RIO DE JANEIRO
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O GRANDE PERSONAGEM DO ANO
O grande personagem brasileiro de 2010 nĂŁo Ă© Dilma nem Lula. NĂŁo Ă© um polĂtico, nem um empresĂĄrio, nem um acadĂȘmico, nem um cientista, nem um esportista. NĂŁo Ă© uma pessoa nem uma instituição, mas a cidade do Rio.
A cidade se transformou num cenårio cinematogråfico, no qual se fundem ficção e realidade. A ficção do filme "Tropa de Elite 2" se misturou com a realidade das ruas, quando os policiais tomaram territórios controlados por marginais como se estivessem expulsando uma força de ocupação estrangeira.
Por ter mergulhado tĂŁo fundo na corrupção, na incompetĂȘncia e na violĂȘncia, o Rio virou uma vitrine, capaz de ajudar a desenhar soluçÔes para as grandes cidades, onde, como mostrou o IBGE na semana passada, a regra Ă© o medo.
NĂŁo estou dizendo que a situação seja boa -longe disso, aliĂĄs-, mas que a cidade se converteu numa incubadora de tecnologias comunitĂĄrias, cujo resultado, como jĂĄ se vĂȘ, embora ainda timidamente, Ă©, alĂ©m de menos violĂȘncia, mais estĂmulos ao empreendedorismo, o que significa mais empregos e salĂĄrios. Empresas correm para ganhar clientes nos morros, quase a descoberta de uma nova fronteira. O Rio bateu, em novembro, recorde de geração de empregos formais, o que Ă© explicado, em parte, pelo clima de segurança.
Nenhuma ação executada ali Ă© nova. O policiamento comunitĂĄrio jĂĄ Ă© feito hĂĄ muito tempo em SĂŁo Paulo, onde a taxa de homicĂdios despencou 20% desde o final da dĂ©cada de 1990.
Melhorias urbanas para atacar a violĂȘncia, gerando um senso de pertencimento, sĂŁo empregadas com bons resultados em BogotĂĄ ou MedellĂn, onde se criou uma rede gigantesca de bibliotecas em torno de um sistema de transporte pĂșblico decente.
Lugares como Boston, Nova York e Chicago exibem um histĂłrico de controle da violĂȘncia e implementação de polĂticas sociais dentro e fora da escola.
Os vĂĄrios ingredientes provocaram esse inĂcio de reviravolta no Rio, que se deu por causa de um inusitado acordo, que envolve os governos federal, estadual e municipal. Some-se a isso uma intensa participação da comunidade, a começar das empresas. Muitos dos recursos para o combate ao crime vieram da iniciativa privada.
DaĂ se vĂȘ -e essa Ă© uma lição vital- como se gasta melhor o dinheiro pĂșblico quando hĂĄ articulação entre os vĂĄrios nĂveis de governo.
A decisĂŁo de entrar para "vencer ou vencer" nĂŁo seria possĂvel sem essa aliança.
Essa combinação abre uma extraordinĂĄria dimensĂŁo de possibilidades. Em muitas ĂĄreas em que se instalaram as UPPs, vieram tambĂ©m iniciativas da prefeitura. Uma delas foi o bairro-educador, um modelo para integrar escola, famĂlia e comunidade. Isso implicou, nas regiĂ”es mais vulnerĂĄveis, uma teia de parcerias que deixou a criança mais tempo em atividades educativas e culturais e, Ă© claro, menos tempo nas ruas.
O governo estadual começou a mapear todas as açÔes que existem em cada comunidade, percebendo, aliĂĄs, um festival de desperdĂcios. A ideia Ă© fazer as conexĂ”es de pontos, numa rede que una educação, saĂșde, cultura e geração de renda a obras de infraestrutura.
Um grupo de empresĂĄrios obcecados por eficiĂȘncia administrativa -Jorge Gerdau e Beto Sicupira, entre muitos outros- ajudou a bancar programas de gestĂŁo. Chamaram um dos maiores especialistas brasileiros em gestĂŁo, o professor Vicente Falconi. Surgiu um projeto de metas para a segurança, com o pagamento aos policiais baseado no desempenho. Para o prĂłximo ano, o bĂŽnus irĂĄ tambĂ©m para os professores.
Obviamente sei que os problemas sĂŁo profundos: a misĂ©ria Ă© enorme, a corrupção policial Ă© gigantesca. HĂĄ centenas de milhares de jovens que, por causa da baixa escolaridade, tĂȘm escassas possibilidades de emprego. SaĂșde e educação sĂŁo ruins. SerĂŁo necessĂĄrias geraçÔes de investimentos para que se tenha, em muitos territĂłrios, um mĂnimo de decĂȘncia.
Mas o Rio mostrou, em 2010, que nĂŁo era um caso perdido e que poderia construir um ambiente mais civilizado. NĂŁo se conseguia imaginar um Brasil desenvolvido com uma cidade daquele porte tomada pela delinquĂȘncia.
Qual serå o ritmo dos avanços não då para saber. Haverå ainda muitos tombos e retrocessos. Mas, de tudo o que vimos neste ano, nada foi tão pedagógico sobre como construir o futuro como o que vimos no Rio de Janeiro.
PS- Um dos principais responsĂĄveis pela reviravolta do Rio, o governador SĂ©rgio Cabral acrescentou Ă sua biografia a coragem de se expor tambĂ©m em temas tabus, como a legalização da maconha e o aborto. Colocou a saĂșde pĂșblica acima do moralismo e do preconceito.
Gilberto Dimenstein (www.dimenstein.com.br/) - - Fonte: Folha de S.Paulo - 19/12/10.
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