TURMAS EM PAZ...COA!!!
15/03/2008 -
TURMAS DO FM
A BĂBLIA MANGĂ
English: http://www.themangabible.com/index.asp?module=Pages&action=List and http://www.nytimes.com/2008/02/10/us/10manga.html
Foto: BĂblia mangĂĄ de Siku traz do GĂȘnesis ao Apocalipse, incluindo atĂ© um Jesus samurai.
JESUS SAMURAI
HistĂłrias bĂblicas ganham versĂŁo em mangĂĄ, com ação e humor.
O personagem Ă© um clĂĄssico: o forasteiro misterioso, calado e sombrio, que chega para libertar a cidade do domĂnio dos poderosos e corruptos do lugar.
Tal qual o pistoleiro de um faroeste de Sergio Leone ou um samurai de Akira Kurosawa, este Ă© Jesus Cristo em versĂŁo ninja, como retratado numa adaptação da BĂblia em quadrinhos, no popular formato de mangĂĄ.
"The Manga Bible: from Genesis to Revelations" (a BĂblia MangĂĄ: do GĂȘnesis ao Apocalipse), criada pelo inglĂȘs Ajinbayo Akinsiku, 42, foi lançada no Reino Unido e nos EUA e captura as histĂłrias do livro com reverĂȘncia, mas com humor e muita ação.
"VocĂȘ pode usar o gĂȘnero para contar a histĂłria como quiser", diz Siku, como o artista Ă© conhecido, em entrevista Ă Folha, por telefone, de Londres.
"Decidimos fazer algo nunca feito antes, apresentar Jesus como um estranho sombrio, que entra em uma cidade que tem sido molestada e corrompida por gĂąngsters e a liberta, algo como "TrĂȘs Homens em Conflito" [de Leone], "Os Sete Samurais" [de Kurosawa], a figura do solitĂĄrio que ninguĂ©m compreende."
Para cobrir tanto o Novo quanto o Velho Testamento, Siku precisou editar e condensar os livros (fez versĂ”es de vĂĄrios tamanhos) e, bem de acordo com o gĂȘnero mangĂĄ, deixou de fora as partes com menos ação, como o SermĂŁo da Montanha.
"Houve uma dificuldade conceitual, discutimos se nos preocuparĂamos mais com o cristianismo, com a teologia ou com a narrativa de quadrinhos. Fui muito cuidadoso para manter a intenção do texto original, mas o deixei mais moderno, ĂĄgil."
Assim, sua BĂblia mangĂĄ tem herĂłis que parecem (e soam como) skatistas em versĂŁo beduĂna, AbraĂŁo fugindo de uma explosĂŁo a cavalo para salvar Lot, e Og, rei de BasĂŁ (do Velho Testamento), parecendo um Darth Vader histĂłrico.
TeĂłlogo e ministro: Novato no gĂȘnero mangĂĄ, Siku Ă© veterano em quadrinhos e em religiĂŁo: ele freqĂŒenta uma igreja anglicana, Ă© formado em teologia e pretende se tornar ministro de sua religiĂŁo.
O projeto de transformar os textos bĂblicos em quadrinhos Ă© antigo -ele queria fazer uma versĂŁo do Apocalipse, em estilo ocidental-, mas o impulso veio com a explosĂŁo dos quadrinhos japoneses na Europa e nos EUA, o que levou o projeto ao seu formato atual e ao sucesso de vendas: 50 mil cĂłpias sĂł no Reino Unido, liderando as listas do gĂȘnero mangĂĄ (No Brasil, ainda nĂŁo hĂĄ previsĂŁo de lançamento, mas o livro pode ser adquirido por lojas virtuais como a www.amazon.com por US$ 10,36, ou cerca de R$ 17, mais a taxa de frete).
Tendo como pĂșblico-alvo jovens consumidores de HQ e religiosos, Siku maneirou na hora de retratar algumas passagens mais polĂȘmicas.
"Trabalhei na "2000 AD" [HQ britĂąnica de ficção cientĂfica], entĂŁo lidar com sexo e violĂȘncia nĂŁo Ă© problema para mim. Mas, como boa parte do nosso pĂșblico Ă© mais sensĂvel a isso, contive um pouco esse lado. SĂł nĂŁo dĂĄ para retirar tudo; o Velho Testamento, por exemplo, Ă© um livro muito violento."
"Transformers": Se a "Manga Bible" de Siku foi, como informa sua editora, a primeira do gĂȘnero em inglĂȘs, ela parece ter despertado uma tendĂȘncia: pouco depois de seu lançamento, foi anunciado um projeto semelhante (este, norte-americano) chamado "Mecha Manga Bible Heroes".
A intenção da obra (que serĂĄ lançada em junho no exterior) Ă© levar as histĂłrias bĂblicas para um inusual cenĂĄrio futurista, transformando personagens em super-herĂłis -o primeiro Ă© o mĂtico Davi, que bateu Golias.
"A idéia surgiu com o filme "Transformers'", disse à Folha Paul Castiglia, o editor da obra. "Pensei em algo com robÎs, e Davi e Golias era uma escolha óbvia, por causa do gigante."
ARQUIDIOCESE DIZ QUE BĂBLIA EM MANGĂ Ă "CRIATIVA"
"Ă a arte usada para transmitir uma mensagem, e isso nĂŁo chega a desvirtuĂĄ-la", diz representante da Igreja CatĂłlica em SP.
Obra de quadrinista inglĂȘs tambĂ©m foi elogiada pelo arcebispo de Canterbury por "transmitir a emoção da BĂblia de maneira Ășnica".
"Uma maneira criativa de apresentar a palavra de Deus, principalmente quando o meio usado é bem-aceito entre os jovens." Assim a Arquidiocese de São Paulo, por meio de seu secretårio de comunicação, padre Juarez Pedro de Castro, definiu a "Manga Bible".
A Folha enviou Ă arquidiocese, por e-mail, algumas pĂĄginas do livro, bem como indicou o site que o apresenta (http://www.themangabible.com/index.asp?module=Pages&action=List), e pediu um comentĂĄrio.
"A prĂłpria Igreja sempre se valeu da escultura, da pintura, da mĂșsica, de vitrais e da arte em geral para aproximar o povo da mensagem evangĂ©lica. AlĂ©m disso, a Igreja CatĂłlica jĂĄ produziu vĂĄrias publicaçÔes sobre a BĂblia e a vida de santos em quadrinhos. O conteĂșdo em questĂŁo nĂŁo apresenta nenhuma heresia ou desrespeito. Ă a arte que Ă© usada para transmitir uma mensagem, e isso nĂŁo chega a desvirtuĂĄ-la", escreveu o padre Juarez.
No Reino Unido, onde a "Manga Bible" foi lançada originalmente, o lĂder da Igreja Anglicana tambĂ©m elogiou a obra de Siku.
"Ă uma nova publicação animadora, de estilo e discurso atuais. Vai transmitir a emoção da BĂblia de maneira Ășnica", disse o arcebispo de Canterbury, Rowan Williams.
Marco Aurélio CanÎnico - Fonte: Folha de S.Paulo - 11/03/08.
O PUM DA CULTURA
A notĂcia, na Folha do Ășltimo dia 28, era pequena, mas chamativa: uma funcionĂĄria, demitida por "exceder-se em flatulĂȘncia" no local de trabalho, venceu demanda judicial interposta na 4ÂȘ Turma do Tribunal Regional do Trabalho de SĂŁo Paulo. Os magistrados decidiram pela readmissĂŁo da empregada e pelo pagamento de R$ 10 mil por danos morais.
AtrĂĄs desse curioso episĂłdio estĂĄ longa histĂłria, que se baseia numa função fisiolĂłgica absolutamente normal, mas nem por isso menos perturbadora. FlatulĂȘncia Ă© a emissĂŁo de gases intestinais, uma coisa que poderia passar despercebida, como Ă© a expiração.
Mas essa, em geral, nĂŁo Ă© ruidosa -a nĂŁo ser quando a pessoa ronca, o que nĂŁo raro Ă© fonte de conflito entre marido e mulher- e Ă© sem odor, a nĂŁo ser quando hĂĄ mau hĂĄlito, o que sempre resulta em constrangimento. JĂĄ no flato, existe uma complexa mistura de gases, alguns dos quais, os compostos sulfurosos, principalmente, produzem aquele caracterĂstico odor, que hĂĄ milĂȘnios ofende narinas.
Ah, sim, e o ruĂdo. A Ășltima linha de "O Inferno", de Dante, parte da "Divina ComĂ©dia" [editora 34], diz "Ed elli avea del cul fatto trombetta"/ "E ele usou o traseiro como trombeta", o que pode parecer um exagero, mas traduz a indignação das pessoas.
NĂŁo sĂł Dante se entregou ao exercĂcio dessa forma de escatologia literĂĄria. Na clĂĄssica comĂ©dia "As Nuvens" [ed. 34], de AristĂłfanes [comediĂłgrafo grego do sĂ©culo 5Âș a.C. que se celebrizou pela irreverĂȘncia], hĂĄ um diĂĄlogo no qual SĂłcrates sustenta que, quando as nuvens colidem, se produz um forte ruĂdo, ou seja, o trovĂŁo.
Para explicar o fenĂŽmeno, compara-as com o homem que, tendo comido muito, produz gases. E pergunta: "Se o ventre humano, que Ă© relativamente pequeno, faz tanto barulho, como nĂŁo o farĂŁo as nuvens, que sĂŁo muito maiores?".
Falta grave: Nas "Mil e uma Noites" [ed. Globo], lemos a histĂłria de um homem que, tendo soltado gases durante a cerimĂŽnia de seu prĂłprio casamento, nĂŁo vĂȘ outra solução senĂŁo fugir para o exterior. Em "GargĂąntua e Pantagruel" [ed. Itatiaia], Rabelais assim descreve a ressurreição de EpistĂ©mon: "De repente EpistĂ©mon começou a respirar, depois abriu os olhos, depois bocejou, depois espirrou, depois soltou um grande peido. Ao que disse Panurge: "Agora estĂĄ certamente curado'".
Em "Contos de CantuĂĄria" [T.A. Queiroz], de Geoffrey Chaucer, autor inglĂȘs do sĂ©culo 14, o flato Ă© usado como agressĂŁo. O conquistador Absolom estĂĄ tentando roubar um beijo da trĂȘfega Alison, mulher do carpinteiro Nicholas. Na escura noite, sem quase nada enxergar, aproxima-se da janela da casa e, sussurrando, pede que a mulher diga onde estĂĄ. Mas Ă© Nicholas que responde -soltando, pela janela, um agressivo flato.
Em "Molloy" [ed. Globo], de Samuel Backett, hĂĄ uma certa condescendĂȘncia para com os gases: "Trezentos e quinze peidos em 19 horas, uma mĂ©dia de 16 peidos por hora. NĂŁo Ă© demais. Quatro peidos a cada 15 minutos. Ă nada". A mesma tolerĂąncia mostrou o imperador romano Claudius, que assinou lei permitindo a emissĂŁo de gases em banquetes, mas fĂȘ-lo movido por supostas razĂ”es de saĂșde: acreditava-se Ă Ă©poca que reter os gases era prejudicial para o organismo.
De maneira geral, soltar um flato era falta grave. Edward de Vere, duque de Oxford, teve o azar de fazĂȘ-lo (coisa que Freud explicaria) no exato momento em que prestava juramento de lealdade Ă depois cinematogrĂĄfica rainha Elizabeth 1ÂȘ.
TĂŁo envergonhado ficou que se impĂŽs um exĂlio de sete anos. Quando de seu retorno Ă corte, Elizabeth teria dito, para consolĂĄ-lo: "Meu senhor, para dizer a verdade, jĂĄ esqueci aquele flato".
AliĂĄs, em termos da associação nobreza-flatulĂȘncia, o duque nĂŁo ficaria sozinho. Segundo nos conta JĂŽ Soares, em "O XangĂŽ de Baker Street" [Cia. das Letras], dom Pedro 2Âș soltava gases em pleno palĂĄcio, o que, aliĂĄs, no julgamento mencionado, foi usado como argumento pelo juiz Ricardo Artur Costa e Trigueiros.
O PeidĂŽmano: A pessoa pode reter os gases, mas serĂĄ que consegue emiti-los voluntariamente?
Em "A Terra", de Ămile Zola, hĂĄ um personagem que consegue fazĂȘ-lo e ganha apostas com sua habilidade. Houve um contemporĂąneo do escritor que conseguia fazĂȘ-lo e se tornou famoso por isso: Joseph Pujol (1857-1945), autodenominado Le PĂ©tomane (O PeidĂŽmano).
O marselhĂȘs Pujol tinha um extraordinĂĄrio controle de seus mĂșsculos abdominais e do esfĂncter anal, o que lhe permitia façanhas assombrosas. Exibindo-se no cĂ©lebre Moulin Rouge, para audiĂȘncias que incluĂam Edward, prĂncipe de Gales, e Sigmund Freud, conseguia tocar flauta por meio de um tubo de borracha inserido em seu Ăąnus, emitindo tambĂ©m os sons do hino nacional e de melodias por ele compostas.
A histĂłria de Pujol inspirou pelo menos dois filmes -o britĂąnico "Le Petomane", de 1979, com Leonard Rossiter, e o italiano "Il Petomane", de 1983, com Ugo Tognazzi-, o musical "The Fartiste" -premiado como melhor do ano em 2006, no festival internacional Fringe, em Nova York-, vĂĄrios artigos e livros, incluindo o best-seller "Quem Comeu meu Queijo?", de Jim Dawson, uma abrangente histĂłria da flatulĂȘncia.
Uma história que, como se constata, mostra aspectos curiosos e surpreendentes da relação humana com o corpo, particularmente no que se refere ao componente gasoso deste.
Moacyr Scliar - Fonte: Folha de S.Paulo - 09/03/08.
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