200 ANOS DA ABERTURA DOS PORTOS NO BRASIL
A CHEGADA DA FAMĂLIA REAL
Cena da chegada da famĂlia real portuguesa Ă Bahia em ilustração de Spacca para o recĂ©m-lançado "D.JoĂŁo Carioca" (Companhia das Letras).
COMO FOI A ESCALA EM SALVADOR, PRIMEIRA PARADA DA FAMĂLIA REAL PORTUGUESA NO BRASIL EM 1808
13 de janeiro de 1808: O navio Medusa, avariado pelas tempestades que desviaram da rota parte da esquadra portuguesa, chega a Recife, dando notĂcia de que dom JoĂŁo 6Âș se aproxima do continente. Enquanto isso, a outra parte dos navios segue diretamente para o Rio de Janeiro;
16 de janeiro: Com nĂvel baixo de suprimentos, a frota de dom JoĂŁo 6Âș, escoltada por navios britĂąnicos, ruma a Salvador, que nĂŁo fazia parte do roteiro original da viagem. Em alto-mar, um brigue enviado pelo governador de Pernambuco leva mantimentos para a famĂlia real -a principal atração sĂŁo frutas tropicais como a pitanga e o caju;
22 de janeiro: Depois de 54 dias no mar, a famĂlia real chega a Salvador. O governador da Bahia, JoĂŁo Saldanha da Gama, vai ao encontro do navio PrĂncipe Real, em que viaja dom JoĂŁo 6Âș, para saudĂĄ-lo;
23 de janeiro: Por volta das 16h, o prĂncipe regente desce Ă terra firme com seu sĂ©quito. A nobreza Ă© recebida com festa improvisada, caracterizada principalmente por uma procissĂŁo de carruagens com a famĂlia real sob o som dos sinos de igrejas da regiĂŁo;
28 de janeiro: Dom JoĂŁo 6Âș assina a carta rĂ©gia que abre os portos do Brasil Ă s naçÔes amigas, permitindo que a colĂŽnia importe de paĂses estrangeiros e exporte -com restriçÔes, como o pau-brasil- a produção local;
18 de fevereiro: O prĂncipe regente determina a criação da Escola MĂ©dico-CirĂșrgica, em Salvador;
26 de fevereiro: A frota real parte em direção ao Rio de Janeiro. Na estada na Bahia, dom João autorizou a instalação de manufaturas, passeou por plantaçÔes, pernoitou na ilha de Itaparica e recebeu convites das autoridades nordestinas para implantar ali a sede do Império. Enquanto seu filho Pedro -então com nove anos- o acompanhava em suas viagens, a princesa Carlota Joaquina passou a maior parte do tempo no centro de Salvador;
7 de março: Dom JoĂŁo 6Âș chega ao Rio de Janeiro. A maior parte dos cortesĂŁos que haviam aportado um mĂȘs antes continua instalada nos navios, aguardando ordens do prĂncipe;
8 de março: O prĂncipe regente finalmente desembarca no Rio com os outros membros da famĂlia real, exceto a rainha Maria que, doente, permanece a bordo, descendo do navio somente no dia seguinte.
Fontes: "A Longa Viagem da Biblioteca dos Reis, de Lilia Moritz Schwarcz (Companhia das Letras), e "Império à Deriva", de Patrick Wilcken (Objetiva).
DIA 22/01/08, COMPLETARAM-SE 200 ANOS DO DESEMBARQUE DE D. JOĂO 6Âș EM SALVADOR, ONDE O REGENTE ABRIU OS PORTOS DO BRASIL E PASSEOU COM O FILHO PEDRO NA ILHA DE ITAPARICA.
BAHIA LEMBRA OS 200 ANOS
Trajando uniformes da Ă©poca, um grupo de fuzileiros navais fez em 22/01 um desembarque simbĂłlico no porto de Salvador para comemorar os 200 anos da chegada de d. JoĂŁo 6Âș Ă Bahia.
Leia mais e veja foto dos fuzileiros navais e do navio "Cisne Branco", réplica de uma embarcação do século 19:
http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u366053.shtml
Fonte: NewsBot - 22/01/08.
TERRA Ă VISTA
A grande temporada brasileira do soberano portuguĂȘs foi no Rio, mas a estrĂ©ia foi em Salvador. Semana passada, mais especificamente na terça-feira, dia 22, completaram-se 200 anos da chegada de dom JoĂŁo 6Âș ao Brasil, onde aportou inicialmente na Bahia, antes de rumar para o exĂlio mais ao Sul.
Tirante todo o folclore em torno a essa escala de mais de mĂȘs feita na capital baiana, da apoteose das solenidades festivas sempre com aura religiosa, como as procissĂ”es, missas, beija-mĂŁos, onde o povo expressara seus vivos sentimentos de devota vassalagem ao soberano -a quem desejaram as elites soteropolitanas fazer ali fixar residĂȘncia definitivamente, inclusive ofertando-lhe a construção de um magnĂfico palĂĄcio, jamais erigido-, o fato mais significativo da passagem do dirigente portuguĂȘs por terras baianas foi a carta rĂ©gia de 28 de janeiro de 1808.
Dirigida ao conselheiro do rei e governador e capitĂŁo-general da Bahia, o conde da Ponte, decretavam-se abertos os portos do Brasil ao comĂ©rcio direto com naçÔes estrangeiras amigas do Estado portuguĂȘs. NĂŁo Ă© raro tomar esse ato de dom JoĂŁo, cuja autoria intelectual atribui-se ao distinto baiano JosĂ© da Silva Lisboa, visconde de Cairu, como o marco zero da fundação da nacionalidade brasileira, pois que encerrou o velho sistema exclusivista da Ă©poca colonial e franqueou a instituição do liberalismo econĂŽmico no Brasil.
Quer-se ter Cairu como a mente iluminada de uma casta de homens de governo, empreendedores e intelectuais que, jå desde a colÎnia, pretendiam retirar o Brasil do colonialismo agrårio exportador para colocå-lo nos rumos do desenvolvimento industrial, o que implicava, antes de mais nada, a liberação do comércio.
De fato, como demonstram seus "PrincĂpios de Direito Mercantil" (1798) e "PrincĂpios de Economia PolĂtica" (1804), Cairu era leitor dos economistas clĂĄssicos (particularmente devoto Ă s teses de Adam Smith) e teve, sem contestação, grande ascendĂȘncia nas medidas liberalizantes postas em prĂĄtica entre 1808 e 1810.
Nas interpretaçÔes correntes, a abertura dos portos costuma ser atribuĂda, entre outros, a dois fatores: a pressĂŁo da Inglaterra e a ascendĂȘncia decisiva de Cairu, espelhando os interesses nativos, sobre as decisĂ”es do prĂncipe.
De fato, a economia local carecia de um respiro diante da situação de asfixia provocada pelas medidas draconianas da administração portuguesa que haviam desmantelado os lampejos industrialistas do final do sĂ©culo 18 por meio de vĂĄrias sançÔes. Entre elas a que mandava extinguir as manufaturas tĂȘxteis locais "pela brandura ou pela violĂȘncia".
Assim que chegou, dom JoĂŁo 6Âș suspendeu essas medidas. Ă Inglaterra sem dĂșvida interessava nĂŁo uma "abertura geral", mas o controle sobre a colĂŽnia de Portugal. Os nĂșmeros o explicam: metade das exportaçÔes portuguesas para o exterior era de produtos brasileiros e 80% das exportaçÔes (grande parte de produtos ingleses) de Portugal para suas colĂŽnias tinha o Brasil como destino.
Em 1796, sĂł o Brasil fornecia a Lisboa 85% de suas importaçÔes coloniais, nĂșmero que chegou aos 88% em 1806. Seria um desastre para a Inglaterra que esse mercado caĂsse nas mĂŁos dos franceses.
A Inglaterra tinha de fato vigorosos interesses colonialistas em relação ao Brasil. JĂĄ em 1803, na memĂłria em que dom Rodrigo de Sousa Coutinho aconselha o regente a migrar para cĂĄ, o estadista afirma textualmente que, caso o reino caĂsse em mĂŁos francesas, a Inglaterra nĂŁo hesitaria em tomar-lhe suas colĂŽnias. Corrobora suas suspeitas a convenção secreta assinada em outubro de 1807 pelo ministro dos estrangeiros, lorde Canning e o marquĂȘs de Funchal, negociando-se a abertura de um porto em Santa Catarina Ă navegação inglesa, caso Portugal se curvasse Ă França. A Inglaterra, pois, nada tinha de "liberal", o que se comprovarĂĄ com a assinatura dos tratados de 1810, que praticamente revogam o decreto de 1808 e dĂŁo precedĂȘncia aos interesses ingleses nos negĂłcios brasileiros, mesmo sobre os portugueses.
As idĂ©ias smithianas de que o comĂ©rcio livre Ă© base do bem-estar econĂŽmico dos povos e de que o franco comĂ©rcio Ă© a base da riqueza das naçÔes sĂł se tornarĂĄ polĂtica de Estado na Inglaterra em 1852, com a liberação dos portos ingleses a todas as bandeiras.
Por outro lado, Ă© imprudente acreditar demasiado no ilibado liberalismo de Cairu. Entre a idĂ©ia professa e a ação encetada hĂĄ um mediador complexo que Ă© o homem. Cairu pode ser apontado como aquele personagem tĂpico situado na esquina dos tempos. Sente e professa o hĂĄlito profilĂĄtico do liberalismo contra as amarras de um tempo que, moribundo, invade o novo sĂ©culo -lembre-se que autores como Arno Meyer situam o fim do Antigo Regime nos desfechos da Primeira Guerra Mundial!. Mas Ă© homem de corte, vassalo fiel ao seu rei. Como revelam suas "MemĂłrias" e sua prĂĄtica de estadista, Cairu paira suspenso na fronteira mĂłvel desses dois tempos em luta: o persistente Antigo Regime e os insurgentes novos tempos liberais.
Jurandir Malerba Ă© doutor em histĂłria pela Universidade de SĂŁo Paulo e professor da Universidade Estadual Paulista (UNESP); autor de "A Corte no ExĂlio" (Companhia das Letras).
Fonte: Folha de S.Paulo - 20/01/08.
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