PONTO DE VISTA V
16/04/2007 -
FAZENDO DIREITO
PONTO DE VISTA V
VOCĂ JĂ OBSERVOU QUE AS DIFICULDADES DA NOSSA VIDA DEPENDEM MUITO DO PONTO DE VISTA QUE VOCĂ OLHA?
OBSERVE ....
Na figura vocĂȘ consegue ver: Um homem tocando Sax...ou um perfil de mulher?
Seu sucesso ou insucesso depende de como enxerga as coisas em sua vida. Pense nisso!
(Colaboração: A.M.B.)
O GALO E A PROPINA
Parece piada, mas nĂŁo Ă©. HĂĄ poucas semanas, a juĂza MĂŽnica Machado, da comarca de Paracambi, cidade de 40.000 habitantes no interior do Rio de Janeiro, produziu uma sentença na qual destila seu Ăłdio pessoal a um galo que cantarolou numa madrugada perturbando seu sono. Na sentença, a juĂza detalha seu infortĂșnio, informa que o galo cantou "ininterruptamente das 2h Ă s 4h30 da madrugada" e diz que tal fato lhe causou "perplexidade, jĂĄ que aves nĂŁo cantam na escuridĂŁo, com exceção das corujas". Em seguida, ainda no corpo da sentença, a juĂza diz que tentou descobrir em que casa da vizinhança vivia "o tal galo esquizofrĂȘnico", mas nĂŁo conseguiu. E entĂŁo decide: como o processo que deveria analisar envolve uma briga de vizinhos acerca de um galo que canta Ă noite, a magistrada passou a desconfiar que se tratava do mesmo galo que lhe perturbou â e, com isso, declara-se impedida de julgar o assunto. Ela explica: "Considerando que esta magistrada nutre um sentimento de aversĂŁo ao referido galo e, se dependesse de sua vontade, o galo jĂĄ teria virado canja hĂĄ muito tempo, nĂŁo hĂĄ como apreciar o pedido com imparcialidade".
No estado democrĂĄtico de direito, os juĂzes devem desfrutar a mais ampla liberdade para decidir â inclusive para decidir errado ou para acusar galos de esquizofrenia, como quis a doutora MĂŽnica Machado. A ampla liberdade de decisĂŁo dos juĂzes, no entanto, nĂŁo pode ser confundida com a liberdade para delinqĂŒir. Essa Ă© a confusĂŁo que tem contribuĂdo para apodrecer uma banda da Justiça. Nos inquĂ©ritos policiais, que resultaram nas gigantescas operaçÔes da semana passada, hĂĄ passagens exemplares desse dilema.
O caso do desembargador JosĂ© Eduardo Carreira Alvim, preso em BrasĂlia, Ă© lapidar. Ele Ă© autor de uma decisĂŁo â propina de 1 milhĂŁo de reais, segundo a polĂcia â lunĂĄtica. Concedeu uma liminar a favor de um recurso que ainda nem existia! Inventou a "liminar em recurso futuro". O ministro Paulo Medina, do Superior Tribunal de Justiça, tambĂ©m sob investigação, deu uma liminar â propina de 600.000 reais, diz a polĂcia â em uma decisĂŁo Ă qual o procurador-geral da RepĂșblica se referiu como "esdrĂșxula" e de "conteĂșdo estranho".
A pergunta Ă©: como Ă© possĂvel que decisĂ”es lunĂĄticas e esdrĂșxulas nĂŁo chamem a atenção de ninguĂ©m dentro dos tribunais? Como pode passar em brancas nuvens um favorecimento tĂŁo ilĂłgico quanto escancarado? NĂŁo deveria haver algum mecanismo interno, criado pela prĂłpria Justiça, para fazer soar o alarme diante de situaçÔes tĂŁo suspeitas? Claramente, as corregedorias dos tribunais e mesmo o Conselho Nacional de Justiça nĂŁo tĂȘm se debruçado sobre essa questĂŁo. As decisĂ”es de Carreira Alvim e de Medina foram revogadas mais tarde, mas isso nĂŁo esgota o assunto: as liminares saĂram, surtiram efeito e acabaram cassadas como se fossem decisĂ”es judiciais corriqueiras. NĂŁo eram. Enquanto juĂzes ameaçam galos de virar sopa, o paĂs perde sĂł tempo. Quando se corrompem, o paĂs perde o rumo.
André Petry
Fonte: Veja - edição 2005.