PENSANDO NAS PESSOAS
MUSEU EM PESSOA
English:
http://www.museudapessoa.net/ingles/
O Museu da Pessoa deve ganhar sede fĂsica. Jaime Lerner jĂĄ fez o projeto arquitetĂŽnico para transformar o site, que hoje reĂșne 14 mil histĂłrias de vida de pessoas comuns, em prĂ©dio. Lerner e a direção do museu se encontraram com o secretĂĄrio da Cultura de SP, Andrea Matarazzo, para discutir possĂveis cidades-sede em SP. Rio e Salvador tambĂ©m sinalizaram querer sediar o prĂ©dio.
MĂŽnica Bergamo - Fonte: Folha de S.Paulo - 15/04/11.
O site:
http://www.museudapessoa.net/
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DIĂRIO DE UM ECOCHATO
Escritor encara 4 dias de "ecologista radical" e conta que se sentiu fraco com dieta vegana e que nĂŁo topou fazer xixi sĂł no banho
1Âș dia
A pior caracterĂstica do nosso tempo Ă© o desprezo pelo coletivo. Por isso aceitei o convite para passar trĂȘs dias atento Ă quantidade de gĂĄs carbĂŽnico que emito.
Também vou obedecer à "dieta vegana". Não vou comer nem sequer ovo, leite ou derivados.
O uso indiscriminado de energia Ă© um vilĂŁo. Cortei o elevador. Logo cedo, desci sete lances de escada para buscar as compras, mas o zelador nĂŁo permitiu que eu voltasse carregando-as. "Quinze dias de casado e jĂĄ endoidou". Ele colocou a caixa no elevador e interfonou para a minha mulher.
No banho, o chuveiro ligado é só para enxaguar. A pasta de dente vegana é péssima e um tubo de 50 g custa R$ 13! Passei a manhã sem acender as luzes. Estava um dia claro. Fiquei ansioso demais com tudo isso e não consegui trabalhar no meu livro novo.
No almoço, enchi o prato de verdura. Logo, um constrangimento: havia ovo no arroz e, diante do olhar horrorizado de uma senhora, devolvi as duas colheres.
Almocei 750 g de alimento exclusivamente vegetal, e não fiquei satisfeito. Passei a tarde irritado e com medo de falhar. Vim escrever em um café, mas mesmo os salgados vegetarianos levam leite na massa. Pedi uma salada de frutas e me acalmei.
Talvez minha fome seja imaginĂĄria. (NĂŁo me sinto bem dizendo isso.) Mas algo Ă© muito claro: meu corpo estĂĄ estranho. O medo e a ansiedade sĂŁo fĂsicos. NĂŁo quero enfraquecer.
2Âș dia
Preparei uma "feijoada vegetariana" para o almoço. Ficou um horror. Precisei de uma porção de banana com quinua e linhaça para me sentir alimentado. Emocionalmente, o dia foi bem pior que ontem. Começo a me perguntar se nĂŁo hĂĄ algum fetiche no vegetarianismo radical. Por que vocĂȘs precisam ser tĂŁo fortes?
Antes de começar meu "plano verde", fiz vårias pesquisas e concluà que conseguiria cumpri-lo sem prejudicar minha vida.
Quanto Ă energia, tudo bem. NĂŁo uso mais o elevador do meu prĂ©dio. AlĂ©m disso, nĂŁo sei dirigir, tenho economizado muita energia e meu banho estĂĄ sendo o mais racional possĂvel.
Quero continuar dessa forma para sempre. Prometo que nunca mais vou usar o elevador.
A dieta vegana, por sua vez, estĂĄ mexendo comigo. Estou irritado. Sem dizer de outros medos, que me envergonham: serĂĄ que eu posso ficar burro?
NĂŁo sĂŁo os indivĂduos, mas as empresas os principais emissores de gĂĄs carbĂŽnico. A China Ă© um dos grandes poluidores. Essa gente, alĂ©m de censurar e prender os artistas, ainda estĂĄ acabando com o planeta. DevĂamos parar de comprar os produtos deles. Ă tudo de pĂ©ssima qualidade mesmo...
3Âș dia
8h: Acordei Ă s 3h com um forte enjĂŽo e assustado com os pesadelos. Sonhei com um boi que, mesmo abatido, continuava gritando comigo.
Depois, fui atacado por uma horta. Estou me sentindo ridĂculo.
Ăs 5h, estava com uma fome terrĂvel. Talvez alguĂ©m diga que tenho obedecido Ă dieta errada: coma mais grĂŁos e verduras. Tenho me alimentado bastante, mas nĂŁo me sinto forte. Eu queria muito comer um pedaço de bolo que estĂĄ na geladeira.
De resto, tomei meu banho racional e usei a escada. NĂŁo acendi nenhuma lĂąmpada e fiz apenas uma xĂcara de cafĂ© na mĂĄquina. Gastei um pouco mais de ĂĄgua porque me barbeei. Sinto-me fraco e nervoso.
22h40: O dia foi mais sossegado. Almocei em um restaurante vegetariano e passei a tarde comendo frutas. De noite, hambĂșrguer de soja e salada. Antes de dormir, leite de soja com melĂŁo.
NĂŁo vou ser vegano (nem vegetariano). SĂł nĂŁo jogo o tal extrato de clarofila fora porque custou uma nota. Talvez eu coma menos carne. Sempre me senti culpado por causa do abate dos animais e essa experiĂȘncia me fez pensar mais nisso.
Não acho cruel extrair leite de um animal para consumo. Por outro lado, com certeza não uso mais o elevador e meu consumo de ågua vai ser racional. Só não vou topar essa história de segurar a urina até a hora do banho, porque adoro ir para o chuveiro de manhã. Não vou passar, depois, 24 horas com vontade. Compenso esse pecadilho não dirigindo: não tenho um carro para lavar. Parece um bom negócio: um carro pelo xixi.
Estou me sentindo fraco e com o raciocĂnio embotado. TambĂ©m tenho vergonha.
4Âș dia
Encerrei a "dieta vegana" no jantar, com um peixe. Não tive nenhum prazer especial. Meu pedido por um copo de leite puro causou estranhamento, mas, quando contei os motivos, o garçom se solidarizou.
Algo me surpreendeu: no final de tudo, engordei 300 g! Também fiz um orçamento: o veganismo é caro. Os preços médios dos restaurantes vegetarianos são altos.
Falando com mais calma, tudo isso reforça a hipótese de que hå fetichismo nesse radicalismo todo. Uma pergunta secundåria: até o ovo? E outra, crucial: que culpa de fato estå sendo expiada aqui?
NĂŁo me resta dĂșvida de que preciso usar a energia de forma mais racional. Os chineses sĂŁo pĂ©ssimos, concordo. E Ă© necessĂĄrio discutir eticamente nossa relação com os animais. Mas o problema urgente Ă© a fome.
Fonte: Folha de S.Paulo - 17/04/11.
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