DIREITO Ă VIDA???
DIREITO DE FAZER HOMENAGEM
Detentas do presĂdio do Carandiru, em SĂŁo Paulo, fazem homenagem a Isabella pelo Dia das MĂŁes.
Leia mais: http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u399948.shtml
Fonte: Folha Online - 08/05/08.
PALAVRA DA SEMANA: ATA, A MEMĂRIA
A memĂłria escrita de uma reuniĂŁo. Em latim, acta era o plural de actum, que por sua vez veio de agere, "fazer", ou "agir". A ata deveria ser uma lista de açÔes que requerem providĂȘncias, e nĂŁo, como comumente ocorre, um documento para ser arquivado e esquecido.
Max Gehringer - Fonte: Ăpoca - NĂșmero: 520.
ISABELLA, PERDOA-NOS!
Gente adulta pode ser mĂĄ, muito mĂĄ. VocĂȘ, Isabella, soube disso de uma forma muito dura. Esganaram seu pescocinho. Arremessaram seu corpo frĂĄgil do sexto andar do seu apartamento. VocĂȘ deve ter sentido dores terrĂveis. Sofrido os piores minutos de pavor e agonia. AtĂ© que seus olhinhos, mesmo estatelados, deixaram de ver este mundo.
Isabella, pedimos o seu perdĂŁo porque nĂłs, adultos, criamos leis que beneficiam criminosos. A lei brasileira presume a inocĂȘncia de um assassino, mesmo diante de evidencias razoĂĄveis de culpa. PorĂ©m, essa mesma lei nĂŁo vĂȘ a inocĂȘncia de uma criança.
Adultos brasileiros, Isabelinha, tĂȘm o costume de ficar parados, assistindo Ă s crianças morrerem. Com isso, no Brasil, dezesseis vĂtimas infantis sĂŁo assassinadas todos os dias. Criancinhas da sua idade, sĂŁo torturadas, como o menininho JoĂŁo HĂ©lio lĂĄ do Rio de Janeiro e os corpinhos sĂŁo trucidados sem piedade. E o povo brasileiro nĂŁo faz nada.
Os assassinatos de crianças e adolescentes aumentaram 306%, no Brasil, entre 1980 e 2002. Eu sei que vocĂȘ nĂŁo vai entender esses nĂșmeros. VocĂȘ â como toda criança â queria viver, brincar, sorrir, ser feliz. Esse seu direito, o assassino tirou. E agora esse mesmo assassino pode se beneficiar da lei molenga e da preguiça dos brasileiros.
Perdoe, Isabella, este paĂs, que ainda Ă© uma criança, no sentido irresponsĂĄvel da palavra. Ele tambĂ©m nĂŁo cresceu. Em assuntos sĂ©rios, como os homicĂdios de crianças, o Brasil parece brincar com a justiça necessĂĄria ao caso, diante de leis que soam como brincadeira; infelizmente, de pĂ©ssimo gosto. Este paĂs, Isabella, nĂŁo gosta de punir criminosos.
Se vocĂȘ perdoar a complacĂȘncia da lei dos adultos com os criminosos, nĂŁo pense, ainda, que todo adulto Ă© malvado ou dĂĄ de costas para indefesas crianças. Quando o JoĂŁo HĂ©lio morreu, nĂłs â aqui desta cidade que vocĂȘ nunca ouviu falar â sentimos muito. Escrevemos para ele tambĂ©m.
NĂłs nĂŁo tivemos como enviar uma coroa de flores para o seu tĂșmulo, Isabelinha. Mas nĂŁo vamos ficar aqui lamentando, como muitos fazem. Nossa homenagem a vocĂȘ, querida criança, Ă© dizer-lhe que os pequeninos, nesta cidade, nĂŁo estĂŁo abandonados Ă prĂłpria sorte. Nem padecerĂŁo, pela fraqueza da lei diante de atrocidades como a sua.
Estamos em meio a uma grande batalha, Isabella, entre adultos. Para alterar a visĂŁo que o pessoal tem da lei. Responsabilizar criminosos. Cobrar respeito com os mortos, com as vĂtimas. Isso tem custado um bocado, tem sido muito difĂcil. E quando morre uma criança brutalmente, nĂłs ficamos meio sem rumo, porque percebemos que o criminoso sente o cheiro da impunidade se aproximar.
Ainda que desesperançados pela negligĂȘncia da lei e pela cultura dominante de proteção aos criminosos, querĂamos que vocĂȘ, Isabella, soubesse que o seu rostinho aĂ da foto nos fortalece. Enche de amor e dĂĄ sentido Ă nossa vida. Obrigado pelo seu sorriso, ainda que o tenhamos conhecido sĂł pela fotografia. VocĂȘ, linda criança, agora deve descansar em paz. Porque nĂłs â adultos desta cidade que vocĂȘ nĂŁo conhece e, seguramente, muitos brasileiros dispostos a lutar- temos uma guerra pela frente.
Autor do texto: Dr. Evandro Pelarin - Juiz de Direito da 1ÂȘ Vara Criminal e da InfĂąncia e Juventude da Comarca de FernandĂłpolis - SP.
(Colaboração: A.M.B.)
CASO ISABELLA: a dor da falta de sentido
Tentei não ler sobre a morte de Isabella. Também evitei na época os detalhes do assassinato do menino João Hélio - na minha profissão, hå que selecionar horrores. Mas não consegui. Vi o desfecho do caso da menina morta.
A tragĂ©dia nĂŁo Ă© sĂł das vĂtimas, mas nĂłs tambĂ©m sofremos para entender o mal incompreensĂvel. Cresce aos poucos uma pele de rinoceronte em nossa alma; com o coração mais duro, ficamos mais cĂnicos, mais passivos diante da crueldade. Como escreveu Oswaldo Giacoia Jr: "O insuportĂĄvel nĂŁo Ă© sĂł a dor, mas a falta de sentido da dor, mais ainda, a dor da falta de sentido".
Como entender que um pai e uma madrasta possam ter ferido, estrangulado e atirado uma menininha de 5 anos pela janela? Como entender a cara sĂłlida e cĂnica que eles ostentam para fingir inocĂȘncia? Como nĂŁo demonstram sentimento de culpa algum? NinguĂ©m berra? NinguĂ©m chora?
Como podem querer viver depois disso? Como essa famĂlia toda - pais, mĂŁes, irmĂŁos - se une na ocultação de um crime? Como o avĂŽ pĂŽde dizer com a maior cara-de-pau que, "se meu filho fosse culpado, eu o denunciaria"? Que quer esta gente? Preservar o bom nome da famĂlia? Mas, sĂŁo parentes ou cĂșmplices?
Como podem os advogados de defesa posar de gravata, terninho e cara limpa, falando de uma "terceira pessoa"? Sei que eles responderiam: "todos tem direito de defesa...", mas como Ă© que eles tĂȘm estĂŽmago?
A polĂcia deu um show de bola pericial no caso Isabella, mas dĂĄ para sentir que nossa estrutura penal estĂĄ muito defasada, com este espantoso crescimento da barbĂĄrie. Como se pode tolerar que um sujeito que foi condenado na semana passada somente a 13 anos por ter esquartejado a namorada, alegando "legĂtima defesa", possa ficar em liberdade "atĂ© esgotar todos os recursos que a lei prevĂȘ" - como disse o STJ?
Como entender que aquele jornalista Pimenta Neves, que premeditou o assassinato da namorada com dois tiros pelas costas e na cabeça, condenado jĂĄ hĂĄ seis anos, esteja em liberdade ainda, na boa? E aquele garoto que matou pai e mĂŁe nos Jardins de SĂŁo Paulo e a famĂlia rica conseguiu esconder tudo?
As leis de execução penal tĂȘm de ser aceleradas, as puniçÔes tĂȘm de ser mais temĂveis, mais violentas, mais rĂĄpidas. HĂĄ um crescimento da crueldade acima de qualquer codificação jurĂdica. Essa lentidĂŁo, esse arcaĂsmo da Justiça Ă© visĂvel nĂŁo sĂł nos chamados "crimes de classe mĂ©dia", como tambĂ©m na barbĂĄrie que galopa nas periferias.
O Elias Maluco - lembram, aquele que matou o Tim Lopes com golpes de espada? - estava em "liberdade condicional", pois a lei concede isso ao "cidadĂŁo". Que cidadĂŁo? O conceito de cidadania tem de ser revisto.
Cidadania Ă© merecimento. Surgiu na misĂ©ria do paĂs uma raça de subumanos, sub-bichos que todos os dias degolam, esquartejam, botam no "microondas", e sĂŁo "cidadĂŁos" - "tĂŁo ligados?" Qual serĂĄ o nome dessa coisa informe que a misĂ©ria estĂĄ gerando?
EÂŽ uma mistura de lixo e sangue, uma nova lĂngua de grunhidos, mais alĂ©m da maldade, uma pura explosĂŁo de vingança. NĂŁo se trata mais de uma perversĂŁo do "humano", mas de uma perversĂŁo do "animal" em nĂłs. "Ah... a lei Ă© igual para todos...", dizem os juristas de terno brilhante e bochechas contentes. Sim, tudo bem. Mas hĂĄ novas formas de crime que tĂȘm de ser estudadas e antigos direitos e penas tĂȘm de ser revistos.
Os pensadores da Justiça continuam a tratar os crimes como "desvios da norma", praticado por cidadĂŁos iguais. Tem de acabar o tempo dos casuĂsmos, das leniĂȘncias, das chicanas. Vivemos trancados num racionalismo impotente diante desse bucho indomĂĄvel da misĂ©ria, do "alien" que se forma como um monstro boçal nas ruas e periferias. Com o congestionamento de fatos tragicamente insolĂșveis, no beco sem saĂda da sociedade, vejo se formar um desejo crescente pelo horror, pela crueldade, quase que uma fome de catĂĄstrofe.
NĂŁo falo dos analfabetos desvalidos e loucos, mas os assassinos de classe mĂ©dia jĂĄ tĂȘm o prazer perverso de fazer o inominĂĄvel. E esse casal de pedra, esses monstros? SerĂĄ que vĂŁo se defender em liberdade, esgotando "todos os recursos da lei", como o esquartejadorcom "justa causa" ou o assassino daquela menina morta pelas costas, livre e solto? SerĂŁo condenados a dez aninhos com atenuantes e macetes?
Que acontecerå com eles, depois de estrangularem e jogarem a filha pela janela? A lei tem de ser mais temida, mas råpida, mais cruel. Esse vazio da Justiça explica o sucesso de filmes como "Tropa de Elite" e até fantasias de linchamento em todos nós. Vejam as portas da cadeia onde estavam os dois assassinos.
E, por fim, por que tantos crimes contra as crianças? O caso do JoĂŁo HĂ©lio, crianças decapitadas na Febem, criança jogada em lagoa em Minas Gerais, crianças no lixĂŁo, aquela psicopata em GoiĂĄs, que contratava meninas pobres para torturar, e mais: pedofilia, espancamentos, tudo... As crianças sĂŁo fontes inconscientes de terror, de Herodes a Ădipo e MoisĂ©s.
O rei Agamenon matou sua filha IfigĂȘnia para ter tempo bom em uma guerr.. Que dizem os antropĂłlogos dos rituais de matança de inocentes, como foi em nossa terra, Pedra Bonita, que ficou vermelha do sangue?
Em sociedades primitivas, o sacrifĂcio de animais e o sangue de inocentes servem para afastar doença, prever o futuro, saciando o Ăłdio dos deuses. SerĂĄ que matam nessas crianças de hoje o horror a um futuro que nĂŁo hĂĄ mais?
Lamentamos uma harmonia ainda insistente e almejamos que ela seja alcançada. Ă tĂŁo inĂștil usar as palavras racionalmente, diante da brutalidade deste "outro paĂs" do crime e da misĂ©ria, que caio em desĂąnimo: que adianta ficar os Ășltimos 17 anos escrevendo em nome da "razĂŁo"? E perguntamos, horrorizados: "Por que eles fizeram aquilo?" Resposta: "Por nada..."
Arnaldo Jabor - Fonte: Jonal O Tempo.
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