VIVENDO E APRENDENDO A LER...
30/12/2007 -
FORMANDOS & FORMADOS
SETE CLĂSSICOS - LIVROS ENSINAM NAS ENTRELINHAS
Obras universais viram boa referĂȘncia para empresĂĄrios que querem fugir da auto-ajuda.
Aplicar a leitura de um clåssico a uma situação pråtica não é novidade. "A Arte da Guerra", de Sun Tzu, por exemplo, tem sido usado ultimamente à exaustão, para vårios fins.
Mas hĂĄ aqueles que, em vez de ler livros que "traduzam" possĂveis utilidades de clĂĄssicos, preferem os textos originais e, sozinhos, encontram as soluçÔes nas entrelinhas.
à o caso de Adriano Pereira da Silva, 43, ex-sócio de uma editora: "Sou defensor de liçÔes que são passadas por obras que não foram feitas para passar liçÔes. à mais sutil e inteligente".
Sua ligação com a literatura vai além da leitura -estå, atualmente, montando uma biblioteca para crianças carentes.
Ler clåssicos da literatura, destaca Silva, é um bom negócio para empresårios. "Mas é importante "fechar a ponte", conseguir abstrair cenårios, perceber decisÔes mentais que o autor colocou no livro."
Na discussĂŁo do que Ă© clĂĄssico ou nĂŁo, hĂĄ uma leitura que se tornou ela prĂłpria referĂȘncia: "Por que Ler os ClĂĄssicos" (ed. Companhia das Letras, 280 pĂĄgs., R$ 41), de Italo Calvino.
O texto Ă© uma reuniĂŁo de ensaios do autor a respeito de grandes livros da literatura ocidental, com boas sugestĂ”es para quem ainda nĂŁo se familiarizou com os principais tĂtulos.
Para auxiliar o leitor na ĂĄrdua tarefa de começar a ler um clĂĄssico com outros olhos, a Folha escolheu sete livros e apontou neles possĂveis interpretaçÔes por parte do empresĂĄrio.
SĂŁo sugestĂ”es de leitura para o ano de 2008 que, no mĂnimo, provocarĂŁo reflexĂ”es importantes para quem estĂĄ na condução do empreendimento.
Ou nĂŁo, como destaca Calvino em seu livro: "Que nĂŁo se pense que os clĂĄssicos devem ser lidos porque "servem" para algo. A Ășnica razĂŁo que se pode apresentar Ă© que ler os clĂĄssicos Ă© melhor do que nĂŁo os ler".
Diogo Bercito - Fonte: Folha de S.Paulo - 30/12/07.
José Saramago - Ensaio sobre a Cegueira
Apesar de a obra "Ensaio sobre a Cegueira" nĂŁo ser um texto fĂĄcil de ler, o empresĂĄrio que chegar atĂ© a Ășltima pĂĄgina serĂĄ bem recompensado. O livro, escrito pelo portuguĂȘs JosĂ© Saramago e publicado em 1995, traz boas liçÔes sobre liderança.
Saber conduzir as pessoas Ă© caracterĂstica das mais fundamentais para sobreviver na cidade em que sepassa ahistĂłria.
Parte da população contrai repentinamente uma cegueira misteriosa e entĂŁo fica de quarentena forçada em um hospĂcio.
Os soldados de prontidĂŁo do lado de fora vĂŁo garantir que eles nĂŁo saiam e, assim, contaminemos outros cidadĂŁos.
Quanto mais tempo se passa no hospĂcio, mais a situação se complica. A alimentação, a higiene e a moral vĂŁo, pouco a pouco, tornando-se motivo para discussĂ”es e conflitos. JĂĄ que o Estado falha emcuidar desses indivĂduos, eles tĂȘm de aprender a se virar sozinhos.
Ă nesse contexto que alguns dos infectados, quenĂŁo tĂȘm nome, reĂșnem-se em torno da figura da esposa do mĂ©dico. Ela desempenhaopapelde lĂder.
Sua liderança Ă© acidental e se deve principalmente ao fato de que ela Ă© a Ășnica pessoaquenĂŁo estĂĄ cega -implicitamente, uma sugestĂŁo de que o lĂder deve terhabilidades especiais.
Como grupo, as pessoas no hospĂcio conseguem sobreviver dividindo tarefas, solucionando crises e, se preciso, enfrentando grupos concorrentes. Mas a sobrevivĂȘncia se torna mais difĂcil quando eles conseguem deixar o hospĂcio e, chegando ao "mundo exterior", descobremque todos na cidade estĂŁo cegos. As ruas estĂŁo repletas de cadĂĄveres e de lixo, e a ordemsocial, destruĂda.
A obra de Saramago fala, principalmente, sobre valores de humanidade e comomantĂȘlos em situaçÔes adversas.
Mas tambĂ©m Ă© possĂvel aprender, pela leitura, a importĂąncia de ter um bom planejamento e ser um lĂder competente, com o grupo unido.
Ensaio sobre a Cegueira
JOSĂ SARAMAGO
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 42,50 (312 pĂĄgs.)
Por que ler?
A desorganização dos personagens dessa histĂłria era tamanha que sua sobrevivĂȘncia somente se deu por meio de um lĂder _ainda que tenha sidouma liderança acidental.
William Shakespeare - O Mercador de Veneza
A peça "O Mercador de Veneza" foi escrita no perĂodo final do sĂ©culo 16 pelo dramaturgo inglĂȘs William Shakespeare.
A história tem como elemento central um empréstimo feito por AntÎnio, um comerciante veneziano. O personagem pegou emprestados 3.000 ducados do judeu usurårio Shylock para ajudar seu amigo, Bassùnio, aconquistar a bela Pórcia.
O contrato de empréstimo tinha apenas uma condição: se AntÎnio não pagasse a tempo o que devia, Shylock poderia arrancar-lhe uma libra de carne de qualquer parte do corpo.
Imprevistos diversos fazem com que omercador de Veneza nĂŁo consiga honrar a dĂvida e, por isso, Ă© levado a julgamento.
Shylock nĂŁo vĂȘ a hora de poder cumprir a ameaça prometida, arrancando de AntĂŽnio um pedaçoda carne de seu peito.
à quando Pórcia, disfarçada de advogado, interfere -como o contrato diz apenas "carne", ela deve ser retirada sem haver derramamento de sangue.
Por nĂŁo ser possĂvel cumprir essa condição, Shylock desiste do seu plano. Ainda por cima, Ă© acusado de tentativa de homicĂdio e sua propriedade Ă© confiscadapelo tribunal.
A peça, como os demais textos de Shakespeare, fala sobre temas variados em diversos nĂveis. Mas uma das principais liçÔes que podem ser aprendidas tema ver com contratos.
EstĂĄ certo que AntĂŽnio nĂŁo poderia saber que perderia seu dinheiro em alto-mar. Mas era possĂvel ao menos prever as intempĂ©ries, antes de assinar um termo que punha em risco sua prĂłpria vida. Barcos afundavam naquela Ă©poca e continuam afundando hoje -o que faz das dĂvidas contraĂdas algo distante de um porto seguro.
O Mercador de Veneza
WILLIAM SHAKESPEARE
Editora: Ediouro
Quanto: R$ 19,90 (172 pĂĄgs.)
Por que ler?
A partir do exemplo dos personagens da comédia, o leitor pode entender o perigo de não ter precaução ao se envolver com empréstimos e contratos.
Daniel Defoe - Robinson Crusoé
Publicada hĂĄ quase 300 anos, a autobiografia ficcional "Robinson CrusoĂ©", de Daniel Defoe, Ă© uma aula de persistĂȘncia.
O protagonista, que dĂĄ nome ao livro, passa por todo tipo de desventura -primeiro, o barco que navega Ă© pego por uma tempestade e naufraga.
Depois, quando consegue retornar ao seu paĂs, a Inglaterra, decide tentar novamente os mares e Ă© capturado por piratas, que fazem dele e do restante datripulação prisioneiros.
CrusoĂ© escapa e Ă© encontrado por um navio portuguĂȘs cujo destino Ă© o Brasil-onde se tornado no de uma fazenda.
Ă convidado, entĂŁo, a participar de uma expedição Ă Ăfrica.
De novo, seu navio encontra uma tempestade e afunda.
Toda a tripulação se afoga, exceto Crusoé,que chega auma ilhana foz do rio Orinoco.
O protagonista passa a viver em uma caverna e, com sua perseverança, encontra os meios para sobreviver.
O empreendedor faz um calendårio de madeira, aprende a caçar, cultiva uma plantação de milho, descobre a técnicada cerùmica, cria cabras -e, para lidar com a solidão angustiante, ensinaumpapagaio a falar.
Suas aventuras na ilha duram 28 anos. Nesse tempo, encontra nativos canibais, nĂĄufragos espanhĂłis e, finalmente, Ă© resgatado por um navio inglĂȘs.
A narrativa de Defoe leva o leitor a seperguntar setambém sobreviveria, caso se encontrasse na pele do protagonista.
NĂŁo fosse sua capacidade de lidar com situaçÔes extremadas, habilidade essencial a micro e pequenos empresĂĄrios, provavelmente CrusoĂ© nĂŁo teria resistido Ă vida longe dos confortos do convĂvio social.
Robinson Crusoé
DANIEL DEFOE
Editora: Record
Quanto: R$ 50 (447 pĂĄgs.)
Por que ler?
Ninguém melhor do que Robinson Crusoé para dar liçÔes de como se virarem situaçÔes de dificuldade extrema. Sozinho emuma ilha selvagem, o nåufrago aprendeu desde fazer ferramentas até criar cabras.
Ernest Hemingway - O Velho e o Mar
Se fosse preciso escolher um adjetivo para descrever Santiago, velho pescador cubano, persistente seria a melhor opção.
O protagonista de "O Velho e o Mar" encontra uma maré de azar na pesca. Hå 84 dias não traz um peixe sequer do mar.
Mas não desiste -quando deixa o porto de Havana rumo ao alto-mar, Santiago até sente que é seu dia de sorte. E é.
Um marlim, o maior que o velho jå pescou em sua vida, fica preso no anzol e começa a puxar a linha freneticamente.
Abatalha dura dois dias. Santiago, mesmo cansado, nĂŁo desiste.
Chega a se referir com carinho ao peixe, como se fossem parceirosemvezde inimigos.
No terceiro dia, o marlim se rende e Ă© abatido pelo arpĂŁo do pescador -que, feliz com a vitĂłria, parte de volta para Cuba.
A peleja, porĂ©m, nĂŁo termina. Santiago ainda enfrenta os tubarĂ”es que vĂȘm a trĂĄs do peixe.
Os esforços que o pescador faz durante o livro são impressionantes, principalmente porque desistir não é uma opção.
O ĂĄpice do desespero do velho -lutar contra um tubarĂŁo- dĂĄ a dimensĂŁo da importĂąncia daquela pesca para Santiago.
Mais importante que a oposição entre vitĂłria e derrota, conflito que marca o fim do livro, estĂĄ a persistĂȘncia, que ainda pode ser vista como teimosia.
O Velho e o Mar
ERNEST HEMINGWAY
Editora: Bertrand Brasil
Quanto: R$ 31 (110 pĂĄgs.)
Por que ler?
A literatura estĂĄ repleta de liçÔes sobre persistĂȘncia. Uma das mais bonitas Ă© a histĂłria do velho pescador cubano que nĂŁo consegue desistir do peixe que quer pescar.
Erico Verissimo - Tempo e o Vento
O "Tempo e o Vento" é um daqueles romances que, além de terem papel fundamental na história da literatura, deixam marca indelével no leitor.
Talvez a razĂŁo seja nĂŁo sĂł o talento de Erico Verissimo mas tambĂ©m o tamanho da obra: sĂŁo trĂȘs volumes ("O Continente"," O Retrato" e "O ArquipĂ©lago") que, de tĂŁo extensos, Ă s vezes sĂŁo divididos em sete.
A trilogia narra a histĂłria do Estado do Rio Grande do Sul entre 1680 e 1945, e seu personagem principal nĂŁo Ă© um indivĂduo, mas uma famĂlia-a Terra-CambarĂĄ, que passa a existir com o casamento de Bibiana Terra com Rodrigo CambarĂĄ.
O livro constantemente volta ao "mito fundador" da famĂlia -o romance entre Ana Terra e o Ăndio Pedro Missioneiro.
Tudo o que os seus descendentes constroem ou conquistam parece fazer parte de uma unidade, que gira emtorno deuma "dinastia"comuma todos.
Dessa maneira, o trabalho acaba configurando-se em uma forma de legar alguma coisa para o prĂłximo, mais do que simplesmente enriquecer ou tornar- se poderoso e influente.
Durante a leitura, o empresĂĄrio tende a se fazer duas perguntas.
Em primeiro lugar: "De onde veio o que eu tenho?" Em segundo:"Para onde vai?"
O Tempo e o Vento, parte 1: O Continente 1
ERICO VERISSIMO
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 51 (400 pĂĄgs.)
Por que ler?
O livro, ao prestar homenagem a uma famĂlia fictĂcia, levantauma questĂŁo importante: afinal de contas, qual Ă© a importĂąncia de o empresĂĄrio deixar um legado? ReflexĂŁo a empresas familiares.
Nicolau Maquiavel - O PrĂncipe
Mais do que um livro, o texto, publicado em 1532 em Florença, foi na Ă©poca umtratado polĂtico repleto de opiniĂ”es extremas a respeito de como um prĂncipe deveria governar.
Em "O PrĂncipe", Maquiavel dirige-se ao leitor principal, o prĂncipe Lorenzo 2Âș de MĂ©dici, e faz diversas reflexĂ”es a respeito do poder: como conseguilo, aumentĂĄ-lo emantĂȘ-lo.
Segundo o livro, o valor mĂĄximoa ser defendido pelo prĂncipe Ă© a estabilidade. Qualquer medida tomada para manter o principado estĂĄvel Ă© justificĂĄvel -e o prĂncipe deve estar pronto para fazer o que for preciso.
Se for necessĂĄrio escolher entre ser amado e temido, serĂĄ melhor o segundo -soldados sĂłsĂŁo leaisaogeneral temido. Lealdade, aliĂĄs, Ă© uma qualidade que o prĂncipe deve buscar nos seus sĂșditos. Forças mercenĂĄrias -ou seja, as contratadas para lutar- devem ser evitadas, pois nĂŁo tĂȘm motivos para serem leais, por exemplo. Durante a leitura, recomenda- se que o empresĂĄrio faça as devidas adaptaçÔes. Na Europa do sĂ©culo 16, o temor era um bom incentivo; hoje, no mercado globalizado, talvez nĂŁo mais.
A lição, portanto, é sobre a importùncia de entender o incentivo e agir sobre ele -independentemente de qual seja.
O PrĂncipe
NICOLAU MAQUIAVEL
Editora: Martins Fontes
Quanto: R$ 23,70 (182 pĂĄgs.)
Por que ler?
Escrito para ensinar prĂncipes a governar, o livro traz reflexĂ”es Ășteis tambĂ©maos proprietĂĄrios de pequenos negĂłcios -a maioria delas sobre como lidar como poder.
Choderlos de Laclos - As RelaçÔes Perigosas
Na França do final do sĂ©culo 18, a aristocracia encontrava-se no pinĂĄculo de sua decadĂȘncia.
Logo a revolução estouraria, levando a burguesia ao poder -e os nobres à forca.
Mas, enquanto isso não acontecia, os personagens do romance "As RelaçÔes Perigosas", publicado em 1782, divertiam-se com jogos cruéis.
O livro Ă© uma reuniĂŁo de cartas trocadas entre alguns dos personagens da trama, sobretudo os protagonistas, a marquesa de Merteuil e o visconde de Valmont, ex-amantes.
Nelas estĂŁo registradas todas as tramĂłias da dupla. E nĂŁo sĂŁo poucas, a maioria com resultados funestos-como a morte de madame de Tourvel e a reclusĂŁo de CĂ©cile de Volange.
No fim do livro, essas correspondĂȘncias, porĂ©m, deixam de ser apenas registro e se tornam arma perigosa. Para vingar-se da marquesa, o visconde faz circularem por Paris duas delas. Ă o fim imediato de sua boa reputação- e fim tambĂ©m do livro.
AlĂ©m de um excelente texto com descriçÔes impressionantes da maldade humana, "As RelaçÔes Perigosas" Ă© exemplo de que todo o cuidado Ă© necessĂĄrio para manter a imagem construĂda ao longo da vida.
Confidencialidade e calculismo sĂŁo aspectos-chavena trama.
As RelaçÔes Perigosas
CHODERLOS DE LACLOS
Editora: Nova Cultural
Quanto: R$ 19,90 (318 pĂĄgs.)
Por que ler?
Problemas de relacionamento dos personagens desse livro nĂŁo passam despercebidos e sĂŁo devidamente punidos, a seu tempo. O descuido com a imagem pĂșblica, como ensina a histĂłria, pode ter sĂ©rias conseqĂŒĂȘncias.
Fonte: Folha de S.Paulo - 30/12/07.
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