A DERROTA DOS INTELECTUAIS
"Corremos o risco de o povo, os políticos, os governantes não mais acreditarem na manutenção da classe intelectual"
A grande derrotada nestas eleições presidenciais foi a classe dos intelectuais deste país, que nitidamente perdeu espaço e poder. Os intelectuais criticaram Lula com sua política econômica de juros altos, dizendo que estava tudo errado, inclusive companheiros de partido, advertindo que com essa política ele jamais seria reeleito. Lula contrariou a todos. Apostou em manter a inflação baixa, e o resultado nas pesquisas está aí.
Os intelectuais agora terão tempo suficiente para responder à seguinte questão: se os juros altos beneficiam os ricos e prejudicam os pobres, por que a grande maioria dos ricos e a classe média estão preferindo Alckmin e os pobres, Lula?
O próprio PSDB se cansou de sua ala intelectual ao escolher Geraldo Alckmin. Os intelectuais que sobraram no PSDB não conseguiram alinhavar um plano de governo até quatro dias atrás, quinze dias antes das eleições. Ultimamente, o que caracterizou nossos intelectuais foi o silêncio. Eles mesmos admitiram essa constatação. Os mais independentes se limitaram a manifestar sua indignação diante da corrupção sem ao menos apresentar um esboço de solução. Não vi ninguém sugerir aumento das verbas para cursos superiores de contabilidade, auditoria e fiscalização, dizimadas durante o governo militar.
Todo país precisa de pessoas pensantes de várias disciplinas para, juntas, encontrar soluções para suas aflições. Os Estados Unidos devem muito a seus think tanks, como Brookings Institute, NBER, Russell Sage Foundation, muitos criados em 1910 e que contribuíram para o desenvolvimento do país. Leiam The Idea Brokers, de James A. Smith. Talvez seja por isso que o Brasil está à deriva, sem rumo e sem projeto. Pesquisem os sites de nossas principais universidades e procurem as "soluções para a corrupção", "soluções para os juros altos", "soluções para a questão da previdência", "soluções para fazer o Brasil crescer".
Quando muito encontraremos papers de um professor ou outro, raramente uma solução multidisciplinar incluindo direito, economia, administração, demografia, sociologia, medicina, atuária, só para citar as áreas que deveriam se reunir para achar uma saída para a previdência, por exemplo.
Nossos planos de combate à inflação não foram criados por universidades com o concurso de psicólogos, contadores de custos, administradores, advogados, publicitários, economistas de várias escolas, como deveria ter ocorrido. O mais drástico dos planos, o Plano Collor, foi elaborado às pressas por três economistas enfurnados num hotel.
O cerne do conceito de universidade é justamente congregar intelectuais num mesmo lugar ou "universo", para que eles pesquisem e proponham soluções em conjunto. Se fosse para todos ficarem enfurnados em suas faculdades, não necessitaríamos de universidades. Quando eles assinam algo em conjunto, são muitas vezes abaixo-assinados ou artigos que não vão além da crítica, destrutiva de preferência, ou platitudes como "precisamos aumentar os gastos com a educação".
Nossos intelectuais, com notórias exceções, têm muita dificuldade para desenvolver trabalhos em grupo. A grande maioria é no fundo individualista, egocêntrica, vaidosa e persegue seus interesses pessoais de pesquisa. Muitas das qualidades que eles próprios criticam e odeiam.
No setor privado, quem não sabe trabalhar em equipe ou em grupo não mantém o emprego nem um dia sequer. Não é esse o tipo de intelectual de que o Brasil desesperadamente necessita. Intelectuais custam caro. Sustentá-los para que fiquem pensando por nós nas faculdades é um luxo que somente países desenvolvidos têm condições de custear. Nossos intelectuais têm de mostrar mais eficiência e capacidade de cooperação entre si. Num país pobre, eles precisam justificar cada centavo que o povo neles deposita. Um recente estudo da OCDE mostra que o Brasil é o país que mais gasta com universidades e não tem o retorno que deveria.
Esse silêncio, essa flagrante omissão no especificar soluções multidisciplinares, em entrar nos detalhes, a tendência de ser simplesmente contra alguma coisa, não justifica o salário. Corremos o risco de o povo, os políticos, os governantes não mais acreditarem na manutenção da classe intelectual.
Stephen Kanitz é formado pela Harvard Business School