PENSANDO NAS "BARBARIDADES" DO MUNDO
03/09/2008 -
PENSE!
NĂO Ă BARBĂRIE EM NOME DAS TRADIĂĂES
English:
http://abcnews.go.com/International/wireStory?id=5701044
http://www.daylife.com/photo/06KvcAYgRAepF
PaquistĂŁo - Ativistas pelos direitos humanos protestam contra a prĂĄtica de crimes de honra, em Karachi. O governo paquistanĂȘs abriu investigação para apurar a morte de cinco mulheres que, segundo grupos feministas, teriam sido assassinadas por quererem se casar com homens de sua escolha. No cartaz, lĂȘ-se: "nĂŁo Ă barbĂĄrie em nome das tradiçÔes".
Fonte: Terra â 01/09/08.
SEDE HUMANA
Tudo começou cerca de 10 mil anos atrĂĄs, quando os humanos decidiram se agrupar em comunidades fixas numa determinada regiĂŁo. Antes disso, grupos nĂŽmades pulavam de ponto a ponto, colhendo frutos e raĂzes que achavam pelo caminho e caçando animais e peixes para sua subsistĂȘncia. Acumulando experiĂȘncia, aprenderam quais vegetais eram comestĂveis, quais eram venenosos e quais tratavam doenças. Nessa virada da histĂłria, os homens descobriram que era possĂvel acelerar a produtividade da natureza, concentrando ĂĄrvores frutĂferas e vegetais em plantaçÔes. Em vez de ir atrĂĄs da comida, passaram a viver em torno dela.
Assim foi, por exemplo, na região do Crescente Fértil, no Oriente Médio. Essa transição de comportamento iniciou também o profundo impacto ecológico causado pela presença dos seres humanos na Terra.
PlantaçÔes precisam de espaço e de ågua. Portanto, era necessårio preparar a terra, ou seja, cortar vastas åreas florestais ou soterrar o mangue para cultivå-las. Era também necessårio redirecionar enormes quantidades de ågua para suprir as novas plantaçÔes.
Com o sucesso da agricultura, o acĂșmulo de riqueza e o desenvolvimento das primeiras cidades, essas necessidades aumentaram. O equilĂbrio dinĂąmico que havia definido a existĂȘncia da vida na Terra por bilhĂ”es de anos foi irreversivelmente rompido pelo desenvolvimento da civilização humana.
Ă paradoxal que a atividade que historicamente mais devastou o meio ambiente seja a agricultura. Olhe para as enormes ĂĄreas do interior do Brasil e da maioria dos paĂses do mundo com regiĂ”es fĂ©rteis. As florestas originais se foram hĂĄ centenas de anos, deixando plantaçÔes ou, caso estas tenham sido abandonadas, a grama alta dos pastos, a terra sem uma ĂĄrvore sequer.
Fazer o quĂȘ, certo? Afinal, as pessoas precisam se alimentar.
E cada vez somos mais. O aumento da população mundial Ă© assustador. ApĂłs atingir o pico em 1987 de 87 milhĂ”es de pessoas por ano, chegou atĂ© a descer. Em 2002 foi de "apenas" 75 milhĂ”es de pessoas, começando a subir novamente em 2007, com 77 milhĂ”es de pessoas por ano. Se a tendĂȘncia continuar, em dez anos teremos mais 800 milhĂ”es de pessoas no mundo, todas precisando comer, beber e de combustĂveis fĂłsseis ou outras fontes de energia para sobreviver.
Como comparação, estima-se que, no inĂcio da civilização, a população aproximada da Terra fosse de 5 milhĂ”es, em torno de 25% da população da Grande SĂŁo Paulo. No ano 1000, cresceu para cerca de 300 milhĂ”es.
Em 1900, era de 1,7 bilhĂŁo de pessoas.
O enorme aumento de 570% em 900 anos foi devido ao desenvolvimento de tecnologias de produção de alimentos, da medicina e da extração de energia. Hoje, a população é de 6,7 bilhÔes de pessoas. Ou seja, em 108 anos a população mundial quadruplicou.
As estimativas para 2050 giram em torno de 9,3 bilhÔes de pessoas. Enorme, mas com taxa de crescimento relativo menor. Mesmo assim, são quase 10 bilhÔes de pessoas para alimentar e hidratar. Serå que podemos continuar a nos fiar na inventividade humana, no desenvolvimento de tecnologias para resolver nossos problemas? (Resolver em parte, dada a enorme quantidade de pessoas famintas e doentes no planeta.)
Os problemas da superpopulação, do aquecimento global, da produção de alimentos e da distribuição de ågua são os maiores desafios jå enfrentados pela humanidade. Podemos ver isso com desespero ou como uma grande oportunidade para nos reinventar.
Prefiro apostar na nossa capacidade de sobrevivĂȘncia. NĂŁo temos muito tempo a perder.
Marcelo Gleiser Ă© professor de fĂsica teĂłrica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro "A Harmonia do Mundo"
Fonte: Folha de S.Paulo - 31/08/08.
O ADJETIVO "CIENTĂFICO"
HĂĄ termos que, quando cunhados, caem no gosto das pessoas e passam a ser usados, mesmo que nĂŁo traduzam naquele contexto, objetivamente, o que se pretende dizer. Simplesmente vĂȘm Ă tona porque estĂŁo na moda. Conferem ar contemporĂąneo aos escritos ou falas.
Quem não se lembra de "planejamento estratégico" e "gestão da qualidade", que se faziam presentes em todas as palestras e discursos de uma década atrås? A bola da vez é "inovação", termo cunhado pelo economista tcheco Schumpeter, na década de 30 do século passado, diante da necessidade de se caracterizar uma atividade com um atributo diferente de invenção e descoberta. Mesmo assim, a inovação vem ocorrendo desde que nossos antepassados desceram dos galhos das årvores, passando a caminhar eretos. Ainda que cientes disso, o termo continua sendo empregado, por especialistas, fora de contexto e como se ele próprio fosse uma grande inovação.
JĂĄ o adjetivo cientĂfico serve de sustentação a qualquer discussĂŁo e tem sido utilizado com prodigalidade assustadora. Na transmissĂŁo das OlimpĂadas de Pequim, ouviu-se que o vĂŽlei Ă© um esporte com base cientĂfica. Uma atleta laureada chegou a afirmar que o taekwondo Ă© hoje, no Brasil, uma ciĂȘncia.
Sempre que se deseja encerrar uma discussĂŁo via "magister dixit", afirma-se: "meu argumento ou crença tem base cientĂfica". A frase de efeito parece dispensar a obrigação de citação de fontes e experimentos que comprovem a tal base cientĂfica. AtĂ© para crenças religiosas, sustentadas fundamentalmente pela fĂ©, o argumento tem valido. FĂ© - do latim "fides" - pode ser traduzido por confiança, crença, mas seu sentido teolĂłgico de "crer naquilo que a pessoa julga como verdadeiro, sem necessitar de comprovaçÔes" sĂł surgiu na metade do sĂ©culo XIV.
Por sua vez o adjetivo "cientĂfico" advĂ©m do latim "scientia", comumente definida como um sistema organizado de conhecimentos, obtidos pela comprovação de observaçÔes empĂricas de leis naturais, hipĂłteses ou modelos matemĂĄticos, fĂsicos ou biolĂłgicos. Para tal, faz-se necessĂĄria a sua certificação, atravĂ©s de experimentos reproduzĂveis, por pessoal especializado, preferencialmente em laboratĂłrios.
A ciĂȘncia tem, pela prĂłpria essĂȘncia do mĂ©todo, a necessidade da medida ou regra. JĂĄ a fĂ© nĂŁo Ă© cumulativa pelos avanços da ciĂȘncia. NĂŁo se pode dizer que Madre Tereza de CalcutĂĄ ou Martin Luther King tenham sido pessoas com maior fĂ© que AbraĂŁo, simplesmente por terem vivido numa Ă©poca em que o conhecimento cientĂfico era mais desenvolvido. Ă tolice querer qualificar ou desqualificar uma crença, baseada exclusivamente em fĂ©, atravĂ©s da ciĂȘncia.
MistĂ©rios existem e vĂŁo existir sempre. Deus Ă© mistĂ©rio e nĂŁo serĂŁo anĂĄlises fĂsico-quĂmicas que farĂŁo alguĂ©m acreditar ou nĂŁo Nele. Portanto, melhor seria parar de utilizar argumentos cientĂficos para "provar" ou desmistificar crenças fundadas em fĂ©.
Talvez seja a liberalidade no emprego do adjetivo umas das causas da pouca seriedade com a qual o exercĂcio e os profissionais da ciĂȘncia sĂŁo tratados no nosso paĂs.
Paulo Gazzinelli - Fonte: O Tempo - 04/09/08.
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