, terapeuta existencial e professora de filosofia da PUC-SP, Ă© autora de "Educação e Dominação Cultural" e "AnalĂtica de Sentido" e coordenadora do Existentia -Centro de Orientação e Estudos da Condição Humana.
Fonte: Folha de S.Paulo - 25/10/07.
O INIMIGO QUE NEM O BOPE ENCARA
A maior novidade, e o maior mĂ©rito, do filme Tropa de Elite Ă© trazer a figura do consumidor para o centro do problema das drogas e, por conseqĂŒĂȘncia, da criminalidade, que tem na droga sua maior e mais devastadora causa. NĂŁo Ă© sĂł na Zona Sul do Rio de Janeiro que o consumidor tem sido historicamente tratado como a parte mais fraca (coitado, Ă© um viciado) ou inocente (coitado, ele sĂł quer se divertir) do problema. Essa Ă© uma crença que dĂĄ volta ao mundo e tem seu epicentro, como quase tudo, no lugar onde as coisas sĂŁo decididas â Washington. Desde que despertaram para o problema das drogas, sucessivos governos americanos tĂȘm dedicado a parte do leĂŁo de seus programas, seu dinheiro e suas energias a coibir o trĂĄfico, isto Ă©, o lado da oferta. Ao lado da demanda sobra atenção desprezĂvel, em comparação. Um dos subprodutos desse modo de enfrentar a questĂŁo foi a entronização, no imaginĂĄrio americano, de um estereĂłtipo que estigmatiza todo o subcontinente latino-americano â o do traficante bigodudo, de tez morena e fala castelhana que desencaminha os inocentes rapazes e moças do lado bom das AmĂ©ricas. NĂŁo que os traficantes nĂŁo sejam bandidos. Os rapazes e moças Ă© que nĂŁo sĂŁo tĂŁo inocentes.
No Brasil, a questĂŁo tem seu aspecto mais patĂ©tico no contraste, muito bem enfocado em Tropa de Elite, entre a alienação chique dos consumidores de droga de Ipanema e a matança nos morros. O filme escancara o Ăłbvio: que existe relação de causa e efeito entre uma coisa e outra. Outros jĂĄ o fizeram antes, mas nĂŁo num meio como o cinema, e num filme tĂŁo bem-feito e de tanto sucesso. Que sobrou, como linha de defesa dos consumidores? O prĂłprio diretor do filme, JosĂ© Padilha, lhes tem oferecido â nĂŁo no filme, mas em entrevistas â uma tĂĄbua de salvação: o argumento da liberação das drogas. Se as drogas pudessem ser comercializadas livremente, a violĂȘncia seria eliminada. Logo, a culpa Ă© da proibição, nĂŁo dos consumidores. NĂŁo vale. Na circunstĂąncia, soa como pedido de desculpa de Padilha, por tĂȘ-los tratado tĂŁo cruamente. Os consumidores brasileiros, ao violar a lei, sĂŁo tĂŁo responsĂĄveis pela violĂȘncia nos morros quanto os consumidores americanos, muito mais numerosos e ricos, pelas plantaçÔes na BolĂvia (e, no limite, pela eleição de Evo Morales) e pelo refino e comercialização de cocaĂna na ColĂŽmbia (e, no limite, pela força das Farc). No entanto, num outro plano, independente da questĂŁo das responsabilidades pela violĂȘncia, pergunta-se: haverĂĄ solução para a questĂŁo das drogas que nĂŁo seja a liberação?
O filme de Padilha embute um enigma. Se o Bope, a tropa de elite da PM do Rio, Ă© tĂŁo bom como ali Ă© retratado, como Ă© que o trĂĄfico nas favelas ainda nĂŁo foi eliminado? Resposta: o Bope pode atĂ© ser melhor ainda do que no filme; a questĂŁo Ă© o inimigo que tem diante de si. O inimigo nĂŁo Ă© o traficante. Ou melhor, sĂł Ă© o traficante na aparĂȘncia. Inimigos de verdade sĂŁo duas entidades muito mais difĂceis de combater: os valores sociais e as leis econĂŽmicas. Em decisivos setores da sociedade ocidental, a brasileira inclusive, hĂĄ muito a droga Ă© tĂŁo aceita quanto os bombons. Ă admitida em ambientes de fino trato, em que circulam os ricos, os intelectuais e os artistas, e estĂĄ fortemente implantada na cultura pop, tĂŁo influente entre os jovens. Se a maior das condenaçÔes, que Ă© a social, vacila, estĂĄ garantida a formação de um forte mercado consumidor. Ora, nĂŁo estĂĄ ao alcance do Bope combater os valores vigentes, muito menos derrotar a lei da oferta e da procura.
Vista desse Ăąngulo, a questĂŁo da droga fica parecendo a questĂŁo palestina. Esgotada a possibilidade de um eliminar o outro, estĂĄ mais do que claro que israelenses e palestinos estĂŁo condenados a se entender. Quanto antes o fizerem, mais sofrimento e mais vidas pouparĂŁo. No caso das drogas tambĂ©m estĂĄ igualmente claro que, esgotada a possibilidade de eliminar o inimigo, mais dia, menos dia se imporĂĄ como Ășnica e inevitĂĄvel a solução de substituir o trĂĄfico pelo comĂ©rcio Ă luz do dia. Muito estudo, muito debate e muita reflexĂŁo indicarĂŁo o modo de fazĂȘ-lo, mas desde jĂĄ um ponto Ă© claro: as decisĂ”es terĂŁo de ser obrigatoriamente tomadas em foro e Ăąmbito internacionais. NĂŁo hĂĄ como adotar tal medida num paĂs sĂł, muito menos num paĂs perifĂ©rico como o Brasil, sob pena de condenĂĄ-lo Ă condição de estado pĂĄria.
O caso Ă© para gente grande, a começar pela maior de todas â os Estados Unidos. AlĂ©m de nĂŁo haver questĂŁo internacional que possa ser resolvida sem passar por lĂĄ, o mercado consumidor americano, como em quase tudo, Ă© o maior do mundo tambĂ©m no item drogas. Ao Brasil, paĂs do mundo talvez mais castigado, depois da ColĂŽmbia, pela violĂȘncia e degradação trazidas pela droga, resta a tarefa de tentar cutucar o mundo. Se sua diplomacia começasse a se mexer, no sentido de sensibilizar as naçÔes mais fortes para o problema, abraçaria uma causa de objetivos mais compreensĂveis, e resultados mais palpĂĄveis, do que uma cadeira no Conselho de Segurança da ONU.
Roberto Pompeu de Toledo - Fonte: Veja - Edição 2031.
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