TURMAS PRONTAS PARA HORA DA VIRADA DO ANO...
AI AI AI AI, TÃ CHEGANDO A HORA...
Brasil - operário trabalha na montagem de palco para a festa da virada de ano na praia de Copacabana, no Rio de Janeiro.
Fonte: Terra - 2/12/07.
ORAÇÃO A MIM MESMO (Oswaldo Antônio Begiato)
Que eu me permita olhar e escutar e sonhar mais. Falar menos. Chorar menos.
Ver nos olhos de quem me vê a admiração que eles me têm e não a inveja que prepotentemente penso que têm.
Escutar com meus ouvidos atentos e minha boca estática, as palavras que se fazem gestos e os gestos que se fazem palavras.
Permitir sempre escutar aquilo que eu não tenho me permitido escutar.
Saber realizar os sonhos que nascem em mim e por mim e comigo morrem por eu não os saber sonhos.
Então, que eu possa viver os sonhos possÃveis e os impossÃveis; aqueles que morrem e ressuscitam a cada novo fruto, a cada nova flor, a cada novo calor, a cada nova geada, a cada novo dia.
Que eu possa sonhar o ar, sonhar o mar, sonhar o amar, sonhar o amalgamar.
Que eu me permita o silêncio das formas, dos movimentos, do impossÃvel, da imensidão de toda profundeza.
Que eu possa substituir minhas palavras pelo toque, pelo sentir, pelo compreender, pelo segredo das coisas mais raras, pela oração mental (aquela que a alma cria e que só ela, alma, ouve e só ela, alma, responde).
Que eu saiba dimensionar o calor, experimentar a forma, vislumbrar as curvas, desenhar as retas, e aprender o sabor da exuberância que se mostra nas pequenas manifestações da vida.
Que eu saiba reproduzir na alma a imagem que entra pelos meus olhos fazendo-me parte suprema da natureza, criando-me e recriando-me a cada instante.
Que eu possa chorar menos de tristeza e mais de contentamentos.
Que meu choro não seja em vão, que em vão não sejam minhas dúvidas.
Que eu saiba perder meus caminhos mas saiba recuperar meus destinos com dignidade.
Que eu não tenha medo de nada, principalmente de mim mesmo:
- Que eu não tenha medo de meus medos!
Que eu adormeça toda vez que for derramar lágrimas inúteis, e desperte com o coração cheio de esperanças.
Que eu faça de mim um homem sereno dentro de minha própria turbulência, sábio dentro de meus limites pequenos e inexatos, humilde diante de minhas grandezas tolas e ingênuas (que eu me mostre o quanto são pequenas minhas grandezas e o quanto é valiosa minha pequenez).
Que eu me permita ser mãe, ser pai, e, se for preciso, ser órfão.
Permita-me eu ensinar o pouco que sei e aprender o muito que não sei, traduzir o que os mestres ensinaram e compreender a alegria com que os simples traduzem suas experiências; respeitar incondicionalmente o ser; o ser por si só, por mais nada que possa ter além de sua essência, auxiliar a solidão de quem chegou, render-me ao motivo de quem partiu e aceitar a saudade de quem ficou.
Que eu possa amar e ser amado.
Que eu possa amar mesmo sem ser amado, fazer gentilezas quando recebo carinhos; fazer carinhos mesmo quando não recebo gentilezas.
Que eu jamais fique só, mesmo quando eu me queira só.
Amém.
(Colaboração: Tadeu - Curitiba)
O "HOMEM DE VERÃO"
O sujeito está de pança cheia ainda. A ceia deve ter sido uma orgia gastronômica em que vagamente alguém -é provável que tenha sido a tia católica mais ou menos praticante- lembrou o aniversariante assim: "Vamos fazer uma oração pelo Menino".
E mal chegou a ecoar o nome quando a turma já se atracava com as partes mais tenras da carne, um peru agigantado. Uma prima -mocinha não-católica, porém praticante de um monte de coisas mais antigas do que ser cristão- tascou no aparelho de som um CD da Pitty, que abafou qualquer ruÃdo de mastigação e talheres. A tia ficou no vácuo, "nhac nhac" mastigou também, pensando na vida eterna. Amém.
O sujeito agora toma um chope num quiosque em frente à VinÃcius de Moraes, protegido pela rua do alvoroço que segue na casa lotada de parentes. Quer nem pensar em comida, embora a geladeira guarde muitas sobras. Alimenta-se hoje somente do "pão lÃquido". Copo a copo, a gelada o transforma. Rapidamente, como se dão as metamorfoses quase imperceptÃveis, ele vira o "homem de verão".
O macho dessa estação é diferente: temperatura do corpo e temperamento mais quentes, atiçado por estÃmulos vários que surgem com o calorão. Os relógios digitais marcam uma calamidade pública, há preguiça e delÃrio em cada centÃmetro da areia. Nesse clima o macho da estação cita letras de sambas e rocks, bebe chopes e paquera meninas. Ele sabiamente tira férias nesse perÃodo. Ele é simples e feliz enquanto ignora tanto crime besta e coisa feia da politicalha que sai nos jornais.
O "homem de verão" observa de seu camarote, o quiosque: o calor traz de novo as olhadelas com hora marcada no calçadão. Não que o inverno as impeça totalmente, mas de fato a turma migra para as esteiras de academias quando esfria e chove. Nas academias, as olhadelas se dão através dos espelhos que cercam as pessoas por toda a parte.
Na rua, o esquema é outro: alguém passa trajando malhas justas em cores cÃtricas e uma camiseta do Busch Gardens, talvez. Enquanto corre, dribla poodles que usam tênis nas quatro patas e velhotas de cabelo azulado e, então, cruza o olhar com o seu, inesperadamente. É a versão acelerada do antigo "footing", prática de paquera confinada à s pracinhas de cidades do interior do Brasil na distante década de 1930.
Sua paquera de calçadão pode estar equipada de pequenos fones de iPod enterrados nos ouvidos, seus saudáveis encontros têm trilha sonora pessoal. Sempre se cruzam no mesmo horário na praia, correndo pra lá, correndo pra cá.
Até que um dia a parada para a água de coco ocorre sincronizada e, curiosamente, no mesmo quiosque da orla. O par feito no "footing" finalmente troca telefones. O "homem de verão" assiste à cena e se lembra vagamente de ter em casa uma mulher a sua espera. Mas a noção logo evapora, ele se torna um desmemoriado. Já nem se lembra do Natal e não pensa no Réveillon, a cabeça mergulhada no viço ostensivo da praia, que vai durar até bem depois do Carnaval.
CecÃlia Giannetti - Fonte: Folha de S.Paulo - 25/12/07.
DOIS MIL E SETE. ÚLTIMO DECÃLOGO
I Todos os caminhos continuam levando a Roma. O problema, agora, é o engarrafamento.
II Se você conseguir dispensar o indispensável, suportar o insuportável e amar o odioso, você tornará possÃvel o impossÃvel.
III A maioria silenciosa estará para a minoria estridente assim como a minoria excêntrica está para a maioria concêntrica.
IV Não espere nada DELE. Quando LHE disseram que o ser humano tinha sido feito à SUA semelhança, ELE se ofendeu e disse que nunca mais pisa aqui.
V Não faça experiências filosóficas suspeitas. Todos sabemos, teoricamente, que a queda de um corpo do alto de um edifÃcio (ou montanha) multiplica ene vezes a percepção do cadente da altura de que cai. Mas só a partir de uma altura em que a queda é fatal ao indivÃduo projetado. Donde a impossibilidade de provar empiricamente a teoria.
VI O paÃs estará até aqui de psicanalistas. E ainda mais de analistas.
VII No inÃcio do século passado artistas criaram a arte não-figurativa. Estamos bem perto de criar a natureza desfigurada.
VIII E seja otimista – quanto mais tempo você esperar a condução, mais perto ela estará de chegar.
IX Vivo fosse Millôr Fernandes, em 2008, completaria 15 anos de idade.
X E fique tranqüilo: não existe happy end.
Millôr - Fonte: Veja - Edição 2040.
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