A DERROTA DOS INTELECTUAIS
26/09/2006 -
FAZENDO DIREITO
"Corremos o risco de o povo, os polĂticos, os governantes nĂŁo mais acreditarem na manutenção da classe intelectual"
A grande derrotada nestas eleiçÔes presidenciais foi a classe dos intelectuais deste paĂs, que nitidamente perdeu espaço e poder. Os intelectuais criticaram Lula com sua polĂtica econĂŽmica de juros altos, dizendo que estava tudo errado, inclusive companheiros de partido, advertindo que com essa polĂtica ele jamais seria reeleito. Lula contrariou a todos. Apostou em manter a inflação baixa, e o resultado nas pesquisas estĂĄ aĂ.
Os intelectuais agora terão tempo suficiente para responder à seguinte questão: se os juros altos beneficiam os ricos e prejudicam os pobres, por que a grande maioria dos ricos e a classe média estão preferindo Alckmin e os pobres, Lula?
O prĂłprio PSDB se cansou de sua ala intelectual ao escolher Geraldo Alckmin. Os intelectuais que sobraram no PSDB nĂŁo conseguiram alinhavar um plano de governo atĂ© quatro dias atrĂĄs, quinze dias antes das eleiçÔes. Ultimamente, o que caracterizou nossos intelectuais foi o silĂȘncio. Eles mesmos admitiram essa constatação. Os mais independentes se limitaram a manifestar sua indignação diante da corrupção sem ao menos apresentar um esboço de solução. NĂŁo vi ninguĂ©m sugerir aumento das verbas para cursos superiores de contabilidade, auditoria e fiscalização, dizimadas durante o governo militar.
Todo paĂs precisa de pessoas pensantes de vĂĄrias disciplinas para, juntas, encontrar soluçÔes para suas afliçÔes. Os Estados Unidos devem muito a seus think tanks, como Brookings Institute, NBER, Russell Sage Foundation, muitos criados em 1910 e que contribuĂram para o desenvolvimento do paĂs. Leiam The Idea Brokers, de James A. Smith. Talvez seja por isso que o Brasil estĂĄ Ă deriva, sem rumo e sem projeto. Pesquisem os sites de nossas principais universidades e procurem as "soluçÔes para a corrupção", "soluçÔes para os juros altos", "soluçÔes para a questĂŁo da previdĂȘncia", "soluçÔes para fazer o Brasil crescer".
Quando muito encontraremos papers de um professor ou outro, raramente uma solução multidisciplinar incluindo direito, economia, administração, demografia, sociologia, medicina, atuĂĄria, sĂł para citar as ĂĄreas que deveriam se reunir para achar uma saĂda para a previdĂȘncia, por exemplo.
Nossos planos de combate Ă inflação nĂŁo foram criados por universidades com o concurso de psicĂłlogos, contadores de custos, administradores, advogados, publicitĂĄrios, economistas de vĂĄrias escolas, como deveria ter ocorrido. O mais drĂĄstico dos planos, o Plano Collor, foi elaborado Ă s pressas por trĂȘs economistas enfurnados num hotel.
O cerne do conceito de universidade Ă© justamente congregar intelectuais num mesmo lugar ou "universo", para que eles pesquisem e proponham soluçÔes em conjunto. Se fosse para todos ficarem enfurnados em suas faculdades, nĂŁo necessitarĂamos de universidades. Quando eles assinam algo em conjunto, sĂŁo muitas vezes abaixo-assinados ou artigos que nĂŁo vĂŁo alĂ©m da crĂtica, destrutiva de preferĂȘncia, ou platitudes como "precisamos aumentar os gastos com a educação".
Nossos intelectuais, com notĂłrias exceçÔes, tĂȘm muita dificuldade para desenvolver trabalhos em grupo. A grande maioria Ă© no fundo individualista, egocĂȘntrica, vaidosa e persegue seus interesses pessoais de pesquisa. Muitas das qualidades que eles prĂłprios criticam e odeiam.
No setor privado, quem nĂŁo sabe trabalhar em equipe ou em grupo nĂŁo mantĂ©m o emprego nem um dia sequer. NĂŁo Ă© esse o tipo de intelectual de que o Brasil desesperadamente necessita. Intelectuais custam caro. SustentĂĄ-los para que fiquem pensando por nĂłs nas faculdades Ă© um luxo que somente paĂses desenvolvidos tĂȘm condiçÔes de custear. Nossos intelectuais tĂȘm de mostrar mais eficiĂȘncia e capacidade de cooperação entre si. Num paĂs pobre, eles precisam justificar cada centavo que o povo neles deposita. Um recente estudo da OCDE mostra que o Brasil Ă© o paĂs que mais gasta com universidades e nĂŁo tem o retorno que deveria.
Esse silĂȘncio, essa flagrante omissĂŁo no especificar soluçÔes multidisciplinares, em entrar nos detalhes, a tendĂȘncia de ser simplesmente contra alguma coisa, nĂŁo justifica o salĂĄrio. Corremos o risco de o povo, os polĂticos, os governantes nĂŁo mais acreditarem na manutenção da classe intelectual.
Stephen Kanitz Ă© formado pela Harvard Business School