PENSANDO NA CONVERVAĂĂO
20/11/2010 -
PENSE!
JANE GOODALL - 50 ANOS EM GOMBE
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The institute:
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Em 1960, uma jovem intrĂ©pida e sem educação cientĂfica montou acampamento para observar chimpanzĂ©s na Reserva de Caça Gombe Stream, na Tanganica, atual TanzĂąnia. Hoje o nome de Jane Goodall Ă© sinĂŽnimo de conservação, e inspira um dos mais longos e pormenorizados estudos de uma espĂ©cie na natureza.
Na manhĂŁ de 14 de julho de 1960, ela chegou a uma praia pedregosa na costa leste do lago Tanganica. Foram seus primeiros passos na entĂŁo chamada Reserva de Caça Gombe Stream, uma pequena ĂĄrea protegida que o governo colonial britĂąnico havia demarcado nos idos de 1943. Trazia uma barraca, pratos de flandres, uma caneca sem asa, um binĂłculo tosco, um cozinheiro africano chamado Dominic, e - como acompanhante, por insistĂȘncia de pessoas que temiam por sua segurança na selva da Tanganica prĂ©-independente - sua mĂŁe. Vinha estudar os chimpanzĂ©s. Ou pelo menos tentar. Quem nĂŁo a conhecia bem apostava em seu fracasso. Mas uma pessoa, o paleontĂłlogo Louis Leakey, que a recrutara para a tarefa em NairĂłbi, acreditava que ela podia ter ĂȘxito.
Um grupo de moradores acampados na praia perto de redes de pesca recebeu os recĂ©m-chegados e os ajudou a descarregar o equipamento. Por volta das 5 da tarde, alguĂ©m anunciou ter visto um chimpanzĂ©. "LĂĄ fomos nĂłs", escreveu Jane depois em seu diĂĄrio. Foi sĂł um vislumbre distante, vago. "Ele se afastou quando alcançamos o bando de pescadores que o fitava. Escalamos a encosta, mas nĂŁo o vimos mais." Apesar disso, ela registrou um amontoado de ramos curvados e amassados numa ĂĄrvore prĂłxima: um ninho de chimpanzĂ©. Esse dado, o primeiro ninho, foi o ponto de partida de uma saga, ainda em andamento e completando agora 50 anos, que viria a ser uma das mais importantes da biologia moderna: o contĂnuo e minucioso estudo do comportamento dos chimpanzĂ©s de Gombe, empreendido por Jane Goodall e outros.
A histĂłria da ciĂȘncia registra alguns dos grandes momentos e detalhes icĂŽnicos dessa saga, fascinante como um conto de fada. A jovem senhorita Goodall nĂŁo tinha credenciais cientĂficas quando começou nem ao menos diploma universitĂĄrio. Era uma brilhante e motivada inglesa, formada em secretariado, que sempre amara os animais e sonhava em estudĂĄ-los na Ăfrica. Provinha de uma famĂlia de mulheres fortes, pouco dinheiro e homens ausentes. Suas primeiras semanas em Gombe foram atribuladas, tateando Ă procura de uma metodologia, perdendo tempo por causa de uma febre que provavelmente era malĂĄria, caminhando muitos quilĂŽmetros pela selva montanhosa e avistando poucos chimpanzĂ©s. Finalmente, um macho idoso, de barbicha grisalha, deu-lhe uma chance - fez um hesitante e surpreendente gesto de confiança. Jane batizou-o de David Greybeard (David, o Barba Grisalha). Em parte graças a ele, Jane fez trĂȘs observaçÔes que abalaram as confortĂĄveis certezas da antropologia fĂsica: chimpanzĂ©s comem carne (presumia-se que fossem vegetarianos), usam ferramentas (talos de planta para pescar cupim no ninho) e as fabricam (removendo as folhas do caule), sendo esta Ășltima uma caracterĂstica supostamente Ășnica da premeditação humana. Foi um avanço enorme na pesquisa cientĂfica: cada uma dessas descobertas reduziu ainda mais a diferença percebida entre a inteligĂȘncia e a cultura do Homo sapiens e do Pan troglodytes.
A observação sobre a confecção de ferramentas era a mais revolucionĂĄria das trĂȘs e causou furor entre os antropĂłlogos, pois uma definição quase canĂŽnica da nossa espĂ©cie era "homem, o fabricante de ferramentas". Louis Leakey vibrou com a notĂcia de Jane e escreveu a ela: "Agora vamos ter de redefinir âferramentaâ, redefinir âhomemâ ou aceitar os chimpanzĂ©s como seres humanos". Essa frase memorĂĄvel marcou uma nova fase, fundamental em nossa concepção, do que constitui a essĂȘncia humana. Outro aspecto interessante a lembrar Ă© que essas trĂȘs descobertas mais celebradas, independentemente de trazerem mudanças de paradigmas, foram todas feitas por Jane durante seus quatro primeiros meses em campo. Ela decolou rĂĄpido.
O mais extraordinĂĄrio em Gombe, porĂ©m, nĂŁo Ă© o fato de Jane Goodall ter "redefinido" a espĂ©cie humana, e sim ter instituĂdo um novo padrĂŁo, muito superior, ao estudo do comportamento de grandes primatas na natureza: a ĂȘnfase nas caracterĂsticas individuais tanto quanto nas coletivas. Jane criou um programa de estudo, um conjunto de protocolos e princĂpios Ă©ticos, um foco intelectual - na prĂĄtica, ela estabeleceu uma relação entre o mundo cientĂfico e uma comunidade de chimpanzĂ©s. O projeto Gombe ampliou-se em muitas dimensĂ”es, atravessou crises, evoluiu em função de objetivos que nem ela nem Louis Leakey haviam antevisto e por fim adotou mĂ©todos (mapeamento por satĂ©lite, endocrinologia, genĂ©tica molecular) e abordou questĂ”es que nos levam muito alĂ©m do campo do comportamento animal. Por exemplo: tĂ©cnicas de anĂĄlise molecular, aplicadas a amostras de fezes e urina que podem ser coletadas sem a necessidade de capturar e manusear os animais, trazem revelaçÔes sobre as relaçÔes genĂ©ticas entre os chimpanzĂ©s e a presença de germes patogĂȘnicos em alguns deles. Uma dilacerante ironia, contudo, ronda o coração desse triunfo da ciĂȘncia em seu cinquentenĂĄrio: quanto mais aprendemos sobre os chimpanzĂ©s de Gombe, mais razĂ”es temos para nos preocupar com sua sobrevivĂȘncia.
Duas revelaçÔes nos Ășltimos tempos, em especial, sĂŁo inquietantes. Uma envolve a geografia; a outra, doenças. A mais querida e mais bem estudada população de chimpanzĂ©s do planeta estĂĄ isolada em uma ilha de hĂĄbitat que Ă© pequena demais para sua viabilidade no longo prazo. E, pior, agora parece que uma versĂŁo sĂmia da aids estĂĄ matando alguns dos primatas de Gombe.
A questĂŁo do mĂ©todo de estudo dos chimpanzĂ©s e do que se pode inferir das observaçÔes de seu comportamento absorve Jane desde o inĂcio da carreira. Começou a ganhar foco depois de sua primeira temporada em campo, quando Louis Leakey lhe anunciou sua prĂłxima ideia brilhante: conseguir para Jane admissĂŁo em um programa de PhD em etologia na Universidade de Cambridge.
O doutorado parecia despropositado em dois sentidos. Primeiro, Jane nĂŁo tinha diploma universitĂĄrio. Segundo, ela sempre desejara ser naturalista ou talvez jornalista - jamais cientista. "Eu nem sabia o que era etologia", me disse Jane pouco tempo atrĂĄs. "Demorou atĂ© eu descobrir que significava simplesmente o estudo do comportamento." Aceita em Cambridge, ela viu-se em conflito com as certezas entĂŁo prevalecentes em sua ĂĄrea de estudo. "Fiquei chocada quando me disseram que eu tinha feito tudo errado. Tudo." Jane jĂĄ tinha 15 meses de dados de campo, a maior parte coletada Ă custa de paciente observação de indivĂduos que ela conhecia pelos apelidos, como David Greybeard, Mike, Olly e Fifi. Essa personificação foi malvista em Cambridge; atribuir individualidade e emoção a animais nĂŁo humanos era antropomorfismo, nĂŁo etologia. "Lembrei-me de meu primeiro professor na infĂąncia, que me ensinou que isso nĂŁo era verdade", conta ela. Seu primeiro professor fora seu cachorro, Rusty. "Ă impossĂvel compartilhar a vida de modo significativo com qualquer tipo de animal dotado de cĂ©rebro razoavelmente bem desenvolvido e deixar de perceber que eles tĂȘm personalidade." Ela transgrediu a visĂŁo predominante - transgredir Ă© uma caracterĂstica de Jane - e, em 9 de fevereiro de 1966, tornou-se doutora Jane Goodall.
Em 1968, a reserva de caça tambĂ©m se graduou, tornando-se o Parque Nacional Gombe, na TanzĂąnia. Na Ă©poca, Jane recebia subvenção da National Geographic Society. Era esposa, mĂŁe e famosa, graças em parte a seus artigos para a revista e a sua bela presença em um filme para televisĂŁo, Miss Goodall and the Wild Chimpanzees. Para conseguir verba e dar continuidade a seu acampamento em Gombe, ela o transformou em uma instituição, o Centro de Pesquisa Gombe Stream (GSRC, na sigla em inglĂȘs). No inĂcio dos anos 1970, ela começou a receber pesquisadores - estudantes e pĂłs-graduados - para ajudĂĄ-la na coleta de dados dos chimpanzĂ©s e em outros estudos em Gombe. Sua influĂȘncia sobre a primatologia moderna, trombeteada aos quatro ventos por Leakey, Ă© mais discretamente indicada pela longa lista de ex-alunos de Gombe que mais tarde se destacaram nos meios cientĂficos, entre eles Richard Wrangham, Caroline Tutin, Craig Packer, Tim Clutton-Brock, Geza Teleki, William McGrew, Anthony Collins, Shadrack Kamenya, Jim Moore e Anne Pusey. Esta Ășltima, hoje titular na cĂĄtedra de antropologia evolucionĂĄria da Universidade Duke, Ă© tambĂ©m diretora do Centro de Estudos de Primatas do Instituto Jane Goodall (fundado em 1977). Uma de suas tarefas Ă© zelar pelos 22 abarrotados arquivos de dados de campo - cadernos, pĂĄginas de diĂĄrios e listas de verificação, alguns em inglĂȘs, outros em suaĂli -, produto de 50 anos de estudos de campo em Gombe.
Essa jornada de cinco dĂ©cadas sofreu uma traumatizante interrupção. Na noite de 19 de maio de 1975, trĂȘs jovens americanos e uma holandesa foram sequestrados por soldados rebeldes que haviam atravessado o lago Tanganica vindos do Zaire. Os quatro refĂ©ns acabaram sendo libertados, mas jĂĄ nĂŁo parecia prudente o Centro de Pesquisa Gombe Stream receber pesquisadores estrangeiros - como Anthony Collins me explicou.
Collins era na Ă©poca um jovem biĂłlogo britĂąnico interessado em babuĂnos, a outra espĂ©cie de primata na berlinda em Gombe. AlĂ©m de seus estudos, hĂĄ quase 40 anos ele continua a exercer funçÔes administrativas no Instituto Jane Goodall e no prĂłprio GSRC. Collins recorda aquele 19 de maio de 1975 como "o dia em que o mundo mudou, no que diz respeito a Gombe". Os pesquisadores estrangeiros nĂŁo puderam mais trabalhar em Gombe; a prĂłpria Jane precisou de uma escolta militar durante alguns anos. "O lado positivo foi que a responsabilidade pela coleta de dados passou diretamente, no dia seguinte, aos pesquisadores tanzanianos", diz ele. Cada um deles havia recebido no mĂnimo um ano de treinamento em coleta de dados, mas ainda trabalhavam, em parte, como rastreadores: ajudavam a localizar os chimpanzĂ©s, identificar plantas e garantir que os mzungu (brancos) voltassem em segurança ao acampamento antes de escurecer. Depois do sequestro, os tanzanianos deram um passo Ă frente "e o bastĂŁo foi passado a eles", diz Collins. Hoje o chefe dos pesquisadores de chimpanzĂ©s em Gombe Ă© Gabo Paulo, que supervisiona as observaçÔes de campo e a coleta de dados, feitas por Methodi Vyampi, Magombe Yahaya, Amri Yahaya e outros 20 tanzanianos.
Conflitos humanos que transbordavam dos paĂses vizinhos nĂŁo foram as Ășnicas calamidades que afetaram Gombe. A polĂtica dos chimpanzĂ©s tambĂ©m teve suas violĂȘncias. A partir de 1974, a comunidade Kasekela (principal alvo dos estudos em Gombe) desferiu uma sĂ©rie de ataques sangrentos contra um subgrupo menor, batizado de Kahama. Esse perĂodo de agressĂ”es, conhecido nos anais de Gombe como Guerra dos Quatro Anos, causou a morte de alguns indivĂduos, a aniquilação do subgrupo Kahama e a anexação de seu territĂłrio pelos kasekelas. Enquanto as lutas entre machos pela posição alfa sĂŁo polĂticas e fĂsicas, entre as fĂȘmeas foram registrados casos de mĂŁes que mataram o bebĂȘ de uma rival. "Quando cheguei a Gombe", escreveu Jane, "pensava que os chimpanzĂ©s fossem mais gentis que nĂłs. O tempo me desenganou. Eles podem ser tĂŁo terrĂveis quanto os seres humanos."
Gombe nunca foi um Ă©den. Doenças tambĂ©m causaram estragos. Em 1966 ocorreu um surto de uma molĂ©stia virulenta (provavelmente pĂłlio, contraĂda de seres humanos) e seis chimpanzĂ©s morreram. Outros seis ficaram paralĂticos. Dois anos depois, David Greybeard e mais quatro primatas sumiram, vitimados por algum germe do aparelho respiratĂłrio (influenza? pneumonia bacteriana?). Mais nove chimpanzĂ©s morreram, no começo de 1987, de pneumonia. Esses episĂłdios, que refletem a suscetibilidade dos chimpanzĂ©s a patĂłgenos trazidos pelos seres humanos, ajudam a explicar a grande preocupação dos cientistas de Gombe com o tema das doenças infecciosas.
Essa preocupação aumentou com as mudanças na paisagem fronteiriça do parque. Ao longo de dĂ©cadas, o povo dos vilarejos vizinhos esforçou-se para levar uma vida comum - cortando lenha e plantando nas encostas Ăngremes, queimando o mato durante a estação seca para obter cinza fertilizante. Mas, no começo dos anos 1990, o desmatamento e a erosĂŁo haviam transformado o Parque Nacional Gombe numa ilha ecolĂłgica, cercada em trĂȘs lados pelo impacto humano e no outro pelo lago Tanganica. Nessa ilha viviam apenas uns 100 chimpanzĂ©s. Por todos os critĂ©rios da biologia conservacionista, isso nĂŁo basta para constituir uma população viĂĄvel no longo prazo - nĂŁo garante sua sobrevivĂȘncia contra os efeitos negativos da endogamia nem quando vier o ataque do prĂłximo vĂrus perigoso. Era preciso fazer alguma coisa, Jane concluiu, alĂ©m de continuar o estudo de uma benquista população de grandes primatas que podia estar condenada. E era preciso fazer algo tambĂ©m pelas pessoas, nĂŁo sĂł pelos chimpanzĂ©s.
Em uma cidade prĂłxima, ela conheceu George Struden, um agricultor nascido na Alemanha, e com ele criou o projeto Educação e Reflorestamento da Bacia do Lago Tanganica (Tacare, na sigla em inglĂȘs), cuja primeira iniciativa, em 1995, foi a construção de trĂȘs viveiros em 24 vilarejos. Os objetivos eram reverter o desmatamento das encostas, proteger as vertentes nos povoados e talvez, por fim, religar Gombe a trechos de mata fora do parque, ajudando os moradores a plantar ĂĄrvores. Existe uma pequena população de chimpanzĂ©s em um retalho de floresta chamado Kwitanga, a 16 quilĂŽmetros de Gombe. Uns 80 quilĂŽmetros a sudeste, um ecossistema conhecido como Masito-Ugalla sustenta mais de 500 desses primatas. Se qualquer uma dessas ĂĄreas pudesse ser conectada a Gombe por corredores reflorestados, os chimpanzĂ©s seriam beneficiados com o aumento do fluxo gĂȘnico e das populaçÔes. Por outro lado, poderiam ser prejudicados por doenças contagiosas.
De qualquer Ăąngulo, vencer esse desafio Ă© quase impossĂvel. Com cautela e paciĂȘncia, Jane e sua equipe alcançaram alguns ĂȘxitos alentadores nos aspectos de cooperação da comunidade, diminuição das queimadas e regeneração da floresta natural.
Na segunda manhĂŁ da minha visita a Gombe, em uma trilha nĂŁo muito acima da casa em que Jane viveu de tempos em tempos desde os anos 1970, encontro um grupo de chimpanzĂ©s. Os animais perambulam pela encosta em busca do cafĂ© da manhĂŁ. Eles deslocam-se sobretudo no chĂŁo, mas ocasionalmente sobem em alguma ĂĄrvore do gĂȘnero Vitex para comer frutinhas roxas. Parecem indiferentes Ă minha presença e a dos pesquisadores tanzanianos. Entre eles hĂĄ alguns indivĂduos cujos nomes, ou pelo menos a histĂłria familiar, sĂŁo conhecidos. LĂĄ estĂŁo Gremlin (filha de Melissa, que era uma jovem fĂȘmea quando Jane chegou), Gaia, filha de Gremlin (com um bebĂȘ agarrado ao pelo), Golden, irmĂŁ mais nova de Gaia, Pax (filho do famigerado canibal Passion) e Fudge (filho de Fanni, neto de Fifi, bisneto de Flo, a querida matriarca de nariz feioso, famosa por figurar nos primeiros livros de Jane). LĂĄ estĂĄ tambĂ©m Titan, um macho de 15 anos, grandalhĂŁo. As regras do Parque Nacional Gombe mandam que nĂŁo nos aproximemos de nenhum chimpanzĂ©, mas em geral o difĂcil Ă© impedir que eles se aproximem de nĂłs. Quando o robusto Titan vem andando todo confiante pela trilha em nossa direção, nos esprememos nas laterais e deixamos que o fanfarrĂŁo passe a centĂmetros de nĂłs. Depois de toda uma vida de familiaridade com pesquisadores humanos inofensivos munidos de cadernos e folhas de verificação, nossa presença lhe causa o maior tĂ©dio.
Outro reflexo da despreocupação deles: Gremlin defeca na trilha nĂŁo muito longe de nĂłs, e depois Golden faz o mesmo. Quando eles se afastam, um pesquisador chamado Samson Shadrack Pindu calça luvas amarelas de lĂĄtex, pega uma pequena pĂĄ de plĂĄstico e vai atĂ© o local. Agacha-se, recolhe um bocado do excremento esverdeado e fibroso de Gremlin e o transfere para um tubo de amostra. Registra nele a hora, a data, o local e o nome de Gremlin. O tubo contĂ©m um lĂquido estabilizador chamado RNAlater, que preserva qualquer RNA (por exemplo, o de um retrovĂrus) para anĂĄlises genĂ©ticas posteriores. Esse tubo, e outros como ele, representando uma amostra fecal mensal do maior nĂșmero possĂvel de chimpanzĂ©s, irĂĄ para o laboratĂłrio de Beatrice Hahn na Universidade do Alabama em Birmingham. HĂĄ dez anos ela estuda o vĂrus da imunodeficiĂȘncia sĂmia em Gombe.
O vĂrus da imunodeficiĂȘncia sĂmia dos chimpanzĂ©s, tecnicamente conhecido como SIVcpz, Ă© o precursor e a origem do HIV-1, o vĂrus responsĂĄvel pela maioria dos casos de aids no mundo (hĂĄ tambĂ©m o HIV-2). Apesar do nome, nunca fora constatado que o SIVcpz houvesse causado danos ao sistema imunolĂłgico de chimpanzĂ©s selvagens, atĂ© que os conhecimentos de genĂ©tica molecular da doutora Beatrice encontraram os dados de observaçÔes de longos perĂodos em Gombe. Pensava-se que o SIVcpz fosse inĂłcuo aos chimpanzĂ©s, e essa suposição levara Ă questĂŁo de como ou por que ele causava uma pandemia letal entre os seres humanos. SerĂĄ que umas poucas mutaçÔes fatĂdicas teriam transformado um inofensivo vĂrus de chimpanzĂ© em assassino de seres humanos? Essa perspectiva teve de mudar depois da publicação de um artigo na revista Nature em 2009. Seu principal autor Ă© Brandon F. Keele (que na Ă©poca trabalhava no laboratĂłrio de Beatrice) e entre os coautores estĂŁo Beatrice Hahn e Jane Goodall. O artigo de Keele informava que chimpanzĂ©s SIV-positivos em Gombe apresentavam entre dez e 16 vezes mais risco de morte em determinada idade que os chimpanzĂ©s SIV-negativos. E trĂȘs carcaças de chimpanzes SIV-positivos tiveram seus tecidos examinados (em laboratĂłrio, em nĂvel molecular) e mostraram sinais de danos anĂĄlogos aos da aids. Ou seja: uma doença semelhante Ă aids parece estar matando os chimpanzĂ©s de Gombe.
De todos os laços, caracterĂsticas em comum e semelhanças que ligam nossa espĂ©cie Ă deles, essa revelação talvez seja a mais inquietante. "Ă assustador saber que os chimpanzĂ©s parecem estar morrendo mais cedo", me diz Jane. "HĂĄ quanto tempo isso estĂĄ ocorrendo? De onde vem? Como afeta outras populaçÔes?" Pelo bem da sobrevivĂȘncia dos chimpanzĂ©s de toda a Ăfrica, essas questĂ”es demandam estudos urgentes.
Essa funesta descoberta tambĂ©m pode ser imensamente importante Ă pesquisa da aids em seres humanos. Anthony Collins ressalta que, embora o SIV seja encontrado em comunidades de chimpanzĂ©s de outras ĂĄreas, "nenhuma delas Ă© uma população em estudo, habituada a observadores humanos, e nenhuma nos deu informaçÔes genealĂłgicas ininterruptas por tanto tempo nem Ă© tĂŁo dĂłcil que nos permita obter amostras de cada indivĂduo todo mĂȘs". E acrescenta: "Ă muito triste que o vĂrus esteja aqui, mas isso pode nos trazer conhecimento. E compreensĂŁo".
Os avançados mĂ©todos da genĂ©tica molecular trazem mais que medonhas revelaçÔes sobre doenças. Eles tambĂ©m nos dĂŁo a empolgante capacidade de investigar alguns antigos mistĂ©rios sobre a dinĂąmica social e a evolução dos chimpanzĂ©s. Por exemplo: quem sĂŁo os pais em Gombe? A maternidade Ă© Ăłbvia, e as Ăntimas relaçÔes entre mĂŁes e bebĂȘs foram bem estudadas pela prĂłpria Jane, alĂ©m de Anne Pusey e outros. Mas, como as fĂȘmeas tendem a se acasalar promiscuamente com vĂĄrios machos, Ă© bem mais difĂcil determinar a paternidade. E a questĂŁo de identidade paterna relaciona-se a outra: como a competição entre os machos por status na hierarquia - toda aquela espalhafatosa demonstração de valentia para obter e manter a posição de macho alfa - se correlaciona com o ĂȘxito reprodutivo? Uma jovem cientista, Emily Wroblewski, analisou o DNA de amostras fecais coletadas pela equipe de campo e chegou a uma resposta. Ela concluiu que os machos de posição mais elevada realmente tĂȘm mais filhos - mas os machos subalternos tambĂ©m nĂŁo se saem nada mal. A estratĂ©gia consiste em investir na relação: passar um perĂodo exclusivo como casal, viajar na companhia da fĂȘmea e acasalar-se - o mais das vezes com uma fĂȘmea das mais jovens, que sĂŁo menos desejĂĄveis.
Jane previra essa conclusĂŁo duas dĂ©cadas antes, com base em dados de observação. "O macho que consegue iniciar e manter uma relação de parceria com uma fĂȘmea fĂ©rtil", escreveu ela, "provavelmente tem mais chance de ser pai do filho dela do que teria na situação grupal, mesmo se ele fosse o alfa."
Imperativos maiores impeliram Jane a encerrar sua carreira como biĂłloga de campo em 1986. Desde entĂŁo, ela atua como defensora e conferencista itinerante, uma mulher movida por um sentimento de missĂŁo pĂșblica. Que missĂŁo? Sua primeira causa, nascida de seus anos em Gombe, foi melhorar o pĂ©ssimo tratamento infligido aos chimpanzĂ©s mantidos em laboratĂłrios de pesquisas mĂ©dicas. Combinando firmeza e indignação moral com sua simpatia e disposição para interagir com afabilidade, ela conseguiu alguns acordos favorĂĄveis. TambĂ©m fundou santuĂĄrios para chimpanzĂ©s que podem ser libertados do cativeiro, entre eles muitos ĂłrfĂŁos que perderam a mĂŁe para a caça. Esse trabalho despertou sua preocupação com a conduta humana em relação a outras espĂ©cies. Ela criou um programa que incentiva jovens do mundo todo a militar em projetos para despertar o interesse pelos animais, o meio ambiente e a comunidade humana. Durante esse perĂodo, ela tornou-se exploradora associada da National Geographic Society. Atualmente, passa cerca de 300 dias por ano na estrada, dando inĂșmeras entrevistas e palestras em escolas, fazendo conferĂȘncias, conversando com autoridades, angariando fundos para mover as engrenagens do Instituto Jane Goodall. De vez em quando foge para alguma floresta ou pradaria, talvez com alguns amigos, para observar chimpanzĂ©s, grous-canadenses ou furĂ”es, e restaurar sua energia e sanidade.
Cinquenta anos atrĂĄs, Louis Leakey mandou-a estudar os chimpanzĂ©s, por achar que o comportamento deles poderia lançar alguma luz sobre os ancestrais humanos, seu tema de estudo. Jane desconsiderou essa parte da incumbĂȘncia e estudou os chimpanzĂ©s por si mesmos, pelo interesse que eles mereciam, por seu valor. Ao longo do caminho, criou instituiçÔes e oportunidades que frutificaram no trabalho de outros cientistas, e foi um luminoso exemplo pessoal que atraiu jovens Ă ciĂȘncia e ao conservacionismo. Vale lembrar que o significado de Gombe, depois de meio sĂ©culo, Ă© maior que a vida e o trabalho de Jane Goodall. Mas nĂŁo se engane: a vida e o trabalho dela foram grandiosos.
Por David Quammen - Fonte: National Geographic - NĂșmero 128.
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NUNCA FIZ AMIGOS EM LEITERIA
Apreciadores de um happy hour etĂlico sĂŁo melhores nos negĂłcios, melhores pais, melhores amantes. Inclusive, estĂĄ provado que o mesmo happy hour Ă© o melhor lugar para arrumar emprego ou trocar de trabalho. No mais, as mĂĄximas comprovam: "A humanidade estĂĄ trĂȘs doses em atraso". E Humphrey Bogart confirmava: "NĂŁo confie em quem nĂŁo bebe".
Paulo Navarro (www.pnc.com.br/) - Fonte: O Tempo - 18/11/10.
REZANDO PRA XANGĂ, O ENEM DE 2011 IRĂ BEM
Nosso Guia disse bem a respeito da catĂĄstrofe do Enem: "Se for necessĂĄrio fazer uma prova, faremos. Se for necessĂĄrio fazer duas, faremos. Se for necessĂĄrio fazer trĂȘs, faremos, mas o Enem continuarĂĄ a ser fortalecido".
No seu sentido literal, Lula fez mais uma bravata. O Inep e seus educatecas nĂŁo tĂȘm capacitação para organizar uma prova, muito menos trĂȘs.
Para fortalecer o Enem, a doutora Dilma precisa aprender a lição: um MEC de burocratas-companheiros que mandam "A" fazer uma coisa, sabendo que disso resultarå uma ordem para "B" e outra para "C", só produzirå novos desastres.
O MEC comprou a aposta do fracasso em abril do ano passado, um mĂȘs depois de lançar o Enem/Vestibular, quando anunciou que sĂł realizaria uma prova. Prometera duas. Os educatecas sabiam que com isso mantinham os estudantes sob a velha tensĂŁo do vestibular. Se as provas fossem duas, a tensĂŁo seria diluĂda. Esqueceram-se de que concentravam a probabilidade do prĂłprio fracasso.
Ă Ă©poca, disseram que em 2010 as provas seriam duas. Recuaram e repetiram o erro.
Para apressar a prova de 2009, o Inep reduziu todos os prazos de elaboração e impressão das provas. Neste ano, apressaram o treinamento dos fiscais.
Em maio do ano passado, o MEC disse que a PolĂcia Federal cuidaria a segurança do exame. Isso foi feito Ă la educateca: O Inep mandou um ofĂcio Ă PF, recebeu de volta outro, informando que ela nĂŁo estava capacitada nem autorizada para a tarefa. Em vez de ligar o alarme, arquivaram o ofĂcio da PF.
Nenhum dos dois exames naufragou por conta de orientaçÔes pedagĂłgicas. Todas as ruĂnas decorreram de erros logĂsticos porque "A" (o MEC) deu uma ordem para "B" (o Inep) que contratou "C" (os consĂłcios Connasel e Cespe/ Cesgranrio) e todos acharam que o assunto estava resolvido.
O erro bĂĄsico de 2009 foi o abandono da segunda prova. Agora, juntaram outro, que continua encravado. A realização da prova em papel Ă© arriscada, megalomanĂaca e anacrĂŽnica.
Se o MEC e o Inep começarem a trabalhar amanhĂŁ, em 2011 poderĂŁo ser realizados no mĂnimo dois exames, on-line. Basta copiar o sistema do exame Toefl americano e expandir o banco de questĂ”es de 10 mil para, no mĂnimo, 100 mil.
Para isso, serå necessårio seguir a "oração pra XangÎ" proposta por Carlos Lyra e Vinicius de Moraes:
"Pra pĂŽr pra trabalhar, gente que nunca trabalhou".
Elio Gaspari - Fonte: Folha de S.Paulo - 14/11/10.
NĂŁo deixem de enviar suas mensagens atravĂ©s do âFale Conoscoâ do site.
http://www.faculdademental.com.br/fale.php