FM - Faculdade Mental

A JENTE HERRAMOS - 12/07/2012

â€œHERROSâ€ COTIDIANOS

NO CONGO, O FARDO DE SER MULHER

English:
http://www.nytimes.com/2012/06/29/world/africa/female-bearers-in-the-democratic-republic-of-congo.html?pagewanted=all
Ã€s 6h da manhÃ£ Cesarine Maninga, 43, amarra um fardo de 50 kg de carvÃ£o Ã s suas costas e parte a pÃ© para Bukavu, capital da provÃncia de Kivu do Sul, no leste do Congo.
Maninga Ã© uma das centenas de mulheres que fazem esse trabalho todos os dias, carregando cargas de atÃ© 100 kg por distÃ¢ncias curtas. Nessa manhÃ£, ela espera vender a "makala" -o carvÃ£o seco usado na cozinha e para aquecimento. Ela vai caminhar quase 10 km com sua carga. Ã‰ uma distÃ¢ncia que ela cobre pelo menos duas vezes por semana.
"NÃ£o tenho escolha", ela fala em tom de resignaÃ§Ã£o amarga. "Preciso alimentar minha famÃlia" -11 filhos e um marido desempregado.
Mulheres como ela sÃ£o vistas comumente em Bukavu. As carregadoras sÃ£o "animais de traÃ§Ã£o" humanos.
VÃ¡rias pesquisas internacionais jÃ¡ classificaram a RepÃºblica DemocrÃ¡tica do Congo como o pior lugar do mundo para mulheres. De acordo com um estudo publicado no ano passado pelo "American Journal of Public Health", 48 congolesas sÃ£o violentadas por hora. VÃ¡rios grupos rebeldes e milÃcias vÃªm hÃ¡ anos usando o estupro como arma para destruir comunidades.
Durante anos de guerra em toda a parte oriental do Congo, as mulheres passaram a carregar um fardo adicional: literalmente, a carregar cargas pesadas nas costas. Cavalos, burros e caminhÃµes custam caro demais, dizem os congoleses. As estradas, quando existem, sÃ£o quase intransitÃ¡veis, exceto a pÃ©.
Na cidade, as carregadoras transportam pesos entre o porto Ã margem do lago e o mercado, alÃ©m de fazerem entregas para consumidores em situaÃ§Ã£o financeira melhor. Carregam mandioca, bananas, cana de aÃ§Ãºcar, farinha, carvÃ£o, areia e lenha.
Cada mulher carrega centenas de quilos por semana. NÃ£o hÃ¡ pausas para comer ou para descanso -apenas mais quilÃ´metros a percorrer para receber US$ 1 ou US$ 2 por dia, valor que mal Ã© o suficiente para comprar um pouco de farinha ou arroz.
Nesta regiÃ£o, onde a guerra nos anos 1990 dizimou o que existia em matÃ©ria de indÃºstria ou agricultura, os alimentos sÃ£o trazidos de outros lugares e,por essa razÃ£o, sÃ£o relativamente caros.
Foram os anos de guerra, quando os homens foram mortos ou entÃ£o voltaram para casa e nÃ£o encontraram trabalho, que deram ao Congo oriental suas multidÃµes de mulheres carregadoras.
Entre 4 milhÃµes e 5 milhÃµes de pessoas morreram na violÃªncia ou de doenÃ§as e fome, e muitos homens estavam longe de casa, combatendo.
Embora o Ãndice de alfabetizaÃ§Ã£o aqui chegue a 67% da populaÃ§Ã£o adulta, segundo a Unesco, muitas meninas nÃ£o frequentam a escola, porque seus pais tÃªm dificuldades em pagar as mensalidades. As mulheres estÃ£o mal representadas nas instituiÃ§Ãµes polÃticas.
Essa situaÃ§Ã£o vem mudando, mas, para ativistas dos direitos das mulheres, as mudanÃ§as sÃ£o lentas demais.
"Infelizmente, isso virou moda na RDC", comentou Solange Lwashiga, secretÃ¡ria de uma ONG local, o Caucus de Mulheres Congolesas de Kivu do Sul pela Paz. "As mulheres tomaram o lugar de mÃ¡quinas. Tomaram o lugar de veÃculos."
Esperance Lubondo Ã© dona de embarcaÃ§Ãµes que transportam mercadorias para o porto de Bukavu. Ela se cansou de ver mulheres disputando espaÃ§o para descarregar seus barcos. "Esse trabalho desumaniza a pessoa", disse. Lubondo criou a AssociaÃ§Ã£o de Carregadoras, cujo objetivo Ã© melhorar as condiÃ§Ãµes das mulheres.
Financiado por doadores e contribuiÃ§Ãµes minÃºsculas de suas sÃ³cias, o grupo oferece a congolesas microcrÃ©dito no valor de US$ 50 ou US$ 100 para que possam deixar o trabalho de carregadoras e tentar encontrar outras maneiras de ganhar a vida. "HÃ¡ mulheres de espÃrito empreendedor na RDC", disse Lwashiga. "Se vocÃª der US$ 10 a uma congolesa, dentro de um mÃªs haverÃ¡ US$ 30."
Stella Yanda, diretora da ONG Initiatives Alpha, disse que isso tambÃ©m pode ajudar a acabar com o que ela considera ser uma discriminaÃ§Ã£o dupla.
"Os homens recebem mais que as mulheres para carregar os mesmos volumes de mercadorias", disse ela -eles recebem mil francos congoleses, ou cerca de US$ 1, enquanto as mulheres mal conseguem ganhar 500 francos congoleses. Yanda e Lwashiga tambÃ©m defendem a criaÃ§Ã£o de uma lei que limite em 50 kg o peso permitido das cargas.
NÃ£o Ã© fÃ¡cil conseguir trabalho como carregadora. Numa das maiores feiras de Bukau, a de Beach Muhanzi, as carregadoras esperam horas. "Carregamos areia dos barcos para a feira", contou Jeanette Cibalonza. "Carregamos fardos de 50 quilos de areia" por dia. Outra mulher contou que Ã© carregadora hÃ¡ 32 anos e que ganha o suficiente para um prato diÃ¡rio de farinha de milho.
O fato de carregar fardos pesados inevitavelmente afeta a saÃºde das mulheres, desde dor muscular e cÃ¢imbras atÃ© dores fortes nas costas e pescoÃ§o e danos ao cÃ©rebro causados pelas cordas amarradas Ã testa para dividir o peso.
Cesarine Maninga volta para casa exausta. Ela se queixa de dores constantes na cabeÃ§a e nas costas; certa vez, quebrou o braÃ§o carregando um fardo.
"Ã€s vezes carrego um fardo sem ter comido nada. Quando tiro o fardo das costas, fico tonta. Mas estou acostumada. NÃ£o posso parar." Lwashiga concorda. "NÃ£o vejo esse trabalho deixando de existir, a nÃ£o ser que tenhamos mais mulheres na polÃtica", disse.
Boryana Dzhambazova e Paulin Bashengezi â€“ Fonte: Folha de S.Paulo â€“ 09/07/12.
Reportagem original do â€œThe New York Timesâ€:
http://www.nytimes.com/2012/06/29/world/africa/female-bearers-in-the-democratic-republic-of-congo.html?pagewanted=all

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