PENSANDO NO MENSALĂO
DEZ QUESTĂES DE ORDEM
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1 Foi o maior escĂąndalo polĂtico da histĂłria do paĂs?
NĂŁo, se considerarmos sĂł o total das somas envolvidas. O escĂąndalo recente dos fiscais da Prefeitura de SĂŁo Paulo trouxe prejuĂzos calculados em R$ 500 milhĂ”es aos cofres pĂșblicos. O dinheiro desviado por Henrique Pizzolato do Fundo Visanet, e por extensĂŁo do Banco do Brasil, corresponde, em valores corrigidos, a cerca de um terço disso, e foi a principal fonte do mensalĂŁo.
Sim, se considerarmos que envolveu, num mesmo esquema, o primeiro escalĂŁo de trĂȘs partidos (PT, PL e PTB), alĂ©m de membros do PMDB, o presidente da CĂąmara dos Deputados, trĂȘs ministros, entre os quais o homem forte do governo Lula, banqueiros e parlamentares.
2 O mensalĂŁo existiu? NĂŁo era sĂł caixa dois?
No começo, negou-se atĂ© a existĂȘncia de saques em dinheiro. Houve quem dissesse ter ido ao banco sĂł para pagar TV a cabo. Descoberta a mentira, veio a tese de que o dinheiro nĂŁo visava comprar deputados: distribuĂram-se sĂł recursos nĂŁo-declarados de campanha para parlamentares, que em seguida os repassaram a diretĂłrios.
Pela lei, nĂŁo importa o destino dado ao dinheiro "extra". Pode ser para comprar objetos de luxo ou... para garantir mais votos, cabos eleitorais e crĂ©dito na compra de material publicitĂĄrio para a prĂłxima eleição. Sobrou a tese ridĂcula de que o mensalĂŁo "nunca existiu" porque a propina nĂŁo era mensal.
3 Qual a lĂłgica de comprar votos de deputados da prĂłpria base?
Argumentou-se que nĂŁo havia corrupção porque o apoio de deputados petistas e de partidos aliados jĂĄ estava garantido, mesmo antes de votaçÔes polĂȘmicas no Congresso, como a da reforma previdenciĂĄria.
Dizer isso Ă© ignorar as cĂ©lebres "rebeliĂ”es" de deputados Ă s vĂ©speras de qualquer votação. Tanto mais no caso da reforma da PrevidĂȘncia proposta por Lula, que negava compromissos do partido, e motivou a saĂda, por exemplo, de HeloĂsa Helena e outros do PT.
Ademais, por que nĂŁo enviar o suposto dinheiro de "caixa 2" diretamente aos diretĂłrios regionais, em vez de fazĂȘ-lo passar pelos deputados?
4 Os envolvidos no esquema formaram uma quadrilha?
Sim, se se considera que eles estiveram associados durante muito tempo para manter em funcionamento o esquema. NĂŁo, se se considera que uma coisa Ă© participar em conjunto de uma sĂ©rie de crimes, outra Ă© cometer um crime particular, especĂfico, o da "formação de quadrilha".
Neste caso, o que a legislação proĂbe nĂŁo Ă© praticar crimes em grupo, mas criar um grupo que, mesmo sem cometer crime, constitui ameaça Ă paz pĂșblica. Um bando armado de porretes, gritando palavras ameaçadoras, nĂŁo comete crime -exceto o de formar quadrilha, trazendo inquietação.
O STF voltarĂĄ a debater o assunto em 2014.
5 O mensalão representou uma ameaça à democracia?
Na medida em que pressupunha pagamento direto a deputados, o esquema dissolvia as prĂłprias instĂąncias internas dos partidos. Dinheiro pĂșblico foi usado para ajudar as contas do partido no poder.
Mas quando se sabe que parlamentares podiam ser eleitos por um partido e em seguida aderir ao partido do governo, Ă© difĂcil considerar a compra de votos, em dinheiro vivo, pior que a compra de um deputado por inteiro, em troca de cargos ainda mais lucrativos.
O sistema do mensalão terå parecido, talvez, mais econÎmico para o governo do que a negociação de emendas no Orçamento para aliados.
6 Houve mais rigor neste caso do que com outros escĂąndalos?
Sim, o que nĂŁo quer dizer que as denĂșncias ocorreram por se tratar de um governo petista.
NotĂcias gravĂssimas foram veiculadas contra Fernando Henrique Cardoso, por exemplo. A confissĂŁo de dois deputados, segundo a qual receberam dinheiro para votar a emenda da reeleição, foi noticiada pela Folha; a denĂșncia nĂŁo foi levada adiante pelas autoridades, que impediram uma CPI.
TambĂ©m por falha nas acusaçÔes do MinistĂ©rio PĂșblico, as acusaçÔes contra o presidente Fernando Collor -que lhe custaram o mandato- nĂŁo foram aceitas pelo Supremo Tribunal Federal.
7 O supremo tribunal federal decidiu pressionado pela mĂdia?
Se fosse assim, a maioria não teria votado pela aceitação dos embargos infringentes. Petistas como Luiz Gushiken, professor Luizinho, Paulo Rocha, e o ex-ministro Anderson Adauto (PMDB) estariam condenados. As penas contra os banqueiros não teriam sido as mais altas.
A opiniĂŁo pĂșblica, de modo geral, lamentou a condenação de Genoino; mesmo no STF houve quem afirmasse estar tendo de condenĂĄ-lo contra a vontade.
Se a vontade de "sair-se bem" tornava-se visĂvel nos pronunciamentos de alguns ministros, cabe lembrar que o autor dos mais furiosos discursos contra os mensaleiros, Gilmar Mendes, Ă© o mesmo que suscitou ira popular ao conceder liberdade para Daniel Dantas, em 2008.
8 As penas impostas pelo supremo foram desproporcionais ou exageradas?
Pelo menos num caso, o de Jacinto Lamas, sim: ele terminou sendo condenado de forma mais severa do que o seu superior no PL, Valdemar Costa Neto, por um nĂșmero praticamente igual de crimes de lavagem de dinheiro.
O cålculo das penas foi muito confuso, pois às vezes prevaleciam os critérios mais brandos de Ricardo Lewandowski, outras vezes os de Joaquim Barbosa.
De modo geral, a lei Ă© muito mais severa no caso de crimes financeiros, levando a penas altĂssimas contra os banqueiros do esquema. Como se repetem ao longo de uma mesma armação delitiva, nem um homicĂdio dĂĄ tantos anos de cadeia.
9 O ex-ministro José Dirceu foi condenado sem provas?
NĂŁo hĂĄ gravação ou e-mail mostrando claramente que Dirceu dava ordens a cada reuniĂŁo em que DelĂșbio Soares, dirigentes partidĂĄrios e Marcos ValĂ©rio faziam acertos sobre pagamentos.
Houve testemunho, nĂŁo sĂł de Roberto Jefferson, de que ele era consultado pelo celular e dava seu "ok". A defesa colheu testemunhos supostamente em contrĂĄrio, junto a dirigentes regionais do PT, segundo os quais Dirceu nĂŁo participava dos assuntos financeiros.
Mas isso não desmente a acusação de que ele chefiava politicamente o esquema, nem explica sua participação em encontros com Valério e dirigentes do Banco Rural. A tese de que simplesmente conversaram sobre assuntos gerais simplesmente não convenceu a maioria do STF.
10 O julgamento foi uma vitória contra a corrupção?
O problema Ă© saber se, com as condenaçÔes obtidas, algum polĂtico vai pensar em modificar seus comportamentos. Provavelmente nĂŁo.
Mesmo quem não pretende enriquecer com suas atividades -e certamente José Genoino sempre se pautou por uma vida simples, por exemplo- depende de campanhas cada vez mais caras para se eleger.
A possibilidade de obter recursos sĂł via fundo partidĂĄrio e contribuiçÔes de simpatizantes Ă© pouco realista; gastos com viagens, marqueteiros e propaganda sĂŁo financiados por bancos, construtoras e empresas, que esperam vantagens em troca, seja em contratos com o setor pĂșblico, seja em atos de governo ou votos no Legislativo. HĂĄ muitas maneiras de comprar deputados; o mensalĂŁo foi apenas explĂcito demais.
Marcelo Coelho â Fonte: Folha de S.Paulo â 17/11/13.
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DE COLLOR A DIRCEU
NĂŁo por mera ironia do destino, o processo contra Fernando Collor se arrasta hĂĄ duas dĂ©cadas, ele vem ganhando todas e tem mandato de senador da RepĂșblica, enquanto dois de seus algozes, JosĂ© Dirceu e JosĂ© Genoino, vĂŁo para a cadeia.
Veja como Ă© a histĂłria: Lula jĂĄ confraternizou com Collor e justificou o impeachment como mero joguinho polĂtico, o efĂȘmero PRN nem existe mais --na prĂĄtica e na memĂłria-- e o PT vive o suplĂcio de ver dois de seus Ăcones presos.
O enredo Ă© novelesco, com a lenta inversĂŁo de papĂ©is, o mensalĂŁo, o julgamento, atĂ© a coincidĂȘncia de datas --as prisĂ”es saĂram no aniversĂĄrio da Proclamação da RepĂșblica.
Destaque para os protagonistas. O rĂ©u mais ilustre Ă© JosĂ© Dirceu, Ădolo de uma geração: lĂder estudantil, revolucionĂĄrio de romance, presidente que conduziu o PT da utopia para o pragmatismo e homem forte do primeiro governo de esquerda.
A condenação mais doĂda Ă© a de JosĂ© Genoino, o sobrevivente do Araguaia, a voz da ponderação no PT e uma referĂȘncia de congressista: leal, hĂĄbil e eficaz.
Ambos em simbiose com banqueiros, empresĂĄrios, publicitĂĄrios espertalhĂ”es e lĂderes de partidos historicamente adversĂĄrios do PT.
Joaquim Barbosa, levado por Lula, foi o homem certo na hora certa da história. Negro e da maioria pobre que lota as cadeias, foi a estrela do julgamento que impÔe penas e prisÔes para os da minoria rica, até então impune.
Cada peça e cada detalhe se encaixam num todo surpreendente. Nenhuma ficção poderia superar essa realidade, que vira uma pĂĄgina no paĂs e abre outra cheia de expectativas e tambĂ©m de dĂșvidas.
Quando o PT entrou no våcuo do PRN, Dirceu aderiu aos métodos de Collor, a vitória subiu à cabeça de Lula e os fins --fossem quais fossem-- justificaram todos os meios, tudo poderia acontecer. E aconteceu.
De Collor a Dirceu, uma evolução: sĂł a punição polĂtica jĂĄ nĂŁo basta.
Eliane CantanhĂȘde â Fonte: Folha de S.Paulo â 17/11/13.
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