BINGO V... Charges e mais charges...
04/06/2007 -
FAZENDO DIREITO
BINGO V
A justiça é cega.
Veja aonde nĂłs chegamos: no Brasil, ela Ă© cega mesmo...
Confira a charge!
(Colaboração: A.M.B.)
EM JUĂZO (Cavalo NĂŁo Sobe Escada)
As Arcadas, como tambĂ©m chamam Ă centenĂĄria Faculdade de Direito do Largo SĂŁo Francisco, da Universidade de SĂŁo Paulo, guardam histĂłrias que passam de geração a geração. HĂĄ meio sĂ©culo, o professor Alexandre Correa, que dava aula no tĂ©rreo, ficou incomodado pelos ruĂdos vindos do andar de cima. Chamou o bedel e pediu que transmitisse mensagem ao professor Gofredo da Silva Telles, de cuja sala vinha o vozerio: âMeu caro, peça ao professor Gofredo que acalme a cavalaria.â
Gofredo responde: âInforme ao professor Correa que cavalos nĂŁo sobem escadas, por essa razĂŁo ficam no tĂ©rreo.â
Fonte: Almanaque Brasil - Edição 55.
PODER, DEMOCRACIA E DIREITO
"O PODER corrompe, e o poder absoluto corrompe absolutamente". Essa frase de Lord Acton, parlamentar e historiador inglĂȘs, Ă© confirmada a cada dia e deveria ser sempre lembrada para servir de alerta a todos os que, no Ăąmbito pĂșblico ou privado, gozam de alguma parcela de poder, tendo a possibilidade de tomar decisĂ”es que serĂŁo impostas para obediĂȘncia de outros.
Corrupção, na famosa frase, significa sair do caminho reto, desviar-se das regras consagradas por serem consideradas justas e convenientes, afrontar o que é geralmente reconhecido como normal e desejåvel.
O desvio do bom caminho traz riscos. Um deles Ă© a perda do equilĂbrio e da ponderação por quem abusa do poder, o que pode levar a manifestaçÔes de intolerĂąncia, com a negação do direito democrĂĄtico da divergĂȘncia, componente necessĂĄrio da liberdade.
Outro risco Ă© a tentativa de desqualificar os que discordam e apontam erros -para isso, jĂĄ nĂŁo se respeitam barreiras Ă©ticas, usam-se artifĂcios e meias verdades, chegando-se Ă s vezes Ă agressĂŁo grosseira e ao abandono das regras da convivĂȘncia civilizada.
Essas consideraçÔes me ocorrem neste momento diante de reaçÔes a opiniÔes emitidas a respeito do que muitos consideram decisÔes equivocadas do governador de São Paulo, José Serra, que afrontam normas båsicas da democracia e do direito.
Na seqĂŒĂȘncia de prolongada posição majoritĂĄria na AssemblĂ©ia Legislativa, foi aprovada pelo Legislativo a emenda constitucional 21, de 14/2 de 2006, modificando a Constituição do Estado de SĂŁo Paulo, retirando competĂȘncias do Legislativo e as transferindo ao chefe do Executivo. Este recebeu amplos poderes para governar por decreto, livre da necessidade de obter a aprovação do Legislativo.
A proposta que resultou na emenda foi assinada por 33 deputados proponentes de vĂĄrios partidos, sendo o produto de um aglomerado de propostas. Sua aprovação foi simbĂłlica, em decorrĂȘncia de um grande acordo -um acordĂŁo, na gĂria parlamentar.
Foi com base nessas novas competĂȘncias que Serra editou um nĂșmero elevado de decretos desde o primeiro dia do seu governo. Entre eles estĂĄ o de nĂșmero 51.460, de 1Âș/1 de 2007, pelo qual, como ali se diz, foi alterada a denominação de algumas secretarias do Estado, passando a Secretaria de Turismo a denominar-se Secretaria de Ensino Superior. O nome dado Ă nova secretaria, bem como seus objetivos, pormenorizados num outro decreto, deixa mais do que evidente que aĂ se pretendeu praticar o ilusionismo jurĂdico, extinguindo uma secretaria e criando outra, com a mĂĄscara de simples mudança de nome.
Antes de tudo, hĂĄ um aspecto jurĂdico fundamental que torna absolutamente nulo esse decreto, por inconstitucionalidade Ăłbvia. Ă regra mais que consagrada, conhecida por qualquer pessoa com razoĂĄvel conhecimento jurĂdico, que uma lei sĂł pode ser alterada por outra lei. HĂĄ uma hierarquia nas normas jurĂdicas, estando acima de todas as constitucionais, vindo depois as leis e, num terceiro nĂvel, mais abaixo, os decretos.
A Secretaria de Turismo foi criada pela lei nÂș 8.663, de 25/1 de 1965, que, no seu artigo 1Âș, estabelece que sĂŁo seus objetivos, entre outros, "promover o incremento do turismo no Estado". Seus ĂłrgĂŁos, seu equipamento e seu funcionalismo foram compostos tendo em vista esses objetivos. Como poderĂĄ esse dispositivo, com a simples mudança de nome, agir como Secretaria de Ensino Superior? E, do ponto de vista jurĂdico, a mudança de seus objetivos sĂł poderĂĄ ser feita por meio de outra lei, nĂŁo de um decreto.
NĂŁo Ă© preciso mais para concluir que, para preservar sua autoridade, o governador deve, sem subterfĂșgios, reconhecer que se cometeram erros e fazer o necessĂĄrio para corrigi-los.
Em parte jĂĄ houve esse reconhecimento, como ficou evidenciado pela edição de um novo decreto, que foi pitorescamente denominado decreto declaratĂłrio nÂș 1, de 30/5 de 2007, por meio do qual foram eliminados vĂĄrios absurdos que constavam expressa e claramente de decretos anteriores, como a proibição de admissĂŁo de servidores, "inclusive pelas autarquias de regime especial", o que impediria as universidades de fazer concursos para a contratação de docentes.
AĂ estĂĄ o sentido geral das crĂticas Ă orientação adotada pelo governo Serra quando aceitou a sugestĂŁo de governar por decreto, inclusive alterando ou revogando leis, como se isso fosse democrĂĄtico e constitucional.
Tais crĂticas, respeitosas e construtivas, sĂŁo a expressĂŁo do exercĂcio dos direitos e deveres da cidadania e decorrem de uma crença inabalĂĄvel na democracia e no direito.
DALMO DE ABREU DALLARI, advogado, Ă© professor aposentado da Faculdade de Direito da USP. Foi secretĂĄrio de NegĂłcios JurĂdicos de SĂŁo Paulo (gestĂŁo Erundina).
Fonte: Folha de S.Paulo - 08/06/2007.
AlÎ galera de Direito: Enviem suas mensagens através do Fale Conosco de nosso site. Clique aqui e envie sua mensagem: http://www.faculdademental.com.br/fale.php