O DIA DO SACI
E VIVA O SACI-PERERÊ
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http://en.wikipedia.org/wiki/Saci_perer%C3%AA
O Dia do Saci é um evento criado pelo governo do Brasil em 2005, de caráter nacional, elaborado pelo então lÃder do governo Aldo Rebelo (PCdoB - SP) e Ângela Guadagnin (PT - SP) com o objetivo de resgatar figuras do folclore brasileiro, em contraposição ao "Dia das Bruxas", ou "Halloween", da tradição cultural dos Estados Unidos da América. Por isso é celebrado em 31 de Outubro.
Imagem: Capa do livro "O Saci" de Monteiro Lobato (1941).
HALLOWEEN À BRASILEIRA
Em 31 de outubro, em várias partes do mundo, é comemorado o Halloween, ou Dia das Bruxas. Tradição norte-americana que, pouco a pouco, vem sendo importada pelo nosso PaÃs. Mas por que se vestir de bruxinha, cortar abóbora e sair por aà falando "travessuras ou gostosuras" se temos lendas capazes de apavorar os mais destemidos cidadãos?
Pra começo de conversa, há tempos defendemos a data como Dia do Saci, e nisso temos bons companheiros, infiltrados nos mais diversos campos de atuação: de músicos a intelectuais; de executivos a profissionais liberais. Alguns reunidos em associações de criadores e observadores de sacis; outros agindo anonimamente a favor da causa. E quando se fala nessa criaturinha, pode experimentar, logo surge uma verdadeira organização criminosa de seres imaginários (ou serão reais?).
Pois então, se você quer mesmo entrar nessa, cativando esas figuras saÃdas das trevas da nossa memória coletiva, há que saber: eles são capazes de fazer você se perder pela floresta, provocam pesadelos, devoram órgãos internos e seduzem de marmanjos a donzelas. Há tempos atravessam fronteiras e séculos, botando medo em quem se dá conta de sua existência. ìndios e escravos; colonizadores e imigrantes; monarquistas e republicanos; parnasianos e modernistas; gente da roça e da cidade. Cada qual com um mito pra chamar de seu.
Por isso, para que não pairem dúvidas sobre as intenções desses meliantes, segue abaixo um julgamento com os acusados. Que ocupem os seus lugares o Curupira, a Pisadeira, o Boto, a Alamoa e o Papa-Figo. Que se percam nas profundezas do esquecimento ou venham à tona na imaginação.
Curupira
Trata-se de uma espécie de duende selvagem que vive nas florestas brasileiras para proteger as matas e os animais. É acusado de participar da mesma gangue de Mboitatá, pois também faz justiça com as próprias mãos contra caçadores e lenhadores. Testemunhas garantem tratar-se de um ser baixinho, com o corpo coberto de pêlos, unhas azuis, olhos injetados de sangue e, não fosse suficiente, com os pés virados para trás.
Suas investidas são cruéis. Ao flagar alguém maltratando animais ou cortando árvores, não pensa duas vezes. Atrai o dito-cujo para lugares inóspitos, de tal maneira que se perca e morra de fome, sede ou cansaço. Pode também permitir que um caçador abata com facilidade um animal, mas quando o sujeito vai buscar a presa, encontra em seu lugar a mulher e os filhos mortos.
Como artifÃcio para ludibriar a Justiça, aproveita que seus pés são virados para trás para confundir os investigadores na hora da fuga. Ao checar as pegadas, sempre acham que foi para o lado contrário do que realmente está. Se vale também de outras identidades, como Caapora, Zumbi e Caiçara.
Há quem diga que ele não persegue quem caça para sobreviver. Pelo contrário, até ajuda. Em troca, claro, de algumas prendas, como fumo, comida e cachaça;
Acusação
ExercÃcio arbitrário das próprias razões. HomicÃdio doloso com qualificadoras (emboscada e meio cruel). Reclusão de 12 a 30 anos. De acordo com o projeto de Lei 270/07, aprovado este ano, as penas para homicÃdio serão aumentadas de um terço à metade se o crime for praticado com a intenção de "fazer justiça pelas próprias mãos".
"O padre José de Anchieta, em 1560, relatou ter visto dezenas de Ãndios mortos nas matas, com sinais de espancamento. E garantiu: "Foi o Curupira"".
Pisadeira
Quer evitar pesadelos? Então não durma de barriga para cima. Este é o conselho de quem garante ter sido atacado pela Pisadeira. A meliante costuma agir em São Paulo e Minas Gerais. Suas vÃtimas preferidas são aquelas que comeram demais antes de dormir. Desce do telhado - seu esconderijo mais usual - e pisa com muita força no peito e na barriga do incauto adormecido, provocando os pesadelos. Há controvérsias sobre a sua aparência. De acordo com alguns, é uma mulher bem gorda. Já o escritor Cornélio Pires forneceu a seguinte descrição da malfeitora: "Essa é uma muié muito magra, que tem os dedos cumprido e seco cum cada unhão! Tem as perna curta, cabelo desgadeiado, quexo revirado pra riba e nari magro munto arcado; sombraceia cerrado e zóio aceso... Quando a gente caba de ciá e vai durmi logo, deitado de costa... a boca do estámo... Purisso nunca se deve dexá as criança durmi de costa". Pelo sim, pelo não, caro amigo... Barriga pra baixo e bons sonhos.
Acusação
Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem. Detenção de três meses a um ano. Se for caracterizado como tortura, passa a ser crime hediondo e inafiançável.
"Uma vÃtima que não quis se identificar lembra os momentos tenebrosos por que passou com a Pisadeira: "Lutei com a velha a noite toda e acordei fatigado. Ela possui uma força espantosa!"".
Boto
Um verdadeiro Don Juan brasileiro. Canalha, boêmio e extremamente sedutor, costuma aparecer em festas de vilarejos ribeirinhos. Basta começar a música e eis que surge o cidadão, não mais com aparência de boto, mas de homem. Sua roupa é alinhada e está sempre de chapéu (com um buraco na parte de cima para respirar melhor). É misterioso, com olhar profundo e desafiador. Tem um bom humor irresistÃvel e um ar de malandro na medida certa. Bebe muito, mas nunca fica bêbado. Sempre sabe o que falar, na ocasião certa e no momento exato.
Dança como ninguém, com um toque macio e sedutor. A moça escolhida fica maluca, pronta para se deixar levar a uma noite de tórrida paixão. E éo que costuma acontecer. Como todo bom cafajeste, porém, o Boto não liga no dia seguinte. Nem manda e-mail. Ainda mais quando a donzela engravida.
Um alerta, porém, precisa ser feito. Não se deve confiar em demasia nas supostas vÃtimas. Há quem garanta que o tal Boto nunca existiu, que é só uma desculpa para justificar a gravidez de moças solteiras. "Juro que não foi o Jurandir, mamãe. Só pode ter sido o Boto!"
Acusação
Não reconhecimento de paternidade. O suposto pai será notificado, e assumirá a paternidade ou contestará a ação. Neste caso será necessário exame DNA para confirmação. Caso não pague a pensão alimentÃcia, pode cumprir pena de reclusão de até três meses.
"O escritor Umberto Peregrino diz ter conhecido uma donzela seduzida pelo acusado, Ao registrar a criança que trazia como lembrança da noite de paixão, perguntaram-lhe de quem seria. "É do Boto."".
Alamoa
A bandidagem está à solta pelo PaÃs. Até regiões distantes e pacatas andam envolvidas em crimes misteriosos. É o caso do arquipélago de Fernando de Noronha, conhecido por suas praias maravilhosas e quase desabitadas. Porém, entre os poucos moradores, há alguns marginais. A mais famosa é a Alamoa, ou Alemoa, uma mulher que vive no alto do morro do Pico, a mil metros de altura.
Ela surge como uma loiraça de parar o trânsito, completamente sem roupa. Seduz os moradores locais e viajantes. Quando o cidadão já está com corações de desenho animado nos olhos, ela se transforma numa horripilante caveira, capaz de matar (literalmente, em alguns casos) o cidadão de susto.
Outra tática da acusada é convencer a vÃtima a acompanhá-la até sua casa, em cima da montanha. No caminho, joga uma conversinha que induz o acompanhante ao suicÃdio. De acordo com historiadores, ela não tem nada de alemã, como sugere o nome. É sim, holandesa, vinda nas embarcações que rumaram a Pernambuco com MaurÃcio de Nassau.
Acusação
Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxÃlio para que o faça. Reclusão de dois a seis anos, caso o suicÃdio se consume. A pena é duplicada se o crime é praticado por motivo egoÃstico. Morte devido a aplicação de um susto se enquadra em homicÃdio culposo. Detenção de um a três anos. Como estrangeira, pode cumprir pena no PaÃs ou sofrer extradição sumária.
"Olavo Dantas narra os expedientes da Alamoa. "O enamorado entra a porta do Pico para fruir as delÃcias daquele corpo fascinante. A ninfa então transforma-se numa caveira baudelairiana. E a pedra logo se fecha atrás do louco apaixonado, que desaparece para sempre.""
Papa-Figo
Ele age do Amapá ao Rio Grande do Sul - do Oiapoque ao ChuÃ, como se diz. Não há um rincão brasileiro onde se esteja livre de seus ataques. É um velhinho comum, sem nenhuma caracterÃstica que o faça ser reconhecido facilmente. Mas sempre carrega um saco à s costas (dizem que é o avô do Homem do Saco, mas não garantimos). O ancião sofre de uma rara e incurável moléstia. Rapta crianças (pra variar, as desobedientes) com a intenção de devorar o fÃgado e assim aplacar sua doença. Por sua idade avançada, costuma contratar parceiros para ajudá-lo na missão. Os capangas agem próximo a escolas e distribuem brinquedos, doces e comidas gostosas para atrair a criançada. Então levam as vÃtimas para o Papa-Figo, que, depois da experiência antropofágica, abandona o corpo junto a uma grande soma de dinheiro, que é para compensar financeiramente a famÃlia.
Acusação
HomicÃdio qualificado (execução cruel). Pena de 12 a 30 anos. Ainda pode responder por formação de quadrilha ou bando. A pena é agravada se a vÃtima tem a confiança do criminoso. Brecha na lei: canibalismo não é considerado crime em caso de extrema sobrevivência.
"Ademar Vidal alerta: "O Papa-Figo restringe sua caça apenas aos meninos malcomportados, desobedientes, teimosos ou chorões". Recomenda-se, porém, não arriscar."
A sentença
O JuÃz do Supremo Tribunal do Folclore, Câmara Cascudo, entra na corte e pede que todos os acusados fiquem de pé. Ele é o maior conhecedor das crenças e costumes brasileiros, e passou as últimas horas ouvindo promotores, testemunhas e réus. Após analisar o caso, está pronto para proferir a sentença. Todos eestçao apreensivos. "Quando comecei meu trabalho de catalogar esses seres, não havia no Brasil qualquer associação que reunisse malucos que amassem o folclore. Fiz o possÃvel para incomodar intensamente amigos e desconhecidos. Mendiguei histórias de bichos e homens assombrosos em todos os Estados", justifica, para em seguida, declarar que o trabalhão valeu a pena. "Reuni uma bicharia fantástica. Prendi todos nos meus livros." A palavra "prendi" faz os cinco acusados tremerem. Mas, com um leve sorriso, Cascudo encerra o suspense: "Estão todos absolvidos. Essas figuras fantásticas deve estar sempre livres no imaginário popular". Comemoração no tribunal. A bicharada respira aliviada, certa de ter ganhado sobrevida na memória dos brasileiros. OU, ao menos, na dos leitores desse texto.
Texto - Bruno Hoffmann.
Fonte: Almanaque Brasil - Número 114. (http://www.almanaquebrasil.com.br/)
Saiba mais:
Site da Sociedade dos Observadores de Saci - http://www.sosaci.org/
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