30 ANOS DE ANISTIA
26/08/2009 -
MANCHETES DA SEMANA
MEMORIAL DA ANISTIA POLĂTICA
Diante de uma plateia formada por ex-presos polĂticos para comemorar os 30 anos da Lei da Anistia, o ministro Tarso Genro (Justiça) defendeu que os militares que participaram de tortura sejam julgados e anunciou a criação de um Memorial da Anistia em 2010.
Ele refutou os argumentos usados para poupar os militares de que a anistia teria sido irrestrita; que teria havido um pacto polĂtico na aprovação da lei; que seria revanchismo e desprestĂgio para as Forças Armadas; e, ainda, que reabriria feridas do perĂodo de ditadura.
Tarso defendeu, como alternativa Ă via judicial, a criação de comissĂ”es de verdade e reconciliação, em que os acusados reconheceriam publicamente a violĂȘncia que cometeram.
O Memorial da Anistia PolĂtica serĂĄ inaugurado em janeiro de 2010, em Belo Horizonte. O objetivo Ă© contar a histĂłria do ponto de vista de perseguidos polĂticos. TerĂĄ documentos de processos de anistia, que contradizem arquivos da repressĂŁo, imagens e depoimentos.
Os 30 anos da lei foram comemorados com uma homenagem, na sede do Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, aos ex-presos polĂticos que, em 1979, fizeram greve de fome pela aprovação da lei. A greve começou pelo presĂdio Frei Caneca, no Rio -o protesto foi mantido por 32 dias, atĂ© 22 de agosto de 1979, quando a lei foi aprovada.
Cerca de 200 pessoas -ex-presos polĂticos e familiares de ex-presos- foram convidadas. O governo apresentou um pedido pĂșblico de desculpas aos ex-presos polĂticos vĂtimas de tortura. ""A anistia e o pedido de desculpa nos honram, mas nĂŁo bastam", disse o ex-preso polĂtico Gilvan Viana. Aplaudido pelos demais, ele pediu a abertura dos arquivos militares e a remoção de todos os restos mortais de guerrilheiros. Tarso foi elogiado e se emocionou.
Um grupo de ex-funcionĂĄrios do Arsenal da Marinha, demitidos em 1985 em razĂŁo de greve, exibiram faixas em protesto contra o indeferimento dos processos para a anistia dos afastados.
Elvira Lobato - Fonte: Folha de S.Paulo - 23/08/09.
Leia mais:
http://www.ufmg.br/online/arquivos/012370.shtml
http://www.agenciabrasil.gov.br/noticias/2009/08/13/materia.2009-08-13.9845856463/view
LEI NÂș 6.683 - DE 28 DE AGOSTO DE 1979 - DOU DE 28/8/79 â Lei da Anistia
http://www3.dataprev.gov.br/sislex/paginas/42/1979/6683.htm
A LEI DA ANISTIA
Trinta anos depois de sancionada pelo general JoĂŁo Baptista Figueiredo (1979-1985), o Ășltimo presidente da ditadura, a Lei da Anistia, que possibilitou a volta dos exilados, Ă© hoje o pivĂŽ de um racha no governo.
O debate jurĂdico gerado por investigaçÔes abertas pelo MinistĂ©rio PĂșblico Federal para punir torturadores levou setores do governo a defender uma nova interpretação da lei, pela qual seria possĂvel levar a julgamento militares e agentes do Estado que praticaram torturas e assassinatos na ditadura.
A discussĂŁo estĂĄ agora no colo do STF (Supremo Tribunal Federal). Em outubro passado, o Conselho Federal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) ingressou no tribunal com uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental pedindo que o STF declare claramente que a anistia concedida pela lei 6.683 "nĂŁo se estende a crimes comuns praticados por agentes da repressĂŁo contra opositores polĂticos durante o regime militar".
O ministro relator do caso, Eros Grau, mandou ouvir os órgãos envolvidos. Em pareceres, apoiaram a OAB o Ministério da Justiça, a Secretaria de Direitos Humanos e a Casa Civil. Contrårios estão a AGU (Advocacia Geral da União), o Ministério da Defesa e o Ministério das RelaçÔes Exteriores.
"Ă uma falsidade dizer que punir torturadores Ă© um ataque contra as Forças Armadas. Pelo contrĂĄrio, arguir isso Ă© que Ă© usar o prestĂgio das Forças Armadas para defender torturadores", disse Ă Folha o ministro da Justiça, Tarso Genro.
O ministro da Defesa, Nelson Jobim, que comanda os militares, afirma que a anistia, para todos, nĂŁo pode ser revogada. "Se vocĂȘ inventasse de revogar a Lei da Anistia, a revogação nĂŁo teria efeito retroativo. O anistiado estĂĄ anistiado."
Torturadores
A histĂłria da lei estĂĄ resumida no processo de nove volumes que acompanha o projeto de lei 14/79, hoje no Arquivo do Senado. A lei foi aprovada pelo Congresso, numa sessĂŁo conjunta tumultuada, no dia 22 de agosto de 1979, e assinada por Figueiredo seis dias depois.
O processo revela que a necessidade de prever punição aos torturadores jĂĄ surgiu no dia da votação, ainda que lateralmente, em discursos de parlamentares do MDB, como Airton Soares (MDB-SP) e Walter Silva (MDB-RJ). As maiores crĂticas do MDB, porĂ©m, giravam em torno de a lei nĂŁo libertar imediatamente os presos polĂticos (alguns ficaram na cadeia atĂ© dezembro) e da falta de garantias para o retorno dos servidores pĂșblicos atingidos pelos atos institucionais e medidas persecutĂłrias baixadas pela ditadura entre 1964 e 1969.
Em minoria no Congresso, o MDB cedeu Ă Arena, que apoiava o regime militar. O prĂłprio substitutivo da oposição, tambĂ©m rejeitado, nĂŁo previa punição aos torturadores. O MDB queria aprovar o que achava possĂvel no momento.
O senador pelo MDB de Alagoas TeotĂŽnio Vilela (1917-1983), que percorrera presĂdios e recebera 43 manifestaçÔes de entidades representativas de advogados, jornalistas e artistas, criticou o projeto do governo, mas encerrou seu discurso em tom conciliatĂłrio: "Se houve morte de parte a parte, houve sangue de parte a parte. A substĂąncia profunda da anistia estĂĄ em reconciliar a nação".
O maior protesto pelas puniçÔes dos torturadores vinha de fora do Congresso, dos que tinham sofrido as violĂȘncias do regime. Quando a lei foi aprovada, havia 53 presos polĂticos em presĂdios de sete Estados, a maior parte em greve de fome. O protesto durou 33 dias. Eles enviaram uma carta a TeotĂŽnio, que listou nomes ou apelidos de 251 militares e carcereiros envolvidos em torturas contra presos polĂticos (dos quais 80 "nos torturaram diretamente") e 27 "centros de torturas" espalhados pelo paĂs.
Um dos autores da carta foi Gilney Viana, preso em 1970 e libertado em dezembro de 1979. Ex-militante da ALN (Ação Libertadora Nacional), Viana assaltou bancos e uma drogaria no interior de Minas Gerais. Disse ter sido torturado, com pancadas, choques elĂ©tricos por todo o corpo e pau-de-arara, durante 36 dias seguidos no 1Âș BatalhĂŁo de PolĂcia do ExĂ©rcito do Rio de Janeiro. Viana sabe o nome do oficial que comandou as torturas e quer que o STF decida que ele pode ser punido. Ele diz que os ex-presos polĂticos "estĂŁo se articulando" para cobrar o STF.
"O chefe da tortura foi um capitĂŁo do ExĂ©rcito. EstĂĄ vivo e aĂ, todo flozĂŽ [boa vida]. Foi visto em BrasĂlia, almoçando. Este era um torturador que jĂĄ tinha torturado em Minas e o deslocaram para o DOI-CODI do Rio. Ele vai a juĂzo, vai ser denunciado por crime de tortura. Eu o estou acusando de tortura. Ele tem que responder a esse processo na Justiça como eu respondi ao meu processo", disse Viana, que nos anos 90 foi deputado federal pelo PT-MT.
O ex-senador da Arena Murilo BadarĂł (MG), 77, lĂder do governo Figueiredo no dia da votação, atacou a rediscussĂŁo da lei: "Ă ação de gente desocupada. Como nĂŁo tem ação polĂtica nem voto nem prestĂgio, fica criando matĂ©ria de jornal para poder ficar no foco do noticiĂĄrio. Ă impossĂvel reabrir esse assunto depois de tantos anos de uma espĂ©cie de anistia recĂproca. Acho que Ă© um assunto impertinente, desnecessĂĄrio e sobretudo aumenta as dificuldades do Brasil numa hora tĂŁo difĂcil, de degradação polĂtica".
A Lei da Anistia poderå ser discutida em outra frente judicial, esta internacional: o Estado brasileiro é réu na Corte Interamericana de Direitos Humanos em um processo sobre a guerrilha do Araguaia.
Rubens Valente, Pedro Dias Leite, Ana Flor - Fonte: Folha de S.Paulo - 23/08/09.
HUMOR E LEVEZA DITARAM O CAMINHO DAS CANĂĂES DO EXĂLIO DURANTE A DITADURA
A histĂłria das cançÔes do exĂlio feitas no Brasil por causa da ditadura militar começou em 1968 sob uma vaia que o tempo tornou constrangedora. O calor do momento polĂtico fez com que a plateia do MaracanĂŁzinho massacrasse "SabiĂĄ", de Tom Jobim e Chico Buarque, para exaltar "Caminhando ("Pra NĂŁo Dizer que NĂŁo Falei de Flores)", de Geraldo VandrĂ©, no 3Âș Festival Internacional da Canção.
As circunstĂąncias impediram que um pĂșblico de esquerda, num momento de maniqueĂsmo polĂtico, percebesse que Chico estava reinterpretando a "Canção do ExĂlio", de Gonçalves Dias, Ă luz da ditadura militar. "Vou voltar/ Sei que ainda vou voltar/ Para o meu lugar", clamava a letra.
Apesar do trauma inicial e do acirramento da repressĂŁo, inclusive aos artistas, muito do que se compĂŽs sobre o tema foi permeado de humor. Esta aparente leveza deu uma contribuição fundamental para que as mĂșsicas passassem pela censura e, tambĂ©m, sobrevivessem ao tempo, sem o estigma das cançÔes de protesto tradicionais.
Obrigados em 1969 a trocar o Rio de Janeiro por Londres, Gilberto Gil saiu mandando "Aquele Abraço" -era assim que os soldados de onde esteve preso o saudavam- e Caetano Veloso homenageou sua irmã em "Irene": "Eu quero ir, minha gente/ Eu não sou daqui/ Eu não tenho nada, nada/ Quero ver Irene rir".
Por causa do choro que verteu ao receber a visita de Roberto Carlos em Londres, Caetano ganhou do Rei, em 1971, "Debaixo dos CaracĂłis dos Seus Cabelos", com muito mais dor do que humor.
JĂĄ Chico, quando voltou ao assunto na epistolar "Meu Caro Amigo" (1976), foi para avisar com oblĂqua graça ao exilado dramaturgo Augusto Boal, entĂŁo na França, que a coisa aqui estava "preta".
Se o humor persistiu sob os anos de maior chumbo, nĂŁo faltaria em 1979, quando a anistia aos exilados se avizinhava. O hino involuntĂĄrio da campanha -melodia de JoĂŁo Bosco e voz de Elis Regina- foi um suave samba-enredo que começava fantasioso: "CaĂa a tarde feito um viaduto". Na letra de "O BĂȘbado e a Equilibrista", Aldir Blanc escreveu "irmĂŁo do Henfil" porque nĂŁo sabia que ele se chamava Herbert de Souza.
Ainda mais leve, o samba "TĂŽ Voltando" (MaurĂcio TapajĂłs/Paulo CĂ©sar Pinheiro), gravado por Simone, imaginava um homem retornando Ă sua mulher, Ă sua casa.
E nĂŁo foi sĂł na mĂșsica que vozes que tinham sido caladas voltaram a soar. Livros com memĂłrias sobre os anos no exterior chegaram Ă s listas de mais vendidos. Ler "O que Ă Isso, Companheiro?" (1979) e "CrepĂșsculo do Macho" (1980), de Fernando Gabeira, era quase obrigatĂłrio.
"NĂŁo VerĂĄs PaĂs Nenhum" (1981), de IgnĂĄcio de Loyola BrandĂŁo, "Passagem para o PrĂłximo Sonho" (1982), de Herbert Daniel, faziam a ponte entre o paĂs que acabava e o que queria começar.
Luiz Fernando Vianna - Fonte: Folha de S.Paulo - 24/08/09.
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