Ă REALMENTE PARA PENSAR E REFLETIR...
21/03/2007 -
PENSE!
Frase de um amigo nosso: "Quem pede demissĂŁo, na verdade estĂĄ demitindo o chefe."
PALAVRA DA SEMANA: DILEMA
A palavra veio do grego dis, "duas", e lemma, "suposição". Em empresas, e na vida profissional, isso significa que todo problema tem solução, mas toda solução tem problemas.
Max Gehringer (Ăpoca - nr.462)
A VEZ DA EDUCAĂĂO
HĂĄ dois caminhos: a perda gradual de um processo civilizatĂłrio ou a redenção de um paĂs pela educação pĂșblica de qualidade.
Hà POUCO mais de um ano, iniciamos um movimento para construir um projeto de nação para a educação brasileira.
Era o inĂcio de uma aliança da sociedade civil em prol da educação pĂșblica, envolvendo os trĂȘs entes federativos -MinistĂ©rio da Educação (MEC), Conselho Nacional dos SecretĂĄrios de Educação (Consed) e UniĂŁo Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime)- e lideranças sociais e empresariais.
A iniciativa ganhou fĂŽlego. E cinco metas foram estabelecidas para dar um norte e organizar os esforços, de forma que promovesse a universalização da educação bĂĄsica com qualidade para todos os brasileiros, com ĂȘnfase na alfabetização de nossas crianças. Como referĂȘncia para o alcance dessas metas, foi definido o ano de 2022, quando o Brasil completarĂĄ 200 anos de sua independĂȘncia. SĂł haverĂĄ uma verdadeira independĂȘncia por meio de uma educação de qualidade para todos os brasileiros.
A efetivação dessa aliança ocorreu, simbolicamente, na manhĂŁ fria, mas de grande calor humano, de 6 de setembro de 2006, em frente ao museu do Ipiranga, na cidade de SĂŁo Paulo. O movimento ganhou o nome de Compromisso Todos pela Educação. Surgia um novo horizonte para a educação pĂșblica em nosso paĂs. Um compromisso de nação com as futuras geraçÔes de brasileiros, provendo-as do bem mais importante que um cidadĂŁo deveria desejar para si, uma educação de qualidade.
O desafio que agora se configurava era como implementar o Compromisso Todos pela Educação como um projeto de nação, e não de governo.
Era preciso que o MinistĂ©rio da Educação, seguindo preceitos constitucionais, se colocasse, enquanto gestor pĂșblico, responsĂĄvel pelo setor, como o maior articulador, mas nĂŁo como o Ășnico responsĂĄvel. Que associasse a liberação de recursos pĂșblicos a metas a serem cumpridas pelos Estados e municĂpios para melhorar a sua educação, a partir de um diagnĂłstico preliminar. E, principalmente, que fosse capaz de fazer com que todos os brasileiros se sentissem parte dessa iniciativa de polĂtica pĂșblica para a educação, rompendo, assim, com a cultura de projeto de governo, passando a adotar um projeto de nação.
Foi isso o que presenciamos no Ășltimo dia 15 de março, no PalĂĄcio do Planalto, sob a liderança desse jovem e operante ministro Fernando Haddad, com o apoio decisivo do presidente da RepĂșblica, Luiz InĂĄcio Lula da Silva.
Ele prĂłprio deu o tom da mudança, com um pronunciamento firme e desejoso de transformar a realidade educacional em nosso paĂs, ao dizer: "Estou aqui apenas representando uma demanda de que sinto necessidade, mas quem darĂĄ a resposta, certamente, serĂŁo vocĂȘs, e nĂŁo eu".
Era o sentimento de alguĂ©m que chegou ao cargo mais importante de um paĂs. Naquele momento, imbuĂdo de um espĂrito pĂșblico que jĂĄ nĂŁo era apenas de governante, mas de lĂder de uma aliança com toda a sociedade brasileira, dava o exemplo, ao solicitar a contribuição de todos os ex-ministros da Educação, independentemente de partido e de crença, em prol da educação.
O ministro Fernando Haddad, com firmeza, apresentou por quase duas horas o Plano de Desenvolvimento da Educação. Em sua fala, lançava as bases de uma nova educação, com foco no aluno, na sua aprendizagem e numa gestĂŁo escolar pautada em resultados. Isso, segundo o ministro, representava o esforço continuado de muitos anos, aproveitando o que de melhor cada experiĂȘncia governamental do passado trouxe para a ĂĄrea.
Agora era preciso juntar forças, e não disperså-las.
Apesar da visĂŁo sistĂȘmica inserida no plano, a prioridade Ă© a educação bĂĄsica, por meio do decreto presidencial intitulado Programa de Metas Compromisso Todos pela Educação, e, assim, o governo federal reafirmava os princĂpios concretos para uma ação perene e pela certeza de que ali se iniciava um novo momento da histĂłria da educação brasileira.
O MinistĂ©rio da Educação continua a fazer o seu dever de casa, com um projeto sĂłlido para a educação pĂșblica. Ă preciso agora que cada brasileiro, comprometido com um projeto de nação, se engaje nessa luta que deve ser de todos.
Por fim, temos dois caminhos a seguir: a perda gradual de um processo civilizatĂłrio ou a redenção de um paĂs verdadeiramente independente pela educação pĂșblica de qualidade para todos.
MILĂ VILLELA, 60, presidente do Faça Parte - Instituto Brasil VoluntĂĄrio, Ă© embaixadora da Boa Vontade da Unesco (Organização das NaçÔes Unidas para a Educação, a CiĂȘncia e a Cultura) e membro-fundadora do Compromisso Todos pela Educação, alĂ©m de presidente do MAM (Museu de Arte Moderna) e do Instituto ItaĂș Cultural.
Fonte: Folha de S.Paulo - 21/03/07.
ANTĂNIO ERMĂRIO DE MORAES
Educação: parabéns ao governo federal
ATĂ QUE enfim apareceram boas notĂcias no campo da educação.
Ao lançar o Plano de Desenvolvimento da Educação (PED), o governo federal pÎs o dedo na ferida: o mais urgente é melhorar a qualidade do ensino båsico. Não basta que a escola ensine; é preciso que o aluno aprenda.
O PED Ă© um plano que tem o foco correto ao propor que as crianças sejam avaliadas logo no inĂcio do ensino fundamental. Ă crucial saber como estĂŁo sendo alfabetizadas e fazer as correçÔes de modo rĂĄpido e eficiente.
O plano contém medidas para manter os professores atualizados e mais bem remunerados. Isso é crucial. Ninguém pode ensinar o que não sabe.
O PED prevĂȘ recursos para melhorar os equipamentos escolares, indo desde a eletrificação de escolas atĂ© a informatização e preparação de material didĂĄtico de boa qualidade.
Finalmente, o plano estabelece um sistema de reciprocidade entre as autoridades educacionais e os governantes locais: para obter os recursos adicionais do MEC (cerca de R$ 8 bilhĂ”es atĂ© 2010), os municĂpios terĂŁo de cumprir uma sĂ©rie de exigĂȘncias, sendo que a principal delas Ă© a melhoria da gestĂŁo das escolas.
Este é um ponto crucial. De nada adianta aumentar os recursos se não forem bem aplicados. O Brasil gasta bastante em educação, mas gasta mal. Com o mesmo milhão de reais pode-se educar mais crianças e com melhor qualidade.
O grande mérito do PED foi o de reconhecer a prioridade do ensino fundamental e a necessidade de avaliar bem as crianças. Chega de promoção automåtica, que apenas empurra os problemas para a frente. Os alunos serão testados a cada passo por meio do velho sistema de notas de 0 a 10, que funcionou bem para educar geraçÔes e geraçÔes.
O importante de tudo isso, é claro, é usar bem o resultado da avaliação. A cada fracasso constatado, hå que se intervir imediatamente.
E, nessa tarefa, serĂĄ imprescindĂvel o envolvimento efetivo dos diretores, dos professores, dos pais e dos governantes. No caso dos professores, oxalĂĄ o governo encontre uma forma de atrelar prĂȘmios aos que apresentarem os melhores resultados e sançÔes aos que preferirem a negligĂȘncia.
O bom dessa noticia Ă© que o governo se conscientizou de que temos de começar pelo inĂcio da formação escolar. Vamos torcer para que as avaliaçÔes sejam adequadamente utilizadas e que as crianças passem a ser bem alfabetizadas para que possam enfrentar com sucesso as etapas seguintes. ParabĂ©ns ao governo federal pela bela iniciativa.
ANTĂNIO ERMĂRIO DE MORAES
Fonte: Folha de S.Paulo - 25/03/07.
INTELIGĂNCIA BRASILEIRA
QUAL à hoje a vocação maior do pensamento brasileiro?
O caminho a evitar Ă© o percorrido pelas ciĂȘncias sociais e pelas humanidades nos paĂses do AtlĂąntico norte. Nas ciĂȘncias sociais, a começar por economia, prevalece lĂĄ a racionalização do estabelecido: explicar o que existe de maneira a confirmar a necessidade, a naturalidade ou a superioridade das instituiçÔes estabelecidas e das soluçÔes triunfantes. Nas disciplinas normativas -a filosofia polĂtica e a teoria jurĂdica-, a humanização do inevitĂĄvel: a justificativa da redistribuição compensatĂłria e da idealização do direito como meios para suavizar estruturas que nĂŁo se sabe como reimaginar ou reconstruir. Nas humanidades, a fuga da vida prĂĄtica: divagaçÔes e aventuras no campo da subjetividade, desligadas do enfrentamento da sociedade como ela Ă©.
As trĂȘs tendĂȘncias fingem brigar entre si. Aliam-se, contudo, na submissĂŁo Ă realidade atual. A mensagem Ă© sempre a mesma: aceitar o existente, cantar acorrentado. Cortam o vĂnculo, indispensĂĄvel Ă razĂŁo, entre o entendimento do existente e a imaginação do possĂvel.
No Brasil, estamos, em matĂ©ria de alta cultura, a reboque disso. A tendĂȘncia racionalizadora predomina, feita, por sua vez, de trĂȘs vertentes que confluĂram para o mesmo fatalismo supersticioso. Um neomarxismo que perdeu confiança tanto em seus dogmas como em suas esperanças acabou como discurso para explicar por que nada muda no Brasil, a nĂŁo ser para assegurar a impossibilidade da mudança. As ciĂȘncias sociais americanas foram apropriadas para explicar que o Brasil precisa fazer o que lhe mandam fazer. E o velho determinismo culturalista de nossos ideĂłlogos conservadores foi reanimado para enfeitar com folclore o receituĂĄrio do conformismo e da falta de imaginação.
JĂĄ passou da hora de jogar tudo isso fora. Para compreender nossa experiĂȘncia nacional, temos de executar obra de pensamento de valor universal. Identificar as estruturas, de organização e de consciĂȘncia, que moldam nossa vida nacional. Reconhecer-lhes ao mesmo tempo o peso e a contingĂȘncia. Expor as contradiçÔes, as anomalias, as brechas que fornecem oportunidades transformadoras. Mostrar como nos podemos organizar para diminuir o poder do passado sobre o futuro e a necessidade da crise para a mudança.
DirĂŁo que nada disso pode acontecer no pensamento brasileiro antes de termos universidade sĂ©ria e condiçÔes para o trabalho intelectual. Os renascimentos da inteligĂȘncia, porĂ©m, nem sempre esperam os meios; Ă s vezes os antecedem. Ă o espĂrito, escreveu Goethe, que faz o corpo.
ROBERTO MANGABEIRA UNGER.
Fonte: Folha de S.Paulo - 20/03/07.
APRENDER A SE DESOBEDECER
As livrarias estĂŁo repletas de livros na categoria "auto-ajuda". E eu tive a idĂ©ia para mais um. O tĂtulo pode ser "Como Aprender a se Desobedecer para Alcançar Seus Objetivos e Ter Qualidade de Vida" e serĂĄ sucesso de vendas, se tiver boa campanha publicitĂĄria, claro.
O autor -ou autora- precisa ter boa presença no vĂdeo e espontaneidade para se sair bem nas entrevistas, cativar o pĂșblico e aumentar ainda mais as vendas. Ele tambĂ©m terĂĄ de ter disponibilidade para continuar a escrever porque, com o ĂȘxito do tĂtulo, as editoras vĂŁo querer filhotes dele. "Ensine Seu Filho a Usar a DesobediĂȘncia a Seu Favor", por exemplo, pode ser o segundo tĂtulo do fenĂŽmeno que se transformarĂĄ em sĂ©rie.
O parĂĄgrafo inicial pode ser assim: "Ouse se desobedecer! A vida toda vocĂȘ aprendeu a desobedecer aos seus pais, ao chefe, Ă s regras de trĂąnsito, aos prazos estabelecidos etc. Mas nunca ninguĂ©m ensinou vocĂȘ a desobedecer a vocĂȘ mesmo, a pessoa mais importante de seu universo. EntĂŁo, torne a autodesobediĂȘncia parte de sua vida a partir de agora e vocĂȘ alcançarĂĄ um patamar superior". A expressĂŁo "eu vou me desobedecer agora" se transformaria em um mantra. Quem estivesse de dieta e tivesse vontade de comer alĂ©m do permitido se lembraria dele, os casados iriam usĂĄ-lo como oração para escapar Ă s tentaçÔes da carne.
As crianças, que se inspiram nos adultos, tentariam incorporar a mania e, quanto mais desobedientes fossem, mais agradĂĄveis seriam consideradas. O problema Ă© que elas nĂŁo entenderiam a diferença entre desobedecer aos pais e professores e a si mesmo, e a vida de pais e mestres seguiria difĂcil. Entretanto, depois de um tempo, apesar de o livro se manter na lista dos mais vendidos, tudo continuaria igual para os leitores. Ă que, passado o entusiasmo inicial, o rei ficaria nu, e as pessoas perceberiam que, entre considerar boas as liçÔes dos livros e conseguir praticĂĄ-las, hĂĄ um longo caminho. Para desobedecer Ă s vontades imediatas, a pessoa precisa ter autonomia e capacidade para se controlar. E a cultura atual valoriza mais o aqui e agora. Ă por isso que tem sido tĂŁo difĂcil para muita gente fazer dieta: Ă© mais fĂĄcil ceder ao prazer imediato do que Ă promessa de satisfação futura.
AlĂ©m de autonomia, para praticar a autodesobediĂȘncia Ă© preciso ser persistente, esforçado, comprometido atĂ© os ossos com tal conceito, e a tenacidade nĂŁo tem sido uma qualidade popular entre nĂłs. AliĂĄs, tal palavra parece estar guardada a sete chaves no dicionĂĄrio ultimamente, nĂŁo Ă©? Finalmente -mas sĂł neste texto-, para se desobedecer Ă© preciso ter maturidade para renunciar -jĂĄ que rejeitar o imperativo das paixĂ”es nĂŁo Ă© simples. Por essas razĂ”es, o livro seria esquecido e suas liçÔes, renegadas, mas sĂł atĂ© que outro autor tivesse outra boa idĂ©ia para escrever a mesma coisa de um outro jeito. Ă que, no fundo, sabemos que temos sido escravos de nossos impulsos e caprichos. E esse tipo de livro faria, novamente, um grande sucesso.
ROSELY SAYĂO Ă© psicĂłloga e autora de "Como Educar Meu Filho?" (ed. Publifolha)
Fonte: Folha de S.Paulo - 22/03/07.