NATAL ILUMINADO!
26/11/2007 -
MARILENE CAROLINA
CIDADE LUZ "NATALINA"
França - Luzes natalinas penduradas nas ĂĄrvores iluminam a Champs ĂlysĂ©es, em Paris, durante o horĂĄrio de rush da cidade.
Fonte: Terra - 26/11/07.
ORIGINAIS E TRADUĂĂES
Um brasileiro que traduza poemas estrangeiros para sua lĂngua serve a um pĂșblico restrito: o de seus conterrĂąneos. Diferenças fonĂ©ticas que alteram a metrificação ou desfazem as rimas, bem como o uso cada vez mais dissimilar de gerĂșndios e infinitivos, para nem falar da crescente distĂąncia lexical, tornam as traduçÔes em questĂŁo no mĂnimo estranhas e, no limite, quase incompreensĂveis para o leitor lusitano.
A recĂproca, aliĂĄs, Ă© vĂĄlida, e tudo isso tambĂ©m se aplica Ă prosa moderna, seja a de cunho coloquial, seja a que se vale de gĂrias ou dialetos, de modo que os Ășnicos textos desfrutĂĄveis com igual naturalidade em ambas margens do mar-oceano sĂŁo os clĂĄssicos (anteriores ao sĂ©culo 20) vazados num portuguĂȘs idem. (Um Flaubert em portuguĂȘs pode ser legĂvel tanto em SĂŁo Paulo como em Lisboa, mas Raymond Chandler ou Jack Kerouac, definitivamente, nĂŁo.) Por sorte, o que prejudica a tradução nas distintas regiĂ”es lusĂłfonas contribui para, com sua prĂłpria diversidade, tornar mais saborosa a leitura do que se escreve nas diversas variantes da lĂngua.
Nem se trata de problema circunstancial, atĂpico. Pelo contrĂĄrio, ele procede da natureza mesma da tradução, especificamente a poĂ©tica. Se qualquer obra original traz em si a possibilidade de, transcendendo as barreiras de seu idioma, ramificar-se por outros, o sentido da tradução Ă© precisamente o inverso, e a lĂngua de chegada tende a ser seu destino final. Por que, salvo por motivos pragmĂĄticos ou de expediĂȘncia, verter tal ou qual texto nĂŁo a partir do original, mas sim de uma tradução?
AlĂ©m disso, avaliar e degustar obras traduzidas sĂŁo operaçÔes dotadas de prĂ©-requisitos especĂficos. Quanto mais poemas alguĂ©m lĂȘ, e quanto antes tenha começado a lĂȘ-los, mais bem aparelhado estarĂĄ ao se defrontar com os seguintes. Quando se trata de traduçÔes, sua aptidĂŁo para entender-lhes as singularidades e julgĂĄ-las com critĂ©rios pertinentes dependerĂĄ, portanto, de sua familiaridade prĂ©via com os produtos da tradução para seu idioma.
Povos, lĂnguas e Ă©pocas distintos traduzem de maneiras diferentes, resultado de histĂłrias individuais, de convençÔes cambiantes e outros tantos acasos ou exigĂȘncias. Para ficarmos num exemplo simples, enquanto aqui um soneto se converte em versos livres, ali o pentĂąmetro iĂąmbico branco se transforma em dĂsticos alexandrinos rimados. As normas variam e quase sempre sĂŁo apenas os falantes nativos que, por hĂĄbito e necessidade, vivem suficientemente imersos na sua tradição para julgarem o que, em seu Ăąmbito, funciona ou nĂŁo.
Entre a teoria e a prĂĄtica, no entanto, cai, como diria T.S. Eliot, a sombra. Esta se chama realidade.
Inicialmente, autores como Franz Kafka ou os grandes romancistas russos do sĂ©culo 19 chegaram ao Brasil e a Portugal atravĂ©s de traduçÔes indiretas, intermediadas em geral por versĂ”es francesas. Recentemente, "As Brasas", do hĂșngaro SĂĄndor MĂĄrai, alcançou o portuguĂȘs apĂłs uma escala na ItĂĄlia e, mais notĂĄvel, sua tradução para o inglĂȘs foi feita do alemĂŁo. Se algo se perde no caminho, pior seria caso tais livros nĂŁo tivessem sido traduzidos. E, para todos os efeitos, como nĂŁo estamos lidando com uma ciĂȘncia exata, nada impede que uma tradução em prosa do "Fausto" de Goethe feita a partir da versĂŁo francesa de GĂ©rard de Nerval seja esteticamente mais satisfatĂłria do que outra, em versos, feita a partir do original alemĂŁo.
O resultado nĂŁo conta menos que a adesĂŁo rigorosa a princĂpios abstratos. E, por incrĂvel que pareça, muitas dessas constataçÔes valem, Ă sua maneira, atĂ© para a tradução de poesia lĂrica. HĂĄ autores contemporĂąneos (penso na grande safra de poetas poloneses que inclui Czeslaw Milosz, Zbigniew Herbert, Tadeusz Rozewicz e Wyslawa Szymborska) que optaram freqĂŒentemente por abrir mĂŁo de certas complicaçÔes formais e cujos textos lançam mĂŁo antes do raciocĂnio, paradoxos e demais figuras de linguagem, todas elas capazes de transitarem bem entre as lĂnguas.
O que se ganha ao traduzi-los, digamos, do alemĂŁo ou do castelhano supera o que se perderia com seu desconhecimento. Tradutores de poesia podem tambĂ©m se valer de vĂĄrias traduçÔes e usar sua intuição que, nessas circunstĂąncias, Ă© sinĂŽnimo de uma experiĂȘncia prolongada. SĂł convĂ©m nĂŁo esquecer que o que torna viĂĄveis essas alternativas Ă© a inexistĂȘncia de traduçÔes definitivas. Quem nĂŁo tem (e mesmo o interessado que tenha) acesso ao poema de origem dispĂ”e, em compensação, de inĂșmeras versĂ”es potenciais ou possĂveis cuja leitura mais rentĂĄvel Ă© sempre a comparativa.
Nelson Ascher â Fonte: Folha de S.Paulo â 26/11/07.
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