AS PLANTINHAS DA DONA WANDA
05/10/2011 -
COLUNA DO CANALHA
PLANTINHAS
Era o Ășltimo dia de uma visita que durou mais que dois dias e meio.
Domingo pela manhã, na calçada, em frente ao alpendre.
Perguntei pra minha mĂŁe que flores bonitas eram aquelas que estavam numa jardineira na rua. Algumas vermelhas, outras brancas, uma folhagem rasteira.
Ela me disse que se chamam Onze Horas (tambĂ©m chamadas de FuncionĂĄrias em outras cidades) e que elas nasciam todos os dias pela manhĂŁ â provavelmente Ă s onze horas â e morriam no mesmo dia. Que beleza triste essa!
Perguntei um pouco mais, até que ela me ofereceu trazer algumas mudas.
Eu recusei, disse que nĂŁo tinha a menor paciĂȘncia pra plantas. E fomos almoçar.
Minha mãe mora numa cidade do interior de São Paulo. Não é uma roça, muito pelo contrårio. Mas ainda leva muito tempo pra se tornar uma cidade média.
Muitos sĂŁo os motivos pra que eu a veja pouco, assim como poucos sĂŁo os motivos pra que eu nĂŁo a veja mais vezes.
Rotina, distĂąncia, trabalho, famĂlia, viagens. Muita coisa que no fundo nĂŁo justifica que a gente se veja apenas duas a trĂȘs vezes por ano. E quase sempre por dois dias, dois dias e meio.
Do meu ponto de vista, penso que filhos sĂŁo ingratos sempre.
Quando éramos crianças só nos preocupåvamos com nosso mundo.
Na adolescĂȘncia acrescentĂĄvamos o total desinteresse pelo mundo a nossa volta.
Jå na juventude nossa preocupação revezava entre não deixar de ser adolescente e aproveitar ao måximo a condição de jovens.
Viramos adultos e nossa preocupação passa a ser com o coração e com o trabalho.
Ficamos mais velhos e temos a nossa prĂłpria famĂlia pra nos preocuparmos.
E nossos pais (ou sĂł o pai, ou sĂł a mĂŁe) sempre estiveram Ă margem de nossas vidas, mas dificilmente foram o centro delas. E nĂłs â acredito eu que na maioria dos casos â sempre fomos, de um modo ou de outro, o centro de suas vidas, pelo menos por muito tempo.
Ao colocar a minha mala no carro, minha mĂŁe me aparece com um saco plĂĄstico cheio de mudas de Onze Horas. Disse que tinha de trĂȘs cores: rosa, branco e vermelho.
Eu nĂŁo recusei. Coloquei o saco plĂĄstico no chĂŁo, atrĂĄs do banco do motorista.
Setecentos quilĂŽmetros mais tarde, jĂĄ anoitecendo, estava eu chegando em casa.
Peguei minha mala e subi.
Na porta de casa me lembrei das mudas de Onze Horas. Mas eu não ia voltar nem a pau pra pegar. Quatro lances de escada. Com certeza não iriam morrer até o dia seguinte.
Veio Ă segunda-feira, voltei a minha rotina. E mais uma vez sĂł na porta de casa eu me lembrei das Onze Horas. SĂł que mais uma vez eu nĂŁo ia descer e subir a escadaria de novo pra pegar.
No dia seguinte, acho eu que por complexo de culpa mesmo, lembrei das danadas das mudas.
Cheguei em casa e fui procurar um vaso pra colocar.
Eu sabia que umas violetas tinham andado por lå, e encontrei dois pequenos vasos ainda com terra. Dura feito um pedaço de pau.
Dei uma quebrada na terra, molhei um pouco, e acabei conseguindo plantar as mudinhas.
E daquele dia em diante, eu comecei a subir e ir molhar as plantinhas.
Elas foram crescendo, acabei comprando uns vasinhos mais adequados, terra, alguns vasos maiores, e então começaram a nascer flores, rosa, branco e vermelho, e eu fui gostando daquilo e reparando que toda vez que eu estava cuidando das minhas Onze Horas eu se lembrava da minha mãe.
Naqueles momentos eu conseguia repassar a minha vida, focalizando minha relação com a minha mãe, relembrando fatos, levantando curiosidades, analisando momentos, situaçÔes da nossa vida. E lå se vão pelo menos uns seis anos.
Hoje, nĂŁo tenho mais Onze Horas. Quando reparei que jĂĄ tinha nove jardineiras sĂł com Onze Horas eu resolvi diminuir a quantidade e acabei ficando com tĂŁo poucas que morreram. Mas hoje eu tenho cerca de trinta vasos uma boa variedade de plantas, em especial algumas mini-rosas, nas cores rosa, branco e vermelho.
E mesmo nĂŁo tendo mais as Onze Horas, regar as minhas plantas continua sendo um momento em que eu penso na minha mĂŁe.
NĂŁo que eu nĂŁo pense na minha mĂŁe em outros momentos. Mas tornou-se um momento em que habitualmente me dedico a pensar nela.
Acho que a Dona Wanda nĂŁo sabia que ela tinha tantas plantinhas.
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Imagem - Fonte: http://gustavoperes.com/mao_planta/.
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