"HERROS" CORRUPTOS
08/10/2009 -
A JENTE HERRAMOS
BARÔMETRO GLOBAL DA CORRUPÇÃO
English:
http://www.transparency.org/policy_research/surveys_indices/gcb/2009
http://www.transparency.org/
CORRUPÇÃO É EPIDEMIA GLOBAL
É comum, no Brasil, as pessoas acharem que o país está entre os mais corruptos do mundo ou até mesmo, no nível do puro senso comum, que o Brasil "é o país mais corrupto do mundo". Há também uma sensação disseminada de que nossas instituições são corruptas. A falta de informação sobre o tema, combinada com certa dose de ceticismo, baseado este, infelizmente, em ocorrências reais e lamentáveis na história recente, levam o brasileiro a acreditar em tais mitos.
Todavia, temos que lidar com fatos, com dados empíricos para trabalhar qualquer questão social e política. O que os dados e pesquisas, então, indicam sobre a corrupção, sua percepção e seus aparentes danos sobre as instituições em outros países? Mostram que neste quesito não estamos sós e a verdade está lá fora, qual seja, a corrupção é uma epidemia social.
Existem várias fontes de dados confiáveis para fazer uma avaliação de corrupção comparada entre países.
Duas delas são o "Barômetro da Corrupção Global" (GCB), desenvolvido anualmente pela Transparência Internacional (TI, ONG transnacional de combate à corrupção), e o Banco Mundial, com o banco de dados de governança e ações anticorrupção.
A primeira fonte de dados é desenvolvida com base em amostras estatisticamente robustas, confiáveis, de pessoas comuns, que relataram suas percepções e experiências com corrupção numa amostra atual de 73.132 indivíduos, envolvendo 69 países diversos em termos de nível de desenvolvimento, por exemplo Rússia, Dinamarca, Estados Unidos, Turquia, Islândia, Croácia, Líbano, Uganda, Argentina e Paquistão.
A segunda está calcada em pesquisas mais aprofundadas que relacionam reforma do Estado, governo eletrônico, estruturas de governança e impactos da corrupção.
Observa-se que a cobrança de propinas, especialmente associadas à "pequena corrupção" (suborno de servidores como policial, contínuo e fiscal, com quantias pequenas), é endêmica nos países estudados. Há dados que indicam um aumento da cobrança de propinas pequenas em 10% com relação a pesquisas passadas.
Há ainda uma percepção generalizada de que as políticas de combate à corrupção realmente não funcionam.
Esse ponto é importante, pois relata indiretamente uma descrença na lei, nas instituições formais do Estado e nos aparelhos de controle e fiscalização (e de investigação e punição).
Descrédito
É significativo a este respeito o caso da Coreia do Sul, onde 81% da amostra da população não acredita nas políticas de combate à corrupção em todos os níveis, da pequena corrupção à "grande corrupção", aquela ligada ao financiamento de campanhas, partidos políticos e ao poder político de fato. O caso argentino é semelhante:
81% não acreditam que se farão políticas de combate à corrupção. Em Israel, 87% não acreditam nas ações de governo para o combate à corrupção.
Esses dados possuem um viés, é claro. Nesses países, recentes escândalos de corrupção podem ter moldado a percepção e as crenças das pessoas.
Mas os dados são consistentes ao longo dos anos.
Em segundo lugar, a crise de 2008 aparentemente aumentou a desconfiança nas corporações. De fato, desde a fraude da [companhia norte-americana] Enron, prenúncio de uma crise moral do capitalismo, a confiança das pessoas, em vários países, nas corporações (as principais instituições do capitalismo) despencou.
Há um dado novo revelado pelo GCB 2009: os indivíduos entrevistados declaram em massa que, como consumidores, dariam um "prêmio" para empresas de boa conduta. Aparentemente, a tendência de o consumidor rastrear a cadeia de produção considerando aspectos sociais e de sustentabilidade chega, digamos, à "sustentabilidade moral".
Em terceiro lugar, as percepções sobre as instituições formais (partidos, Estado, polícia etc.) continuam negativas e isso é devidamente quantificado. Aqui a questão é interessante, pois o Brasil não é tão diferente de outros países, sejam mais ricos ou pobres, desenvolvidos ou subdesenvolvidos ou emergentes de grande porte (Índia e Rússia -não há dados para a China).
Na Índia, por exemplo, 58% da população considera os políticos entre os agentes públicos mais corruptos.
As pesquisas do Banco Mundial apontam para o mesmo problema: a corrupção mina a crença nas instituições formais. As pesquisas e estudos de caso mostram soluções para o problema. Mas as soluções devem se basear em premissas básicas sobre o comportamento humano.
Pesquisas em neuroeconomia, neuroética, ética experimental e psicologia moral indicam que, infelizmente, na média, as pessoas corroboram o ditado: "Todo mundo tem seu preço".
O desenho prático de qualquer política de combate à corrupção deve levar em conta o que as ciências comportamentais têm a dizer sobre nós mesmos e como as regras devem ser construídas para que o jogo social se desen-role de forma a minimizar algo que sempre existiu: a corrupção.
Marcos Fernandes Gonçalves da Silva economista e coordenador do Centro de Estudos dos Processos de Decisão da Fundação Getulio Vargas. - Fonte: Folha de S.Paulo - 04/10/09.
Centro de Estudos dos Processos de Decisão da Fundação Getulio Vargas - http://www.eesp.fgv.br/centro_de_estudo_detalhe.php?idCentroEstudo=6
GCB - http://www.transparency.org/policy_research/surveys_indices/gcb/2009
Transparência Internacional - http://www.transparency.org/
A CORRUPÇÃO NO BRASIL
Pesquisa Datafolha inédita revela que brasileiro tem alto padrão ético e moral, mas percepção ampla de corrupção no país; 13% admitem já ter negociado voto em troca de dinheiro, emprego ou presente.
O brasileiro tem noção clara dos comportamentos éticos e morais adequados, mas vive sob o espectro da corrupção, revela pesquisa Datafolha inédita. Se o país fosse resultado dos padrões morais que as pessoas dizem aprovar, pareceria mais com a Escandinávia do que com Bruzundanga (corrompida nação fictícia de Lima Barreto), conclui-se deste "Retrato da Ética no Brasil".
Por exemplo, 94% dizem ser errado oferecer propina, e 94% concordam ser repreensível vender voto -um padrão escandinavo, a região do norte da Europa que engloba países como Suécia e Noruega, os menos corruptos do mundo, segundo a Transparência Internacional.
Um país em que os eleitores trocam voto por dinheiro, emprego ou presente e acreditam que seus concidadãos fazem o mesmo costumeiramente; um país em que os eleitores aceitam a ideia de que não se faz política sem corrupção; um país assim deveria ser obra de ficção, como em "Os Bruzundangas" (Ediouro), livro de Lima Barreto de 1923.
Mas o Brasil da prática cotidiana parece mais com Bruzundanga do que com a Escandinávia. O Datafolha mostra que 13% dos ouvidos admitem já ter trocado voto por emprego, dinheiro ou presente -cerca de 17 milhões de pessoas maiores de 16 anos no universo de 132 milhões de eleitores.
Alguns declararam ter cometido essas práticas de forma concomitante. Separados por benefício, 10% mudaram o voto em troca de emprego ou favor; 6% em troca de dinheiro; 5% em troca de presente.
Dos entrevistados, 12% afirmam que estão dispostos a aceitar dinheiro para mudar sua opção eleitoral; 79% acreditam que os eleitores vendem seus votos; e 33% dos brasileiros concordam com a ideia de que não se faz política sem um pouco de corrupção. Para 92%, há corrupção no Congresso e nos partidos políticos; para 88%, na Presidência da República e nos ministérios.
O cientista político Wanderley Guilherme dos Santos, em análise feita para o Mais!, em artigo à pág. 5, afirma que o resultado sociológico relevante da pesquisa é a convergência de opiniões sobre a corrupção e questiona os efeitos na democracia do que chama de fim da autonomia da consciência individual típica do liberalismo.
A antropóloga Lívia Barbosa, autora de "O Jeitinho Brasileiro" (ed. Campus), acredita que, apesar das desigualdades econômicas e sociais, os brasileiros das mais diferentes faixas etárias, de gênero e de renda, níveis de escolaridade e filiações partidárias pensam "corretamente" a respeito de ética, moralidade e corrupção. "Ou vivemos na Escandinávia e não sabíamos e, portanto, devemos comemorar; ou o que fazemos na prática corresponde pouco ao que dizemos que fazemos e pensamos que deveria ser feito", escreve Barbosa.
Povo e elite
O cientista político Renato Lessa reedita máxima de San Tiago Dantas: "o povo enquanto povo é melhor do que a elite enquanto elite". "Não ficamos "mal na fita". Há uma generalizada e consistente presença de marcadores morais e éticos. Cremos saber o que é a corrupção e onde e quando se apresenta. No mais, desconfiamos dos outros", escreve.
O economista Marcos Fernandes Gonçalves da Silva lembra (pág. 8) que a percepção de corrupção gigantesca não é um fenômeno brasileiro. Está em alta em países tão díspares como Argentina, Coreia do Sul, e Israel. A cobrança de propinas, especialmente associadas à "pequena corrupção", é endêmica pelo mundo, diz ele, especialista no tema.
No Brasil, 13% ouviram pedido de propina, e 36% destes pagaram; 5% ofereceram propina a funcionário público; 4% pagaram para serem atendidos antes em serviço público de saúde; 2% compraram carteira de motorista; 1%, diploma.
Entre os entrevistados, 83% admitiram ao menos uma prática ilegítima ao responder a pesquisa (7% reconheceram a prática de 11 ou mais ações ilegítimas, admissão considerada "pesada"; 28% dizem ter praticado de 5 a 10 ações; 49% tiveram uma conduta "leve", com até quatro irregularidades).
A pesquisa mostra que 31% dos entrevistados colaram em provas ou concursos (49% entre os jovens); 27% receberam troco a mais e não devolveram; 26% admitiram passar o sinal vermelho; 14% assumiram parar carro em fila dupla. Dos entrevistados, 68% compraram produtos piratas; 30% compraram contrabando; 27% baixaram música da internet sem pagar; 18% compraram de cambistas; 15% baixaram filme da internet sem pagar.
São os mais ricos e mais estudados os que têm as maiores taxas de infrações (97% dos que ganham mais de dez mínimos assumem ter cometido infrações e 93% daqueles que têm ensino superior também), sendo que 17% dos mais ricos assumem frequência pesada de irregularidades (11 ou mais atos). Entre os mais pobres, 76% assumem infrações; dos que têm só o ensino fundamental, 74% afirmam o mesmo.
Apesar disso, 74% dizem que sempre respeitam as leis, mesmo se perderem oportunidades. E 56% afirmam que a maioria tentaria tirar proveito de si, caso tivesse chance.
A pesquisa do Datafolha tem o mérito de colocar em foco problema crucial nacional. Uma discussão sobre se o Brasil deve seguir Bruzundanga.
A obra que retrata a República dos Estados Unidos da Bruzundanga foi lançada no ano seguinte à morte de Afonso Henriques de Lima Barreto (1881-1922), autor consagrado por livros como "Triste Fim de Policarpo Quaresma".
"O valo de separação entre o político e a população que tem de dirigir faz-se cada vez mais profundo. A nação acaba não mais compreendendo a massa dos dirigentes, não lhe entendendo estes a alma, as necessidades, as qualidades e as possibilidades", escreveu Lima Barreto. E concluiu: "Um povo tem o governo que merece".
Plínio Fraga - Fonte: Folha de S.Paulo - 04/10/09.
UMA CARRADA DE BARRO EM TROCA DO VOTO
Para o desempregado maranhense Sebastião Moura da Silva, 44, o Código Eleitoral brasileiro, de julho de 1965 e que proíbe a compra e a venda de votos, só existe no papel. Ele conta que, nas eleições municipais de 1996, foi procurado por um candidato a vereador de Matões, no leste do Maranhão e a 350 km de São Luís.
"Ele chegou para mim e ofereceu uma carrada de barro em troca do voto", afirma Silva. "Eu aceitei na hora. Usei o barro para construir a minha casinha de taipa e depois nem votei nele", completa o maranhense.
Silva conversou com a Folha num final de tarde no superlotado terminal rodoviário de Brasília. Encravado no coração da capital e a metros do Congresso, do Planalto e do Supremo Tribunal Federal, é de lá que partem os ônibus para as cidades-satélites do Distrito Federal e para municípios do interior de Goiás.
Nesse dia, a reportagem passou menos de meia hora no local. Abordou sete pessoas: duas não quiseram conversar, uma admitiu a venda do voto e outras quatro disseram que somente não o negociaram pela simples falta de oportunidade.
É o caso das amigas Norma Sueli, 51, carioca, e Domingas da Cunha, 50, baiana de Santa Rita de Cássia.
"Se [o candidato] pagar as minhas dívidas, eu vendo na hora", diz Norma. "Dois mil reais pra mim já resolvem", precifica Domingas.
Vendedor ambulante, que segura sacos com biscoitos atento para a possível chegada de fiscais, Benedito Gomes, 53, admite a venda do voto e sugere o benefício da impunidade.
"A necessidade da gente é que manda. E acho que uma coisa dessas [venda de voto] não iria parar num fórum [de Justiça]", afirma o vendedor, casado, pai de quatro filhos e natural de Piracuruca (PI).
Norma, Domingas e Benedito atribuíram a possível venda de seus votos à insatisfação com os políticos do país. Maria Helena de Souza, 48, natural de Monte Alegre do Piauí, também: "Se aparecer alguém, eu vendo mesmo. Perdi todas as esperanças nos políticos. Isso [voto] não tem mais valor".
De acordo com o Datafolha, 13% dos entrevistados admitiram ter mudado de voto em troca de dinheiro, presente, emprego ou favor. No Nordeste e no Norte/Centro-Oeste, esse índice chega a 19%, contra 9% no Sudeste e 8% no Sul. A taxa é maior entre os homens (16%), entre os jovens (18%) e entre os mais pobres (15%).
Eduardo Scolese - Fonte: Folha de S.Paulo - 04/10/09.
ENTRE OS BOLSOS E OS COFRES
Corrupção para todos os gostos e todos os repúdios. Logo, é o seu Brasil (só o relembro por desfastio), mas não é a corrupção. O conceito e a prática, e por imitação também o Código Penal, não se satisfizeram com a singularidade, e multiplicaram modalidades, graus, vocações, níveis de tolerância e conivência, de repressão e punição.
A corrupção é muito bem aceita por aqui, só depende de uns quantos pormenores. Ataca-se muito mais o vendedor de CD e DVD piratas ou o policial venal, por exemplo, do que o empreiteiro corrupto e corruptor de setores do Estado.
Do vendedor de CD e DVD, que não está fazendo propriamente corrupção, mas pode corromper fiscais e tiras com gorjetas, dizem as campanhas que desvia R$ 1 bi por ano do comércio legal, ou assim tido. A observar logo: é o jornalismo de mentiras em ação, porque não há como aferir a venda de CD e DVD piratas.
Mas, vá lá, R$ 1 bi. E quanto os empreiteiros corruptos desviam dos cofres públicos? O seu negócio é de centenas de milhões, com frequência são bilhões em uma só empreitada. A soma anual dos negócios de empreiteiras de obras públicas dá um montante oceânico que nunca se viu levantado. Mas não dá manchetes e TV em campanha contra os sistemáticos superfaturamentos, conchavos fraudadores de licitações e corrupção de servidores governamentais.
Como o noticiário não pode simplesmente omitir todas as constatações desses fatos, difundiu-se uma regra com o timbre brasileiro. Nos escândalos do sistema bancário, de outros agentes financeiros, de comércio, citam-se os nomes dos responsáveis pelas empresas envolvidas. Os dos responsáveis pelas grandes empreiteiras, não. Só os nomes das próprias empreiteiras aparecem.
É um sistema de proteção. E não é a moralidade corrompida?
Mesmo que envolva corrupção, o delito do camelô de CD/ DVD pirata e de miudezas contrabandeadas se volta para o bolso do pequeno consumidor, daquele que só pode ter o CD ou DVD desejado e o relógio espalhafatoso se por eles pagar uma fração inexpressiva do preço de loja. A corrupção de obras públicas e de grandes compras governamentais não cobra o mínimo, toma o máximo; e não de um bolso, mas dos cofres públicos, que são dinheiro e bolsos de todos, sem isenção nem para a pobreza. Não é a mesma corrupção em um extremo e em outro.
Nem é a mesma motivação. A corrupção rastaquera, do quebra-galho, tem a ver com elementos socioeconômicos, com o sentimento da difícil ou nenhuma perspectiva de melhora, com a formação pessoal precária, entre outros estímulos. Já a corrupção policial e de postos de responsabilidade no serviço público tem consequências perversas para a sociedade. No nível médio do funcionalismo, até chega a uma forma de bandidagem. Nem por isso deixa de ter relação com as ansiedades causadas pelo desvario da pregação consumista e com a disseminada falta de educação ética, visível até no trânsito.
Já a corrupção graúda é uma categoria especial. Obra da ganância que não se satisfaz nunca, é a imoralidade pura, em estado bruto, é a ordinarice por excelência.
Corrupção para todos os gostos e todos os repúdios. Não é por acaso que até no Instituto Butantã uma simples verificação contábil descobre cobras e lagartos.
Janio de Freitas - Fonte: Folha de S.Paulo - 04/10/09.
PAÍS DE UMA ÉTICA SÓ
Nós, brasileiros, não somos normais. Adeus, autonomia da consciência individual do bom e velho liberalismo. Nós, brasileiros, estamos sendo normalizados. Assim eram designados os dissidentes políticos na União Soviética, depois de recuperados à normalidade pelas prisões e pelos tratamentos psiquiátricos dos campos de concentração.
De acordo com a teoria oficial de então, só sujeitos coletivos, não indivíduos, alcançam a verdade. O sujeito coletivo era, no caso, o Partido Comunista da União Soviética, e suspeitar de suas opiniões equivalia a negar a verdade objetiva -só mesmo estando de má-fé ou mentalmente comprometido.
Daí os tratamentos e as normalizações. Pois não é que, com respeito ao fenômeno da corrupção, nós, brasileiros, pensamos praticamente a mesma coisa, descontados raros e excepcionais desvios?
Sim, homens ou mulheres, entre 16 e mais de 60 anos, quase analfabetos ou de educação dita superior, vivendo da mão para a boca ou com renda mensal de mais de 10 salários mínimos, estando localizados entre uma das classes de A a E, torcedores de PT, PMDB, PSDB ou de nenhum partido, habitando qualquer das cinco regiões do país, na capital ou no interior dos Estados, incluídos ou não na população economicamente ativa e devotos de alguma fé, ou mesmo ateus, nós temos opiniões semelhantes às do nosso vizinho ou, na melhor das hipóteses, às do vizinho do nosso vizinho. É isso aí.
Desde as duas polegadas a mais de Martha Rocha, em 1954, nós, brasileiros, aprendemos o valor das pequenas diferenças. Candidatos a postos eletivos e colunistas disputam sobre as mínimas margens de erros dos resultados das enquetes de opinião ou das informações do IBGE sobre o crescimento das inversões em bens de capital. E com certa razão.
Mas o fenômeno sociológico que atrai nos resultados agregados é a extraordinária convergência das opiniões, considerando a enorme quantidade de possíveis combinações entre sexo, idade, educação, renda, ocupação, local de residência, partido e religião, com os desdobramentos que cada uma dessas variáveis permite.
Não obstante, para a maioria da população entrevistada, o ordenamento estatístico canônico das opiniões sobre a corrupção resulta ser o seguinte:
trata-se de algo que ocorre no setor público, no governo (43%), é identificado com falta de ética (21%), com o roubo de bens, de dinheiro (19%), com a comissão de atos ilegais, transgressões da lei (4%), com crimes fiscais, relacionados a impostos (3%) e com extorsão e suborno para a aquisição de favores pessoais (2%). O resto dos entrevistados não sabe, não lembra ou preferiu não responder.
Convergências
A construção dessas grandes rubricas inclui diversos itens, que a agregação torna homogêneos pelo denominador comum da rubrica. Assim, respostas tais como "apropriação indevida de dinheiro público/ desvio de verbas" ou "políticos que usam verba pública em benefício próprio", entre outras respostas semelhantes (e cujas distribuições encontram-se disponíveis), são tornadas equivalentes pela rubrica "algo que ocorre no setor público/no governo". Somente duas grandes entradas -"roubar bens/ dinheiro" e "atos ilícitos/transgressões da lei"- não são compostas por itens diferenciados.
Existe, por certo, a possibilidade de que se cometam excessos de agregação, comprometendo a fidedignidade dos resultados e, portanto, a validade das interpretações. Mas o crescente refinamento técnico das investigações tende a reduzir bastante a probabilidade de ocorrerem excessos dessa natureza.
O principal objeto de interpretação consiste na variação de frequência nas respostas dentro de cada rubrica e entre as variáveis (sexo, renda, escolaridade etc.). Por aí é que se medem diferenças de opinião entre um cidadão com alta escolaridade e renda e, outro, semianalfabeto e com renda de até dois salários mínimos. Mas precisamente aí é que sobressai a convergência normalizadora, antes da divergência derivada da autonomia individual.
As diferenças existem, seguramente. Do total dos entrevistados que recebem até dois salários mínimos, 17% se referiram à falta de ética como definidora da corrupção, enquanto 32% dos que possuem mais de dez salários mínimos de renda o fizeram. Tais como os 17% dos de escolaridade fundamental, contra os 34% dos doutores.
Mas, atenção, as diferenças dessa magnitude são muito poucas, na pesquisa, e entre os extremos na distribuição dos entrevistados mais raras ainda.
Eis por que sustento que o resultado sociológico atrativamente relevante da pesquisa é a convergência de opiniões, bem mais do que a dispersão, que tende a ser reduzida e de minguado significado analítico. Duas questões decorrem da interpretação que ofereci. Primeira: quais são os grandes normalizadores da sociedade democrática brasileira contemporânea, estando banidas a repressão e a lavagem cerebral?
Segunda: em uma democracia, quais são as possíveis consequências políticas de uma sociedade sociologicamente normalizada? Tribuna livre.
Wanderley Guilhermedos Santos é cientista político e professor da Universidade Cândido Mendes. - Fonte: Folha de S.Paulo - 04/10/09.
Universidade Cândido Mendes - http://www.candidomendes.br/
PODRES PODERES
Chegou a fatura para o Congresso por conta da avalanche de imposturas registradas neste ano no Poder Legislativo. Para 92% dos brasileiros, há casos de corrupção envolvendo deputados, senadores e partidos políticos. Em seguida, vêm a Presidência da República e os ministérios (88%), os governos estaduais (87%) e as Assembleias Legislativas e seus deputados estaduais (86%).
Essa percepção negativa transborda para as outras principais instituições do país. Nenhuma se salva, segundo a pesquisa Datafolha. Todas pontuam acima de 50% quando a pergunta é sobre estarem envolvidas com corrupção.
A política local também tem imagem ruim. Prefeituras e Câmaras Municipais e a Polícia Militar dos Estados são vistas por 81% dos brasileiros como instituições nas quais existe corrupção. A Polícia Civil fica empatada na margem de erro da pesquisa, pontuando 79%.
Clubes de futebol, em geral apontados como antros de má administração e ilegalidades, também não são perdoados pelos brasileiros. Para 77% da população, os times têm alguma ligação com casos de corrupção. Um pouco abaixo estão a Polícia Federal (74%), o Poder Judiciário (juízes) e promotores (73%) e a imprensa (61%).
Sinônimo de corrupção
Quando os entrevistados são indagados sobre o que é corrupção, 43% apontam atos relacionados ao setor público e à política.
Só muito abaixo, com 21%, os brasileiros dizem que falta de ética é uma forma de definir a ação de um corrupto. Para 19%, a corrupção ocorre quando há roubo de dinheiro ou bens.
O diretor-geral do Datafolha, Mauro Paulino, enxerga dois fatores que levam a esse resultado. Primeiro, "a generalização de que todo político é ladrão". Segundo, uma outra desconfiança antiga do brasileiro, "que acha que quase todas as instituições têm algum tipo de corrupção".
A onda de escândalos neste ano no Congresso apenas retroalimenta a imagem que já é ruim. Mas não é um fator determinante para o atual desgaste de quase tudo o que está ligado ao poder público.
"É curioso que a avaliação do Congresso, realizada pelo Datafolha há muitos anos, sempre tenha sido negativa. Não importa se há algum grande escândalo ou não", diz Mauro Paulino.
Outro aspecto a ser considerado é que o brasileiro usa olhares distintos ao avaliar os políticos. Por exemplo, para 88% dos brasileiros há corrupção na Presidência da República. Mas, ao mesmo tempo, 69% aprovam o trabalho realizado pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Essa contradição, diz Mauro Paulino, pode ser atribuída ao desempenho positivo da economia, aos programas sociais implantados pela administração petista e "ao inigualável poder de comunicação de Lula".
Não se pode dizer que apenas os simpatizantes do PT ou de partidos lulistas garantem a boa imagem do governo. Na estratificação dos dados, não se nota grandes alterações nas opiniões de grupos partidários.
A preferência partidária faz pouca diferença. Entre os entrevistados com preferência pelo PT, 44% apontam o setor público como sinônimo de corrupção. Entre os ligados ao PSDB, o percentual é de 48%. Entre os simpatizantes peemedebistas, a taxa fica quase no mesmo patamar, em 41%.
O mesmo se aplica aos que dizem haver corrupção no Palácio do Planalto e nos ministérios. Esse é o caso para 90% dos petistas e 93% dos simpatizantes do PSDB. De novo, os entrevistados ligados ao PMDB ficam um pouco abaixo, com taxa de 85%.
A pesquisa Datafolha publicada hoje é a primeira do gênero realizada pelo instituto. Dessa forma, não há como comparar com a opinião dos brasileiros em outros momentos.
Alguns dados sugerem que a insatisfação dos brasileiros com as instituições vem de longe, como, por exemplo, o alto grau de renovação do Congresso a cada eleição.
Quando são consideradas as últimas duas décadas, observam-se números expressivos. Em 1990, a Câmara dos Deputados se renovou em 61,8%. Foi um período de grandes mudanças no país, que havia voltado a ter eleição direta para presidente no ano anterior, em 1989. Começou então uma fase de redução da renovação.
Em 1994, a taxa de deputados novos eleitos foi de 54,3%. Em 1998, nova queda, para 43,9%. Daí para cá, a curva se inverteu.
No mesmo ano em que o Brasil elegeu Lula como presidente, em 2002, a Câmara registrou uma renovação de 44,8%. Quatro anos depois, em 2006, quando o país ainda ruminava os efeitos do escândalo do mensalão, a taxa subiu para 47,6%. Em 2010, dentro do Congresso, a aposta é que o percentual vai novamente dar um salto.
Fernando Rodrigues - Fonte: Folha de S.Paulo - 04/10/09.
SUSPEITA GENERALIZADA
A percepção de corrupção nas instituições é tão generalizada que não há as que têm melhor imagem, mas apenas as que são menos percebidas como corruptas.
O ranking das instituições vistas como menos corruptas é liderado pela Igreja Católica, onde 29% acreditam que não existam casos de corrupção -no entanto, 53% afirmam que sabem ou já ouviram dizer de casos de desvios na igreja.
Em seguida aparecem as Forças Armadas, onde o placar é de 24% para os que dizem não haver casos de corrupção na instituição, contra 54% para os que dizem que existem. O restante declara não saber.
A imprensa fica em terceiro nesse ranking das menos piores: para cada pessoa que acredita que não haja corrupção nessa instituição, três acham que sim (21% a 61%).
O quarto lugar é ocupado pelas igrejas evangélicas. Para 20%, não há casos de corrupção nessas igrejas. Para 64%, eles existem.
"Para o brasileiro, existe corrupção em todas as instituições", afirma o diretor-geral do Datafolha, Mauro Paulino. "A sucessão de escândalos ajuda a alimentar essa percepção, mas ela já vem de longa data", afirma Paulino.
Para Maria Hermínia Tavares de Almeida, professora titular de ciência política na USP, "mesmo sabendo que existe uma sensação alta de corrupção no Brasil, é surpreendente que atinja esse nível" indicado pela pesquisa.
As Forças Armadas, que dirigiram o país de forma ditatorial entre 1964 e 1985, hoje se beneficiam da pouca exposição, avalia o diretor-geral do Datafolha. "Elas não estão tão expostas quanto estavam antes", afirma.
O historiador Luiz Felipe de Alencastro, professor na Universidade de Paris 4, diz que, se a pesquisa fosse feita durante a ditadura, "ia ter 0% de corrupção [nas respostas], mas a gente sabe que acontecia".
Estudo, renda e ceticismo
Quanto maior a escolaridade, maior o ceticismo em relação às instituições. No caso da imprensa, 55% dos que têm nível fundamental acham que há corrupção, número que sobe para 65% entre os que possuem nível médio e chega a 69% na faixa dos que cursaram o ensino superior. Quando a instituição é a Igreja Católica, os percentuais são de 46%, 59% e 61%, respectivamente.
A relação segue o mesmo padrão quando se trata de renda e poder de consumo. Quanto maior, mais alta é a percepção de corrupção nas instituições. No caso das Forças Armadas, 58% dos brasileiros das classes A/B acham que existem casos de corrupção, percentual que cai para 54% na fatia C e desce para 49% nas classes D/E.
Em relação às igrejas evangélicas, os números vão dos 14% que não acreditam haver corrupção nessa instituição (classes A/B), passam a 20% (C) e chegam a 29% (D/E).
Em nenhuma instituição, nas centenas de cruzamentos da pesquisa, por idade, sexo, escolaridade etc., o percentual dos que acreditam que não há corrupção é maior do que o daqueles que pensam haver.
Para a professora Maria Hermínia, da USP, uma percepção tão alta de desvios "vem do fato de que a corrupção se transformou num ponto central da questão política e um foco da imprensa". Uma possível consequência da crença generalizada de corrupção nas instituições, ela diz, pode ser uma certa apatia. "Se as pessoas acham que tudo e todos são corruptos, ser corrupto ou não deixa de ser um critério da escolha política. Você cria uma espécie de cinismo realista."
Pedro Dias Leite - Fonte: Folha de S.Paulo - 04/10/09.
O VÍCIO DA AMIZADE
Nenhuma explicação foi tão feliz como a do deputado Edmar Moreira (PR-MG) para definir a dificuldade de congressistas quando precisam investigar e punir seus pares. O "vício insanável da amizade" é o maior obstáculo à frente de um processo de cassação, disse ele.
Moreira foi vítima e beneficiário do seu axioma. Quando deu sua explicação em público, acabara de ser eleito corregedor da Câmara, em fevereiro passado. Passou então a ser escrutinado pela mídia.
Além do castelo de propriedade de sua família, em Minas Gerais, descobriu-se que o deputado usava a verba indenizatória para pagar serviços de segurança pessoal a suas próprias empresas.
Removido do cargo de corregedor, Moreira enfrentou um processo no Conselho de Ética da Câmara. Ao final, acabou inocentado -apesar das provas do uso do dinheiro público nas empresas do congressista.
Em 1997, deputados foram gravados em conversas informais admitindo ter vendido o voto a favor da aprovação da emenda da reeleição -que permitiu a Fernando Henrique Cardoso (PSDB) ter concorrido a um segundo mandato em 1998. Não houve CPI nem ninguém foi punido.
No caso do mensalão, em 2005, dezenas de congressistas estavam envolvidos num esquema para reforçar a base governista do presidente Luiz Inácio Lula da Silva no Congresso. Só três deputados foram cassados, entre eles o ex-ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, denunciado pelo Ministério Público sob o epíteto de "chefe da quadrilha" do mensalão.
Dirceu e o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares ainda aguardam julgamento, alegam inocência e trabalham na volta à vida pública.
O restante das dezenas de acusados se salvou. No ano seguinte Lula foi reeleito para mais um mandato no Planalto e hoje segue com a maior base no Congresso Nacional.
Atenção e esquecimento
Neste ano, mais de 90 casos de irregularidade foram registrados na Câmara e no Senado. Ninguém foi punido. O presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), enfrentou 11 acusações, variando da responsabilidade por atos secretos ao emprego de funcionários fantasmas. Foi absolvido.
O presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), esteve envolvido na chamada "farra das passagens aéreas". Mais da metade dos 513 deputados usaram o benefício para passear com a família e amigos. No caso de Temer, ele viajou com mulher, amigos e familiares para Porto Seguro (BA), em janeiro de 2008, período de férias no Congresso. Nada aconteceu.
Não é de hoje que casos assim chamam a atenção da mídia num primeiro momento, mas acabam esquecidos. (FR)
Fonte: Folha de S.Paulo - 04/10/09.
A VOLTA DOS QUE NÃO FORAM
Governadores e congressistas que tiveram seus mandatos cassados em decisões recentes da Justiça Eleitoral estão engajados para voltar à vida pública em 2010. Eles chegam à disputa não só competitivos, mas alguns até com favoritismo.
O senador Expedito Júnior (RO) encarna um exemplo clássico. Teve o seu mandato cassado pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) sob as acusações de abuso de poder econômico e compra de votos, mas se mantém no cargo graças ao presidente do Senado -José Sarney (PMDB-AP) avisou que só o tirará da função quando esgotadas todas as possibilidades de recurso.
Mesmo diante de um provável revés judicial, trocou, num ato em Porto Velho diante de 4.000 pessoas no dia 25, o PR pelo PSDB e obteve o apoio da cúpula tucana, primeira etapa da busca pela consolidação de sua candidatura ao governo de Rondônia. Repetindo o argumento da maior parte dos cassados, ele diz: "O povo sabe que eu não comprei voto. Eles acompanham isso".
Na preparação para a corrida eleitoral, Expedito espera contar com a ajuda do atual governador, Ivo Cassol (sem partido), outro na mira do TSE. Cassol teve o mandato cassado em primeira instância sob acusação de compra de votos e seu destino depende de recurso.
Enquanto aguarda, Cassol deflagrou sua pré-campanha para uma vaga no Senado em 2010 pelo PP. A assessoria de Cassol diz que o processo gera um desgaste em virtude do alto custo com advogados, mas é taxativa: "eleitoralmente, a repercussão é mínima". Os defensores do governador, o segundo mais rico do país, chegam a argumentar que a acusação de comprar votos esbarra na personalidade do processado, descrito como "pão-duro".
Professor de ciência política na Universidade de Brasília, João Paulo Peixoto busca o "homem cordial" conceituado pelo historiador Sérgio Buarque de Holanda para tentar justificar a não condenação nas urnas. "Muitos se perguntam por que o Brasil não explodiu, com tantos escândalos recentes. Somos resignados? Ou apenas um povo de índole boa?", questiona. "É frustrante. É preciso mudar a cultura política."
O tucano Cássio Cunha Lima segue a regra. Em fevereiro, foi obrigado pelo TSE a deixar o governo da Paraíba, acusado de abuso do poder econômico e político. Passados sete meses, é apontado como favorito a uma vaga no Senado.
Prudência
"Em princípio, estas candidaturas devem ser vistas com bastante prudência. Mas sobre o Cássio e o Expedito, não temos a menor dúvida. Não cabia a cassação em nenhum dos casos. Os dois são eleitíssimos", afirma o presidente nacional do PSDB, Sérgio Guerra (PE).
Jackson Lago (PDT-MA), segundo governador a perder o mandato em virtude de ação do TSE neste ano, movimenta-se no Maranhão para tirar a dianteira de sua substituta, a governadora Roseana Sarney (PMDB). Roseana enfrenta processo judicial que pode resultar no seu afastamento -o caso está na "fila" no TSE.
O episódio mais recente é o de Marcelo Miranda (PMDB), governador de Tocantins afastado no início deste mês, e que já se articula para sair ao Senado em 2010.
As acusações de abuso do poder econômico atingem todos os matizes políticos. A Procuradoria Geral Eleitoral encaminhou ao TSE um parecer em que opina pela cassação do governador de Sergipe, Marcelo Déda (PT), e seu vice, Belivaldo Chagas Silva, acusados de abuso de poder político e econômico, em período anterior à campanha eleitoral de 2006.
Segundo a ação, o então prefeito da capital sergipana, Marcelo Déda, que já havia declarado abertamente seu interesse em concorrer ao governo estadual, teria realizado maciça campanha promocional, ressaltando as realizações de sua gestão em Aracaju. De acordo com a denúncia, "utilizando-se da pecha de inaugurações de obras", foram realizados grandes comícios, incluindo shows.
O governador argumenta que os mesmos fatos foram analisados em outro processo, no qual foi inocentado.
Letícia Sander - Fonte: Folha de S.Paulo - 04/10/09.
"MONITOR" REGISTRA 95 ESCÂNDALOS
O "Monitor de Escândalos" do Congresso registrava até semana passada 95 casos desde janeiro. Hospedado no blog do jornalista Fernando Rodrigues, pode ser acessado no endereço http://noticias.uol.com.br/escandalos-congresso.
O "Monitor de Escândalos" mostra, por exemplo, que três parlamentares pagavam suas empregadas domésticas com verba de seus gabinetes. Descobre-se lá que as famílias de senadores têm seguro-saúde vitalício.
Fonte: Folha de S.Paulo - 04/10/09.
PIRATAS NA PERIFERIA DO MERCADO
Os brasileiros estão entre os campeões mundiais de pirataria porque CDs e DVDs são caros ou CDs e DVDs são caros porque o mercado formal é pequeno? Mais de 70% dos fãs de Play- Station compram jogos ilegais porque não há fabricantes no Brasil ou as empresas não fabricam aqui porque foram afugentadas pela pirataria?
No país em que 68% da população admite ter comprado produtos piratas, a "equação tostines" ajuda a resolver a conta em que se cruzam produtos piratas, contrabando e downloads ilegais.
"A distribuição de bens protegidos por direitos autorais é tão ilícita quanto alguém invadir sua casa ou roubar seu carro", defende o economista Gilson Schwartz, estudioso das mídias digitais.
"O descompasso entre legislação autoral e realidade tecnológica contribui para a percepção de que o direito de autor pode ser violado", pondera Ronaldo Lemos, da Fundação Getulio Vargas (FGV-RJ).
"A internet mudou os hábitos do consumidor. A indústria tem de mudar a maneira de distribuir conteúdo", admite Rodrigo Drysdale, da Warner Home Entertainment.
Legalmente, o compartilhamento de arquivos via internet não é, no Brasil, um ilícito penal. "A não ser que você venda esses arquivos, não é crime", define o promotor Alfonso Presti, coordenador do Plano de Atuação Integrada contra a Pirataria do Ministério Público estadual. Preocupam o órgão, sobretudo, as falsificações de brinquedos, que podem oferecer riscos à criança, e os desdobramentos da pirataria, "que pode ter ligação com outros crimes, como lavagem de dinheiro, sonegação, concorrência desleal e tendência à corrupção em diversos escalões".
Entre "filósofos do liberou geral" e "defensores intransigentes da tradição e da propriedade", as indústrias da música e do audiovisual tentam se equilibrar. No caso da indústria fonográfica, parece consenso que a solução não é a repressão ao download e aos CDs piratas.
"O consumidor tem que ser atraído", diz o inglês Adrian Harley, tirado da indústria fonográfica pela Nokia para cuidar de música no Brasil. "Qualidade de áudio, capa, ausência de vírus. Não adianta vender um arquivo, se o arquivo você baixa de graça. Tenho que vender um serviço."
No caso do cinema, as respostas ainda não são tão claras. "Nosso preço no varejo é 40% menor do que há três anos", diz Wilson Feitosa, da Europa Filmes, referindo-se aos DVDs. Com pirataria e internet, o mercado de locação teve queda no faturamento da ordem de 47% de 2006 para 2008.
Mas, na Warner, por exemplo, a compensação veio em forma de séries de TV, videogames e, agora, downloads. "[Cerca de] 20% dos nossos DVDs, no Brasil, são vendidos na internet. É o mais alto índice do mundo", diz Drysdale.
No caso dos jogos, a situação é ainda mais caótica. Além dos piratas, existe a "importação cinza", com produtos originais que entram no país de forma ilegal. "Só 20% do mercado de games é legal. Não é culpa só da pirataria. As empresas não se interessaram em ter uma representação local, em investir no país", admite Drysdale.
"Muitas negociações ficam pelo meio do caminho por causa da ilegalidade do mercado", declara Márcio Gonçalves, consultor antipirataria, que cita como exemplo o iTunes. Para Drysdale, a vastidão da pirataria no Brasil está ligada a questões sociais e econômicas, mas também a um tique cultural: "Ver o filme antes, e sem pagar, é, para muita gente, uma maneira de levar vantagem, de fazer valer a Lei de Gerson".
Ana Paula Sousa - Fonte: Folha de S.Paulo - 04/10/09.
UMA VIAGEM À PROPINOLÂNDIA
O turista estrangeiro indignou-se ao ouvir o pedido de US$ 400 da agente da Polícia Federal no Rio para regularizar sua permanência no Brasil. Na vez seguinte, usou um gravador, por orientação de policiais a quem a denunciou. A agente não o reconheceu e fez nova proposta, US$ 300, dentro do passaporte. Foi presa em flagrante, com o documento e o dinheiro na mão.
Entre os entrevistados pelo Datafolha, 13% ouviram solicitação de propina, principalmente no setor público. Mais de um terço dos extorquidos pagaram. Pedido de dinheiro, como feito ao estrangeiro, para a obtenção ou a regularização de documento, aparece em 8% das situações, só atrás daqueles para liberar o motorista de multa, um em dez casos.
O coordenador da Operação Lei Seca do Rio, Wellington Santos, conta ouvir "muita tentativa de suborno" -até do filho de um subsecretário de Estado- para evitar o bafômetro.
"O cara chega, com jeitinho, pergunta como pode resolver, vai cercando, porque tem medo de ser preso. Um foi preso depois de pôr uma nota de R$ 50 no documento. Uma carona falava ao marido: "Pergunta quanto ele quer!" Carioca tem "jeitinho" até para subornar", diz Santos.
A prisão é rara. Aconteceu em 2005, filmada por policiais federais em São Paulo, depois que um advogado perguntou se "tem alguma possibilidade de solução" e pagou R$ 10 mil para liberar mercadorias apreendidas no galpão do comerciante chinês Law Kin Chong. Preso, ajoelha-se e suplica uma chance. "Posicione-se como homem, não ajoelhe. O senhor foi homem para me oferecer dinheiro, seja homem para ser preso", disse o delegado.
A recusa dos assediados é exceção. Segundo os entrevistados que admitiram ter oferecido propina (2%), quase ninguém recusou o dinheiro (só 9%). Policiais estão no topo da lista dos que receberam ofertas (16%), seguidos por fiscais, com 6%; funcionários de prefeitura e atendentes de saúde e médicos, 4%; secretárias, 3%.
Destreinado na direção e depois de tentar, por quatro meses, marcar a prova para a primeira carteira de motorista, o estudante Pedro Henrique, 19, perguntou ao instrutor se existia esquema "pagou-passou". Ouviu que, se desse R$ 400, garantia aprovação no Detran do Rio. "Tem gente que pagou de R$ 350 a R$ 600. Eu não daria R$ 400. Se fosse menos, não sei, talvez fizesse."
São muitos os casos de corrupção relatados, mas quase nada chega à Justiça. De 1,17 milhão de processos julgados pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio, só 71 foram de corrupção no ano passado -34 condenações. Neste ano, já houve 890 mil julgamentos, mas escassos 84 sobre o tema.
O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça, principais cortes do país, não têm números de casos de corrupção, assim como o TJ de São Paulo. A Ordem dos Advogados do Brasil informa que não há sequer um caso de apuração de desvio de integrantes. O mesmo ocorre no Conselho Federal de Medicina, embora médicos apareçam em terceiro lugar na lista de quem mais pediu ou recebeu propina.
De acordo com a Corregedoria Geral da União, é a corrupção a causa da demissão ou cassação de aposentadoria de 63% de 2.243 funcionários de órgãos federais, desde 2003. O Ministério da Previdência Social demitiu 425 desde 2003, 90% pela mesma razão. A Polícia Federal puniu 645 desde 2004. A agente da PF do início da reportagem foi demitida em processo administrativo. Absolvida na Justiça, voltou ao cargo após quatro anos.
Raphael Gomide - Fonte: Folha de S.Paulo - 04/10/09.
A ESCANDINÁVIA É AQUI
Corrupção não é apenas tema de política, de polícia e de Justiça. É, também, um tema de cultura no sentido antropológico do termo. Diz respeito aos limites e às fronteiras classificatórias que as diferentes sociedades estabelecem entre as ações humanas e suas respectivas avaliações sobre estas. Isso nos leva diretamente a questões de moral e ética, pois ambas implicam teorizações e julgamentos sobre formas de se comportar.
A pesquisa Datafolha apresenta um vasto panorama do que nós, brasileiros, pensamos sobre corrupção e comportamentos éticos e moralmente corretos, além do que afirmamos fazer em diferentes situações.
O que de imediato nos salta à vista, a partir das respostas dadas, é a clareza que os brasileiros possuem sobre o que é ético e moralmente correto e sobre o que vem a ser corrupção. Apesar das profundas desigualdades econômicas e sociais que transpassam nossa sociedade, os brasileiros de diferentes faixas etárias, de gênero e de renda, níveis de escolaridade e filiações partidárias pensam igual e "corretamente" a respeito desses temas. Em um total de 37 perguntas, que variam entre pagar para obter uma carteira de motorista até oferecer uma caixinha por fora, passando por falsificação de documentos, 18 alcançaram taxas de pelo menos 90% de respostas iguais entre todos os grupos, algumas atingindo a marca de 97%; 13 ficaram entre 80% e 89% de concordância e 6 tiveram respostas que variaram entre 63% e 79%.
Deve-se ressaltar que essas taxas correspondem a respostas "absolutamente certas" do ponto de vista ético e moral no contexto cultural das sociedades contemporâneas e estabelecem uma clara distinção entre o público e o privado, classificando como "errada" a transgressão destas fronteiras.
As perguntas que obtiveram as porcentagens mais baixas tratam de "infrações" que podem ser consideradas "leves", tais como comprar ingresso de cambistas e baixar música da internet, sinalizando para uma hierarquia moral entre os diferentes tipos de comportamento.
Quando os entrevistados são instados a responder sobre o próprio comportamento, em 39 questões, o quadro não se altera. Por exemplo, 94% dos respondentes afirmam que nunca falsificaram carteira de estudante para pagar meia-entrada, 70% nunca avançaram o sinal vermelho e 83% nunca pararam o carro em fila dupla.
Respostas "absolutamente certas", proclamaria entusiasticamente qualquer apresentador de programa de TV de perguntas e respostas.
Contradição
Os dados sugerem a seguinte conclusão: ou vivemos na Escandinávia e não sabíamos e, portanto, devemos comemorar; ou o que fazemos na prática corresponde pouco ao que dizemos que fazemos e pensamos que deveria ser feito.
Consideremos os seguintes dados, entre outros que poderiam ser apresentados: a sonegação pode chegar a até R$ 200 bilhões anuais, segundo o Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário; por causa da pirataria, 2 milhões de empregos formais deixam de ser criados, segundo a Frente Parlamentar contra a Pirataria; o Brasil está no 72º lugar entre 180 países em termos de corrupção, de acordo com a Transparência Internacional; ocorreram nada menos do que 225 escândalos políticos desde a década de 1980, todos devidamente esquecidos e arquivados no nosso imaginário e talvez na Justiça. Evidentemente, portanto, não estamos na Escandinávia.
Sobra-nos, assim, a espinhosa opção de admitirmos que nosso comportamento concreto conflita com as representações que fazemos de nós mesmos. Como, segundo as respostas dadas, sabemos discernir com clareza o que é ou não corrupção, o que é ética e moralmente correto independentemente do nosso grau de escolaridade, renda, de gênero e partido político, não temos sequer o benefício da dúvida, apenas o peso da responsabilidade.
Responsabilidade sobre o que fazemos e quem escolhemos para nos representar, que só aumenta quando imaginamos que políticos, servidores públicos e policiais -as figuras que mais povoam o imaginário da corrupção- não nasceram de chocadeira, não caíram de paraquedas em suas funções nem são de outro planeta.
Ao contrário, representam uma parte do que somos e provavelmente como muitos de nós se comportariam caso estivessem naquela posição, relativizando o próprio comportamento, transformando corrupção em favor, neutralizando a impessoalidade no trato da coisa pública e a meritocracia em favor do nepotismo.
Para quem pensa que corrupção e falta de ética são preocupações menores, não custa lembrar que elas matam como arma de fogo. É verdade que o sangue não escorre nas filas do INSS como no asfalto das grandes cidades.
As vidas se apagam silenciosamente e o branco do colarinho não traz as marcas do crime cometido. Mesmo liberados, por nossas autoridades máximas, a nos comportar como aqueles pegos com dólares na cueca e com caixa dois, com a justificativa de que "todos fazem", isso em nada diminui nossas contradições nem nossa responsabilidade.
Lívia Barbosa é antropóloga, diretora de pesquisa da ESPM e autora de "O Jeitinho Brasileiro" (ed. Campus). - Fonte: Folha de S.Paulo - 04/10/09.
ESPM - http://www.espm.br/PreHome/Pages/default.aspx
O Jeitinho Brasileiro - http://www.livrariadafisica.com.br/detalhe_produto.aspx?id=9067
E NÓIS QUE PENSAVA QUE NUNCA ERRAVA!
CONTINUAMOS ERRANDO PROPOSITALMENTE...! HERRAR É UMANO!
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