VAMOS VIVENDO, VAMOS PENSANDO, VENDO AS HORAS, QUE VĂO PASSANDO...
"Viver Ă© desenhar sem borracha" - MillĂŽr Fernandes.
"A vida é uma peça de teatro, que não permite ensaios. Por isso, dance, ria e viva intensamente, antes que a cortina se feche para sempre". (Charlie Chaplin)
PEIXES, CEBOLAS E POLĂTICOS
Novembro de 2006
Ronaldo Correia de Brito
A histĂłria Ă© bem popular. VirgĂnia Wolf contou-a no romance Passeio ao Farol. Um pescador pobre atirou sua rede ao mar. Ele, a mulher e os filhos passavam fome hĂĄ dias, pois nada pescava. Ao puxar a rede, o homem descobriu uma insignificante solha, debatendo-se entre as malhas. Sabendo o destino que o esperava, o peixe suplicou ao homem que o atirasse de volta ao mar. Em troca, daria o que ele pedisse.
Acostumado à pobreza, o homem pediu uma fazenda, um curralzinho de vacas, chiqueiros com porcos e galinhas, roupas domingueiras. Ao voltar para casa, mal acreditou na fortuna. Tudo estava ali, bem acima do que imaginara. Feliz da vida, o homem relatou o acontecido à mulher. Ao invés de mostrar-se satisfeita, ela embraveceu. Chamou-o de idiota, homem sem ambição, incapaz de enxergar mais longe.
Pouco tempo depois, exigiu que o marido voltasse ao mar, chamasse a solha, e pedisse um baronato para ela. A histĂłria Ă© comprida, e o final previsĂvel. A ambição da mulher nĂŁo tinha limites, a ansiedade por poderes aumentava todos os dias. Depois do baronato ela desejou um condado, um ducado, um reinado, um impĂ©rio, um papado, e por Ășltimo ser Deus.
A cada retorno, o pescador encontrava o mar agitado. Na Ășltima viagem, ondas escuras ameaçavam tragĂĄ-lo. Temeroso, ele comunicou Ă solha que a mulher desejava ser Deus. O peixe olhou-o sem compaixĂŁo. Voltasse para casa, desta vez a mulher ficaria satisfeita. JĂĄ de longe, ele avistou a antiga choça imunda, os filhos maltrapilhos, a esposa descabelada. Tudo voltara a ser como antes.
Os leitores pensam que Ă falta de assunto resolvi encher minha coluna com histĂłrias da Carochinha. A mulher do pescador parece com alguns polĂticos, esses que sĂł pensam em subir nos cargos. Mal se elegem deputados estaduais, jĂĄ brigam para chegar a federais. Depois a governadores, senadores, ministros ou presidente da repĂșblica. Um jogo de cadeiras. E os eleitores parecem a solha, concedem o voto, concedem... AtĂ© que um dia... HaverĂĄ esse dia?
Um pecador ardia no fogo do inferno e suplicava clemĂȘncia ao Deus Todo Poderoso. Seus clamores foram escutados lĂĄ em cima no cĂ©u, e um anjo enviado para ajudĂĄ-lo.
"Em sua vida terrena, vocĂȘ praticou pelo menos um ato de caridade, que possa abonĂĄ-lo?", perguntou o Anjo compadecido.
A alma danada procurou no fundo de sua vida egoĂsta e mesquinha uma caridade que pudesse salvĂĄ-lo das chamas. Quando vivia na opulĂȘncia, ele atirara uma cebola podre para um mendigo.
O Anjo, feliz em ajudar o desgraçado, disse que a mesma cebola o salvaria. Estendeu ao céu uma folha da cebola, pediu que a Alma se pendurasse nela, e subisse sem medo. Apavorado, ele agarrou-se ao fiapo verde, e começou a subida. Bem adiante, olhou para baixo e viu outras almas penduradas, tentando salvar-se com ele. Temeroso de que a folha se partisse com o excesso de peso, o danado chutava os que vinham abaixo dele, com a intenção de derrubå-los. Tantos movimentos ele fez que a folha partiu-se, precipitando-o novamente nas profundezas do inferno.
Rudyard Kipling afirmava que ao escritor Ă© dado inventar a fĂĄbula, mas nĂŁo a sua moral. NĂŁo sou apreciador de fĂĄbulas moralistas. Mas confesso que gostaria de ver uma folha de cebola estendida de BrasĂlia atĂ© o cĂ©u. E de dar gargalhadas, vendo as quedas monumentais.
Ronaldo Correia de Brito é médico e escritor. Escreveu Faca e Livro dos Homens. Assina coluna na revista Continente.
(Colaboração: A.M.B.)