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COLUNA DO CANALHA - 14/11/2010

VALE-TUDO
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VALE-TUDO

Num paÃs que jÃ¡ estÃ¡ se tornando "vale-dependente", mais um programa de distribuiÃ§Ã£o direta de dinheiro, desta vez para a cultura, tem avaliaÃ§Ã£o favorÃ¡vel quase unÃ¢nime, segundo pesquisa do Datafolha, realizada em parceria com a produtora cultural J. Leiva. Se aprovado no Congresso, serÃ¡ o primeiro vale da gestÃ£o Dilma Rousseff.
Entre os ouvidos pelo Datafolha, 92% dÃ£o ao programa notas que variam de 5 a 10; 60% dÃ£o a nota mÃ¡xima. Ã‰ um inegÃ¡vel sucesso de opiniÃ£o, mas carrega um risco monumental de desperdÃcio.
A pesquisa mostra que os grandes beneficiÃ¡rios da distribuiÃ§Ã£o serÃ£o as duplas sertanejas. Entre os mais pobres, comprar livros estÃ¡ longe das prioridades, pouco acima de rodeio. BalÃ© vem em Ãºltimo lugar, quase empatado com os museus.
Podem me chamar de elitista, mas a pergunta Ã© inevitÃ¡vel: seria correto drenar dinheiro pÃºblico da cultura para as milionÃ¡rias duplas sertanejas e para os rodeios?
FaÃ§o a pergunta motivado, em parte, por duas questÃµes da semana: 1) o relatÃ³rio do IDH (Ãndice de Desenvolvimento Humano), que mostra como vai mal a nossa educaÃ§Ã£o mesmo comparada Ã de paÃses pobres; 2) a crescente articulaÃ§Ã£o para aprovaÃ§Ã£o de mais um imposto, restabelecendo a CPMF.
De acordo com a pesquisa do Datafolha e da J. Leiva, as pessoas usariam o dinheiro pÃºblico -algo em torno de R$ 3 bilhÃµes- para, em primeirÃssimo lugar, ouvir CDs. Na cidade de SÃ£o Paulo, sobretudo de mÃºsica sertaneja. Depois, pela ordem, viriam cinemas e DVDs.
Para os pobres -os mais necessitados de um repertÃ³rio cultural-, as preferÃªncias, alÃ©m de sertanejo, sÃ£o pagode, funk, gospel e samba. ZezÃ© Di Camargo e Luciano, Bruno e Marrone, Leonardo, Daniel, Roberto Carlos, Zeca Pagodinho e Calypso, nessa ordem, sÃ£o os mais citados.
Alguns leitores podem me tachar de elitista, mas o que estÃ¡ em jogo Ã© o uso de dinheiro pÃºblico para patrocinar um repertÃ³rio artÃstico de viÃ©s comercial.
Estudos em todo o mundo indicam que um dos diferenciais para explicar o desempenho dos estudantes Ã© o que hoje se chama de "capital cultural". Ã‰ algo farto para os ricos, cujos filhos vÃ£o a museus e tÃªm biblioteca em casa. Escolas pÃºblicas que se destacam exibem, alÃ©m de foco na leitura, atividades extracurriculares voltadas Ã s artes, ou seja, oferecem chance de expressÃ£o e de encantamento com o belo. Num ambiente pedagÃ³gico, rap, pagode, funk, qualquer estilo pode ter um efeito tÃ£o forte quanto o de um jovem tocando numa orquestra.
O baixo capital cultural Ã© uma das explicaÃ§Ãµes para o fato de estarmos, segundo o IDH divulgado na semana passada, tÃ£o mal na questÃ£o da educaÃ§Ã£o, mesmo em comparaÃ§Ã£o com naÃ§Ãµes da AmÃ©rica Latina de renda inferior Ã nossa.
NÃ£o seria melhor aplicar os R$ 3 bilhÃµes em programas culturais voltados a alunos de escolas pÃºblicas?
O paÃs estÃ¡ razoavelmente atento Ã corrupÃ§Ã£o, tema tratado diariamente na imprensa, mas pouco conhece dos desperdÃcios, que custam muito mais caro do que a roubalheira.
Um dos mais fÃ©rteis estudiosos brasileiros das questÃµes sociais, o economista Ricardo Henriques, secretÃ¡rio de AssistÃªncia Social do Estado do Rio, estÃ¡ mapeando os serviÃ§os pÃºblicos oferecidos Ã s comunidades mais pobres. Notou que boa parte deles sÃ³ existe no papel e que outra parte nÃ£o funciona. Poucos dos que funcionam dialogam com serviÃ§os de outras secretarias. Quanto tempo duraria uma empresa que funcionasse assim? Depois se pergunta por que as milÃcias e os traficantes tÃªm tanta forÃ§a.
A diferenÃ§a Ã© que o governo tem sempre o "cliente" pagando, goste ou nÃ£o do serviÃ§o. Ã‰ espantoso como quase ninguÃ©m sabe que, apenas no custeio das aposentadorias de servidores pÃºblicos, sÃ£o gastos R$ 40 bilhÃµes por ano, o que equivale a mais de trÃªs vezes a Bolsa FamÃlia.
Os governantes dizem que contratam mais para prestar melhores serviÃ§os, mas nÃ£o sabemos como isso funciona de fato. Ã‰ um vale-tudo.
Na falta de dinheiro para a saÃºde, em vez de cortar gastos, ataca-se o bolso do "cliente" -e volta a CPMF. SaÃmos da campanha eleitoral com tantas promessas e voltamos Ã realidade de pagar mais impostos. Nesse contexto, o vale-cultura atÃ© que cai bem. Serve de circo.
PS- Coloquei no meu site (www.dimenstein.com.br) os dados do Datafolha que sustentam esta coluna.
Gilberto Dimenstein - Fonte: Folha de S.Paulo - 07/11/10.
A pesquisa:
http://catracalivre.folha.uol.com.br/wp-content/uploads/2010/11/paulistanos_musica.ppt#258,1,Slide 1