TODO DIA ERA DIA DE ÍNDIO
FICA PARA DEPOIS, DIA DE ÍNDIO
Foto: Indígenas dormem no plenário do Supremo durante a sessão que deu início ao julgamento da reserva Raposa/Serra do Sol (RR).
Carlos Ayres Britto (http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u438569.shtml) votou pela demarcação da reserva, nas manchetes de sites e telejornais, mas Carlos Alberto Direito (http://www.mundorecord.com.br/play/ea694db8-42e5-468b-8d36-640ee1e3fda7) pediu vista. E frustrou uma crescente cobertura externa, das agências (http://www.reuters.com/article/worldNews/idUSN2750535120080827) à BBC (http://news.bbc.co.uk/2/hi/americas/7583615.stm) e à Al Jazeera (http://english.aljazeera.net/news/americas/2008/08/20088271244897902.html), a emissora árabe. Esta última estava dia 27/08 em Surumu (http://br.youtube.com/watch?v=vKrkFHTRYV0), na entrada da Raposa Serra do Sol, ouvindo índios e o prefeito fazendeiro, que ameaçou reagir se "o governo vier tirar minha terra".
Toda Mídia - Nelson de Sá - Fonte: Folha de S.Paulo - 28/08/08.
JULGAMENTO DE RESERVA INDIGENA
O julgamento do STF (Supremo Tribunal Federal) sobre o destino da reserva indígena Raposa/Serra do Sol, em Roraima, foi interrompido em 27/08, após o relator da ação, ministro Carlos Ayres Britto, votar pela total retirada de não-índios da região e manutenção da demarcação de forma contínua -sem qualquer interrupção na área delimitada.
O autor do pedido de vista que adiou o julgamento foi o ministro Carlos Alberto Direito. Não existe prazo para que Direito apresente seu voto ao plenário, mas terá que respeitar pedido do presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, para que aconteça ainda neste semestre. Devido ao clima de tensão na região, fala-se na retomada do julgamento em meados de outubro.
A demarcação da Raposa/ Serra do Sol é um dos julgamentos mais complexos da história do Supremo.
De um lado estão o governo federal, índios e ONGs que querem a manutenção do decreto de Lula, de 2005, que definiu a reserva numa área contínua de cerca de 1,7 milhão de hectares em Roraima. Arrozeiros que produzem em municípios no interior da reserva, além de políticos do Estado, querem a revogação do decreto ou sua redefinição. Dizem que as terras indígenas ocupam quase 50% de Roraima e que a soberania do Estado estaria em risco.
Ayres Britto demorou mais de três horas para ler o voto de 108 páginas. O ministro se pautou pela defesa aos direitos indígenas, chegando a afirmar que os índios não podem pagar o preço de uma possível omissão do Estado na segurança.
Disse que, diferentemente dos não-índios, a personalidade do povo indígena se caracteriza pela idéia "do não-enriquecimento pessoal à custa do empobrecimento alheio (inestimável componente ético de que a vida social brasileira tanto carece) e de uma postura como que religiosa de respeito, agradecimento e louvor ao meio ambiente".
Em seu voto, Ayres Britto também estabeleceu algumas premissas consideradas importantes, como afirmar que o marco temporal para se considerar a presença de índios e não-índios não deve ser 1988, quando foi promulgada a Constituição, mas anterior, baseado em legislações anteriores que já tratavam de direitos indígenas.
Sobre o argumento do "aculturamento" dos índios, Ayres Britto afirmou que o fato não é negativo e exige dos não-índios a "humildade para reconhecer que esse convívio é uma verdadeira estrada de mão dupla".
Afirmou que tal convívio possibilita o surgimento da "santa rebeldia cívica de um Tiradentes quanto o mais refinado engenho tecnológico de um Santos Dumont, em par com a mais desconcertante ousadia estética de um Tom Jobim, um Garrincha, um Manoel de Barros, um Oscar Niemeyer, uma Daiane dos Santos".
Enquanto proferia seu voto, índios e agricultores acompanhavam atentos, de dentro do plenário do Supremo. Após o pedido de vista, um dos índios presentes revelou que, durante a sessão foi feita uma reza para "evocar macunaíma".
Dias antes do início do julgamento, ministros já afirmavam nos bastidores que um pedido de vista seria "inevitável", caso Ayres Britto apresentasse um voto considerado "radical". A tendência prevista por boa parte dos ministros era adotar uma postura intermediária, mantendo a reserva praticamente intacta, mas isolando algumas partes consideradas importantes para a economia local.
Ainda faltam dez votos. Ministros disseram reservadamente à Folha, porém, que o voto de Ayres Britto "levantou muita poeira" e que o pedido de vista é "muito importante".
Felipe Seligman/Fernanda Odilla - Fonte: Folha de S.Paulo - 28/08/08.
DIA DO ÍNDIO NO SUPREMO
Dia 27/07, foi Dia do Índio no Supremo Tribunal Federal (STF). Nada impede que mais à frente o julgamento da demarcação da Terra Indígena Raposa/Serra do Sol (TIRSS) acabe num Dia do Arrozeiro, mas tal desfecho parece agora menos provável.
O voto do relator Carlos Ayres Britto veio com ímpeto demolidor. Britto não se limitou a declarar a improcedência da ação popular. Tratorou, um por um, os débeis argumentos alinhavados na ação movida no interesse de meia dúzia de fazendeiros de arroz.
Para o relator, não faz sentido falar em subtração de áreas a uma unidade da Federação, pois os índios já estavam lá antes da criação do Estado de Roraima. Seu direito à terra é originário, reza a Constituição. Os rizicultores só multiplicaram plantações depois de 1992, mas o processo de demarcação começou em 1977. Os índios foram enxotados e escorraçados, no que descreveu como "espremedura topográfica".
Terras indígenas não são territórios, deixa claro a Constituição. Ela é que garante seu usufruto pelos índios brasileiros, que não precisam de uma Declaração Universal dos Direitos dos Povos Indígenas. Demarcação e homologação são meros atos declaratórios, reconhecimento de um direito preexistente.
O laudo antropológico que atesta a ocupação contínua e pacífica pelas cinco etnias não merece ser qualificado como fraude ou generalidade. Toda a metodologia prescrita na legislação foi seguida. O contraditório e o direito de defesa foram amplamente exercidos.
Índios não atrapalham o desenvolvimento. Não impedem a defesa de fronteiras -ao contrário. E por aí foi...
O ponto alto do relatório, porém, foi o reiterado elogio à generosidade da Constituição de 1988 com os índios. Britto afirmou que ela se encontra na vanguarda mundial por "não antagonizar colonização e indigenato" e pautar-se por um espírito fraternal e solidário, contra o "ignominioso preconceito" antiindígena.
Encarando de frente aqueles que vêem nos índios um sinônimo de atraso, disse que a Constituição nos redime perante nós mesmos de uma insensatez histórica, só comparável à escravidão. Disse mais: que nos índios está o primeiro elo da identidade nacional. E que o "doravante" de Roraima não apaga o seu "desde sempre".
Era tudo que os "civilizados com aspas" não queriam ouvir. Carlos Alberto Menezes Direito pediu vistas. O Dia do Arrozeiro fica adiado, e pode talvez nunca chegar.
Marcelo Leite - Fonte: Folha de S.Paulo - 28/08/08.
OCUPAR AS FRONTEIRAS
O acalorado debate em torno da demarcação das terras indígenas no Brasil seria menos belicoso se o Itamaraty tivesse se recusado a endossar, no ano passado, a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas. O documento contém disposições que afrontam a Constituição brasileira e, portanto, não têm força de lei interna. Serve, contudo, para confundir a discussão.
O acervo constitucional brasileiro não abriga o conceito de "povos" nem de "nações" indígenas. A lei fundamental admite apenas uma nação, um território e uma população, a brasileira.
O texto da ONU, no entanto, trata os "povos indígenas" como sujeitos universais de direitos e vai além: prescreve, no artigo 3º, a sua "autodeterminação". Esses povos, continua o documento, "determinam livremente sua condição política".
Dois minutos de reflexão bastariam para concluir que tal afirmação de princípios não agride apenas a Constituição brasileira, mas a tradição que consagrou o protagonismo dos Estados modernos. A autodeterminação dos povos não se define com base em raças ou etnias. Trata-se da afirmação de uma comunidade de natureza política, que passa a exercer o governo legítimo sobre um determinado território.
Estados Unidos, Canadá, Austrália e Nova Zelândia -países onde a questão indígena é importante- perceberam a esparrela e não assinaram a declaração da ONU. Evitaram importar uma polêmica inútil para dentro de suas fronteiras.
Outro ponto insustentável na declaração das Nações Unidas é o que restringe ações militares em terras indígenas. As áreas ocupadas por índios no Brasil são propriedade da União e, para fins de defesa nacional, estão sujeitas à presença permanente das Forças Armadas.
Na fronteira, definida como a faixa de 150 km até a divisa com outros países, a presença militar é mandatória. Na Amazônia, ela deveria ser ainda mais reforçada, com maior deslocamento de contingentes hoje baseados no sul do país.
A Carta de 1988 é cuidadosa a respeito dos direitos dos índios. Não emprega, por exemplo, os termos "reserva" -de conotação fechada, autonomista- e "propriedade" para designar a terra indígena e a relação jurídica que com ela mantêm os índios. O decreto presidencial, contestado no Supremo Tribunal Federal, que homologou a terra indígena Raposa/Serra do Sol, em Roraima, manteve-se na linha prescrita pela lei fundamental.
Mas o Itamaraty resolveu dar a sua contribuição para uma celeuma gratuita a respeito do assunto. Assinar documentos internacionais que contrariam a Constituição do país é um erro diplomático elementar.
Editoriais - Fonte: Folha de S.Paulo - 30/08/08.
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