UM PODER JUDICIĂRIO ATUANTE - HĂLIO BICUDO
09/09/2006 -
FAZENDO DIREITO
EM VEZ DE juizados especiais para pequenas causas, seria mais lĂłgica a criação de distritos judiciĂĄrios com plena competĂȘncia, jĂĄ que aqueles perderam os fundamentos que levaram Ă sua instituição: atendimento rĂĄpido de causas de pequeno valor, o que permitiria o desafogo da Justiça qualificada para os procedimentos de maior conteĂșdo -quer dizer, em Ășltima anĂĄlise, as de real valor monetĂĄrio.
Os juizados de pequenas causas, desde sua instituição, foram considerados órgãos de uma Justiça de segunda categoria, com magistrados deslocados de suas carreiras, e servindo, muitas vezes, de punição àqueles que deviam contas aos órgãos superiores da magistratura.
DaĂ nĂŁo ter maior sentido o acordo realizado sob os auspĂcios do Conselho Nacional de Justiça para serem retomados os princĂpios que teriam norteado a criação dessa chamada "Justiça de pequenas causas".
A sociedade civil e os magistrados que dela fazem parte precisam voltar seus olhos para as necessidades de uma Justiça real, igual para todos e a todos acessĂvel, sem distinção de valor econĂŽmico.
Esse ideal nĂŁo pode ser alcançado no sistema atual, de uma Justiça centralizada nos fĂłruns ou nos PalĂĄcios de Justiça. Essa centralização Ă©, sem dĂșvida, a maior causa da demora na solução dos conflitos, nĂŁo sĂł da alçada civil, mas, por igual, da ĂĄrea criminal.
Vale recordar que, lå pelos idos dos anos 60 do século passado, o então governador de São Paulo, professor Carlos Alberto Alves de Carvalho Pinto, com a colaboração do Tribunal de Justiça do Estado, apresentou à Assembléia Legislativa um projeto de lei que criava 50 distritos judiciårios numa cidade que, à época, tinha uma população de pouco menos de 4 milhÔes de habitantes.
Tratava-se de um projeto ambicioso, pois os distritos em questĂŁo englobavam, num sĂł mĂłdulo, o juiz, o promotor, o delegado e os advogados; um contingente policial e uma prisĂŁo tendo em vista o cumprimento de penas impostas no distrito (prisĂŁo que nĂŁo atenderia mais do que 100 detentos).
Essa proposta não foi além, porque Ademar de Barros, que sucedeu a Carvalho Pinto, não se interessou em aprovå-la e implementå-la.
Pois bem. Hoje, a cidade de SĂŁo Paulo, com mais de 10 milhĂ”es de habitantes, convive com fĂłruns centralizados e uns poucos fĂłruns regionais, incapazes de atender a sua população, estimulando, no campo penal, a impunidade, que Ă© a mola propulsora da violĂȘncia.
A Justiça atual se caracteriza pela burocratização. Os juĂzes vĂŁo ao fĂłrum entre 13h e 17h, quando dĂŁo andamento aos processos, sem nenhum contato com seus jurisdicionados. SĂŁo funcionĂĄrios, e nĂŁo juĂzes, como deveriam se qualificar.
SĂŁo Paulo elegerĂĄ, em breve, seu governador. Seria importante que o novo chefe do Executivo paulista retomasse essa idĂ©ia, nem que fosse para fazer uma experiĂȘncia-piloto, numa ĂĄrea demarcada Ă guisa de um distrito. Nela, atuariam membros da magistratura, do MinistĂ©rio PĂșblico, da polĂcia e do setor penitenciĂĄrio, e eles exerceriam competĂȘncia plena -civil e criminal.
Quem sabe essa experiĂȘncia poderia ser o começo de um novo sistema de distribuição da Justiça, inclusive do ponto de vista prisional. O candidato eleito o dirĂĄ.
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HĂLIO BICUDO, 84, advogado e jornalista, Ă© presidente da Fundação Interamericana de Defesa dos Direitos Humanos. Foi vice-prefeito do municĂpio de SĂŁo Paulo (gestĂŁo Marta Suplicy), deputado federal pelo PT-SP (1990-94 e 1995-98). Ă autor de "Meu Depoimento sobre o EsquadrĂŁo da Morte", entre outros livros.