O LIVREIRO DO ALEMĂO
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BIBLIOTECA NA FAVELA
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http://leredezleiafavela.blogspot.com/
Com um acervo de quase quatro mil livros, OtĂĄvio Jr., morador da Vila Cruzeiro, no Rio, abre a primeira biblioteca do Complexo do AlemĂŁo.
Ele quase virou jogador de futebol. Foi por pouco que a trajetĂłria de OtĂĄvio Jr. nĂŁo repetiu a saga de muitos meninos de comunidades carentes do PaĂs. A habilidade com a bola foi rapidamente substituĂda pelo amor Ă s letras. Sorte dele e dos quase 150 mil moradores dos Complexos do AlemĂŁo e da Penha, favelas do Rio de Janeiro que ficaram marcadas pela invasĂŁo de forças de segurança no final do ano passado, dando fim ao impĂ©rio dos traficantes. Em vez de amargar nas peneiras dos grandes times, sonhando ser um novo craque, OtĂĄvio Jr. se tornou um obstinado difusor da leitura. HĂĄ seis anos, ele criou o projeto Ler Ă© 10 â Leia Favela, uma biblioteca itinerante que circula pelos dois complexos. Agora, com o apoio de duas grandes organizaçÔes, ele estĂĄ transformando um antigo forrĂł local em uma biblioteca fixa que contarĂĄ com um acervo de quase quatro mil livros, fruto de doaçÔes de editoras e de colaboradores. O carioca de 27 anos tambĂ©m Ă© um aspirante a escritor. Na semana passada, ele lançou seu primeiro livro, âO Livreiro do AlemĂŁoâ (Panda Books), no qual conta sua trajetĂłria.
Nascido e criado na Vila Cruzeiro, de onde saiu o jogador Adriano, OtĂĄvio se apaixonou por literatura quando, ainda menino, encontrou um saco de lixo cheio de brinquedos. Enquanto os amigos se digladiavam pelos achados, ele viu uma edição velha e surrada do livro infantojuvenil âDon GatĂłnâ. Foi abduzido para o mundo das letras, de onde nunca mais voltou. Dali em diante, saiu pela vizinhança pedindo livros emprestados. Paralelamente, começou a escrever. Sobretudo quando o fogo cruzado entre traficantes e policiais ficava intenso no morro. Enquanto sua biblioteca particular crescia, OtĂĄvio começou a escrever peças teatrais que ele mesmo representava em escolas da regiĂŁo. Cobrava uma entrada modesta, de R$ 1, e exercitava sua verve artĂstica. No final do mĂȘs, ganhava uns trocos e ajudava a mĂŁe com as despesas.
O desejo de se tornar escritor o fez tomar atitudes ousadas, como ir atĂ© a casa de autores como Ziraldo e mandar suas histĂłrias para as editoras. Ouviu muito nĂŁo e levou porta na cara atĂ© o dia em que um gentil dono de grĂĄfica topou rodar seu livreto gratuitamente. Por causa de sua ambição â fazer sua comunidade ler â, OtĂĄvio jĂĄ participou de dezenas de eventos literĂĄrios, viajou por paĂses da AmĂ©rica do Sul e dĂĄ palestras em todo o paĂs. Seu maior orgulho, entretanto, Ă© ter introduzido a leitura na vida de dez mil crianças e adolescentes. Em sua missĂŁo quixotesca, consegue Ăndices de leitura acima da mĂ©dia nacional. âEnquanto o brasileiro lĂȘ quatro livros por ano, hĂĄ crianças aqui lendo isso em uma semanaâ, orgulha-se.
No ano passado, durante a invasĂŁo no complexo, OtĂĄvio deixou os recortes de jornal com reportagens sobre seu trabalho em cima da mesa caso alguĂ©m invadisse sua casa. âSe eles vissem meus computadores e equipamentos, podiam facilmente achar que era tudo roubadoâ, diz. Hoje, celebra, a comunidade dorme em paz. E, no que depender dele, ao embalo de algum conto de fadas ou Ă©pico literĂĄrio.
Débora Rubin - Fonte: Isto à - Edição 2158.
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